Watch Dogs 2

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O tão criticado jogo de hackers em mundo aberto da Ubisoft ganha uma sequência e, assim como Assassin’s Creed II, há um novo protagonista e uma evolução considerável em relação ao primeiro jogo.

O tom já sofreu uma senhora mudança. Foi-se a Chicago sisuda e agora temos um São Francisco colorido e um roteiro com bastante humor. Fato: eu ri alto em muitos momentos com Watch Dogs 2. Embora a história não seja lá muito interessante, os personagens são bacanas (tem um sujeito que usa uma máscara que mostra suas expressões como emoticons), as piadas são boas e os diálogos são recheados de referências à cultura pop. No meio de uma missão, por exemplo, eles podem começar a discutir quem ganharia uma briga entre Aliens e Predadores ou qual apocalipse é mais provável, Skynet ou zumbis.

VAMOS ASSISTIR CACHORROS?

Você controla Marcus, codinome Retr0, um sujeito que acabou de se unir ao coletivo de hackers chamado DedSec. A gurizada está de cara com a corporação Blume, que está acabando com a privacidade dos cidadãos através de sistemas de vigilância cada vez mais sofisticados.

Para atacar a Blume, no entanto, a DedSec precisa de milhões de seguidores. Este é seu objetivo em Watch Dogs 2: arrecadar seguidores. Para conseguir isso, você vai fazer várias operações, atacando empresas malignas que nunca leram Homem-Aranha, e por causa disso não sabem que com grandes poderes vem um casamento com uma ruiva que vai ser dissolvido pelo diabo.

As operações, tanto as principais quanto as secundárias, consistem em várias partes, e cada uma das missões forma uma historinha quase independente. Por exemplo, você pode descobrir que uma seguradora está monitorando as pessoas e cada vez que elas pedem uma pizza ou fazem algo não saudável, o preço do seu seguro aumenta. Ou então você pode se envolver em uma guerra com um grupo de hackers rival.

Watch Dogs 2 é quase um jogo de contos. Não só não é necessário ter jogado o anterior para curti-lo, como a sua própria história é mais uma amálgama do que um todo conciso. Há alguns personagens do original que reaparecem por aqui, mas mesmo que você não os reconheça, não vai afetar seu aproveitamento.

MECÂNICAS CANINAS

A maior parte das missões envolve invadir um lugar e, dentro deste lugar, roubar dados ou plantar um vírus. Em seu melhor, você consegue fazer esta invasão usando apenas suas habilidades de hackers. Você tem um carrinho de controle remoto e um drone que pode usar para fazer reconhecimento do local. O carrinho é consideravelmente mais útil, podendo fazer hacks físicos e pegar itens, enquanto o drone… bem, o drone voa. É impossível jogar Watch Dogs 2 sem ficar constantemente frustrado pelo drone não ter as habilidades do carrinho, uma vez que sua mobilidade o torna muito mais útil e divertido.

Porém, para realmente se sentir um hacker pintudo, você precisa de uma certa paciência para encontrar os caminhos e plantar as armadilhas mais apropriadas para que, quando você de fato invada o lugar, todas as ameaças já estejam eliminadas. Essa é uma paciência que eu, sinceramente, não tenho. Eu até tento agir de forma furtiva, mas ao invés de ficar procurando por formas criativas de abater meus desafetos, eu acabo chegando perto e enforcando eles, ou usando tiros da minha arma com silenciador. Eventualmente, eu sou visto, e a coisa desemboca para um tiroteio. E aí Watch Dogs decai de um jogo criativo para uma simples cópia de Grand Theft Auto.

Não tenho dúvidas de que o jogo quer que isso não aconteça, e seu aproveitamento é bem maior quando você consegue invadir o lugar sem nunca ser visto, mas é fato que é bem mais fácil e rápido simplesmente entrar atirando do que ficar do lado de fora planejando estratégias. Este é o dilema que vem desde o primeiro jogo e Watch Dogs 2 ainda não conseguiu resolver.

Além disso, tenho que dizer que minhas primeiras horas com o jogo foram sofridas. Praticamente todas as primeiras sidemissions têm como objetivo hackear um trocinho ou pichar uma parede que fica num lugar alto. Só que seus movimentos são limitados, e neste ponto, Watch Dogs 2 lembra o também canino Sleeping Dogs e seus colecionáveis. Na prática, você vai ficar correndo em volta do quarteirão procurando um lugar com caixas que formem degraus ou algum tipo de guindaste para te ajudar a subir. E isso é um saco, especialmente porque não são apenas colecionáveis, mas missões de verdade (os colecionáveis também são quase todos nessa linha).

Uma outra sequência de missões envolve a possibilidade de invadir contas bancárias. Nessas missões, você deve hackear trocinhos que ficam em lugares altos, e esperar alguém entrar no caixa automático do banco. Daí você vai fazer coisas como limpar a conta bancária deles.

Se fosse um objetivo único, poderia ser passado despercebido, mas essa missão se estende por não uma, duas ou três invasões, mas por oito invasões ao redor de todo o mapa. No final, eu estava bem incomodado não só do ponto de vista do gameplay repetitivo, mas também pela narrativa. Por que estou invadindo e limpando contas bancárias de pessoas inocentes, algumas delas que o próprio jogo me mostra que são estudantes de baixa renda? Eu não deveria ser um hacker altamente ideológico que luta contra aqueles que fazem exatamente o que estou fazendo? Isso sem falar a quantidade de pessoas que eu mato em cada uma das minhas missões.

Há a possibilidade de usar métodos não-letais, mas se você os usar, os inimigos acordam depois de um tempo, tornando bem mais prático aplicar estratégias mais… definitivas. E o jogo não traz benefícios palpáveis para optar por um caminho não-letal.

MUNDO ABERTO CANINO

Também está ficando cada vez mais feio aquele típico roteiro de jogo de mundo aberto: você chega em um desconhecido, fala qualquer coisa para ele e recebe a resposta “ei, você gosta de karts? Vem dirigir para a minha equipe”. Isso não é algo único de Watch Dogs 2, mas de jogos de mundo aberto que sentem a obrigação de encher seu mundo de sidemissions irrelevantes, mas é um desafio que os roteiristas de games têm que começar a encarar.

Outra coisa típica de mundo aberto é que eu estou na minha base, rodeado pela minha equipe. Daí eu recebo uma ligação de um dos meus trutas dizendo “ei, tenho uma missão para você. Vem me encontrar no lugar X para conversarmos”. Mas o cara está, tipo ali, bem na minha frente. Por que tenho que dirigir até o outro lado da cidade para receber a próxima missão?

Jogos de mundo aberto têm seu foco na locomoção. Títulos como Infamous ou Sunset Overdrive fazem com que ir do ponto A ao ponto B seja um prazer. Watch Dogs é mais genérico. Para você se locomover, basicamente você rouba um carro ou uma moto e dirige até lá. Este é um problema forte no jogo.

Quando você joga um dos jogos do Batman, por exemplo, você sem dúvida vai lembrar da emoção de voar por Gotham City. Em Watch Dogs, dirigir de um lado para o outro é genérico e nunca memorável, por mais que o visual seja bacana e a São Francisco do jogo seja colorida e atraente.

Felizmente, o sistema de fast travel implantado pela Ubisoft é excelente, permitindo que você se teleporte a qualquer momento para qualquer lojinha do mapa – e existem várias, fazendo com que você sempre consiga popar num lugar próximo ao seu objetivo. Por outro lado, um jogo de mundo aberto que você passa a maior parte do transporte se teleportando mostra que ele provavelmente seria melhor se não fosse em mundo aberto.

INVADINDO EMPRESAS

Felizmente, depois dessas missões do início do jogo envolvendo basicamente chegar a um lugar alto, as coisas melhoram bastante. Há, por exemplo, uma missão em que você deve invadir a Ubisoft para roubar um trailer de um jogo não anunciado – e tudo indica que é um jogo de verdade, tornando este o anúncio de jogo mais legal da história dos games.

Em várias outras, você deve invadir mega-corporações que são claramente baseadas em empresas reais. Uma mexerica para aquele que adivinhar qual é a contraparte da vida real da corporação Nudle, que tem até um aplicativo chamado Nudlemaps.

Na verdade, as semelhanças são tão óbvias – tanto no nome quanto na identidade visual, que o jogo ganharia bastante se usasse os nomes reais das empresas. Não é à toa que todo mundo comenta da missão de invadir a Ubisoft. É muito mais legal invadir algo que você conhece do que uma contraparte genérica.

Claro, isso poderia gerar processos e problemas legais, mas convenhamos, se South Park faz um episódio dizendo que a Apple sequestra pessoas para fazer human centiPads, com certeza a Ubi conseguiria falar que o Google vigia os hábitos das pessoas numa boa, até porque… né?

Uma outra missão que vale ser destacada é uma em que você coloca um vírus em um foguete, o que possibilita que você faça suas hackeadas em vários países do mundo, tudo isso da segurança da sua base. É em momentos assim que o conceito de Watch Dogs brilha.

CACHORROS ONLINES

Há também um modo online, mas absurdamente este modo estava off-line desde antes do lançamento do jogo e se manteve assim durante quase todo o tempo em que eu trabalhava nesta resenha.

Eu consegui depois de um tempo testar os modos online. Há a possibilidade de invasão, onde você precisa hackear outro jogador sem ser encontrado, bem como ter que fugir de uma equipe formada por policiais NPCs e outros jogadores.

A maior novidade, no entanto, são missões em coop, que são bem mais simples do que as single players, mas é sempre bom ter a possibilidade de jogar com amigos. Estas missões são infinitas e podem ser repetidas sempre que desejar.

Uma coisa legal do online de Watch Dogs em comparação com outros multiplayers focados em invasão, como Dark Souls é que se você perder a batalha, simplesmente volta para o single player, sem punição. Se ganhar, acumula mais seguidores, embora não seja em quantidade considerável para tornar esta uma forma de farming válida.

UBIBRASIL

A Ubisoft foi um dos primeiros estúdios grandes a abrir uma filial brasileira, e com isso lançar seus jogos totalmente localizados. Ela continua esta relação com nosso país colocando músicas de artistas brasileiros na trilha sonora. Sem brincadeira, Watch Dogs 2 conta com uma faixa da Daniela Mercury, o que nunca esperei ver em um jogo, muito menos em um AAA.

Watch Dogs 2 é claramente um jogo caro e que envolveu muitas horas de trabalho para ser criado. No entanto, por mais que esta iteração seja uma evolução considerável do primeiro, tenho dúvidas sobre o conceito. Os roubos de carros e os tiroteios o deixam parecido demais com GTA, o que faz pensar que ele de nada ganha por ser mundo aberto, e isso é corroborado por quanto eu usei o fast travel.

Seus melhores momentos lembram aqueles de Hitman, em que você está em um cenário fechado e deve planejar a melhor forma de cumprir seu objetivo. Tudo que rola entre uma missão e outra, dirigir pela cidade ou pegar colecionáveis quase infinitos parece pura encheção de linguiça.

Watch Dogs realmente ganharia cortando essa gordura, e além disso ficaria bem menos caro se abrisse mão de um mundo aberto e focasse apenas nas missões bem planejadas. Este seria um caminho que eu gostaria de ver a série seguindo no futuro. No entanto, se for manter o esquema de mundo aberto, o que é bem mais provável, tenho dúvidas se este conceito rende outros jogos. Talvez seja a hora de focar na criação de uma nova série.

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
watch-dogs-2Ano: 15 de novembro de 2016<br> Gênero: Hackeando em mundo aberto<br> Plataforma: PS4, PC e Xbox One<br> Fabricante: Ubisoft<br> Versao: PS4<br> Distribuidor: Ubisoft<br>