Uma História de Amor e Fúria

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Há cerca de três meses, eu fiz a minha estreia nas resenhas oficiais de filmes com A Viagem, uma parceria entre os Wachowski e Tom Tykwer, que acompanhava um grupo de personagens em várias encarnações e mostrava como suas trajetórias individuais tinham consequências umas nas outras através do passado, presente e futuro.

Coincidentemente, agora eu me deparo com outro filme falando sobre ações que reverberam através dos séculos e almas que se reencontram em várias vidas. Mas dessa vez é um filme brasileiro, e como não é viável por aqui fazer um sci-fi em escala Wachowskiesca, a alternativa foi contar a história usando animação. O que soa bem para mim, já que sou a favor de tratar a animação como técnica, e não como gênero.

E aqui também não tem aquela alternação de períodos: tudo é contado linearmente. Uma História de Amor e Fúria começa durante a colonização brasileira, quando os índios tupinambás estão resistindo à invasão dos portugueses. O protagonista, dublado pelo Selton Mello, está feliz com sua companheira Janaína, que tem a voz e também algo dos traços de Camila Pitanga. Mas algo de fantástico acontece, ele descobre que tem um dom muito especial, e como sempre, com ele virá uma grande missão: ele terá o fardo de lutar para evitar que o poder de Anhangá, uma divindade das trevas, domine o mundo. Ainda que relutante, ele aceita seu destino, e a luta se estende durante seis séculos, passando pela escravidão, pela ditadura militar e indo até 2096, num Rio de Janeiro distópico, onde água é um artigo de luxo.

No entanto, a motivação do heroísmo desse personagem imortal é uma só: Janaína. Diferente dele, que volta com aparências bastante diversas e sempre com outros nomes, ela é sempre reconhecível e sempre se chama Janaína. Mas a cada reencarnação, ela vai ficando mais madura, mais corajosa e mais disposta a tomar parte na luta de seu amado. E a história dos dois acaba sempre se misturando à das minorias que tentam resistir às formas de opressão que são impostas através dos tempos.

Além dos dois, Rodrigo Santoro também tem alguns papéis aqui, como os antagonistas. Os três se saem bem dublando, e a Camila até aparece cantando perto do final, e não decepciona. A voz do Selton Mello também sempre vai soar familiar para mim, mas nesse caso é só por causa da quantidade absurda de vezes que eu assisti a A Nova Onda do Imperador, outro desenho muito legal que ele dublou.

O visual também foi feito com competência. O design dos personagens lembra aqueles desenhos antigos da Dreamworks, como O Príncipe do Egito e O Caminho para El Dorado. A animação usa poucos frames por segundo, e isso, aliado às cores fortes e à direção estilosa, deixa uma impressão muito nítida de história em quadrinhos. É difícil ver essas influências nerds em filmes nacionais, então também conto isso como ponto positivo.

O maior problema, talvez, é a curta duração. Um pouco mais de tempo aprofundando cada período e cada reencontro do casal teria ajudado a deixar os dramas mais comoventes e a parte política mais interessante. Quando uma transição acontece, você tende a sentir que aquela parte que ficou para trás ainda tinha mais a oferecer. Por sorte, o último período também é o mais interessante, então isso não chega a comprometer a qualidade geral. Apesar de um tanto rasa, a trama é bastante sólida e deixa transparecer o carinho que o Bolognesi tem com a história do Brasil. O roteiro poderia ter sido mais desenvolvido, mas não é, de forma nenhuma, mal feito.

Uma História de Amor e Fúria tem falhas, mas também tem qualidades que são muito raras no cinema nacional, e pode servir como o divisor de águas que vai abrir caminho para outros ainda melhores, que tenham cada vez mais apelo entre nós, nerds. E por si só ele já é um bom filme, portanto, merece ser conferido. Está recomendado.

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