Uma coletânea de ideias sobre música – Pt. 1

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O processo de criação de um texto reflexivo é bem diferente do de uma resenha. Muitas vezes, ele é uma reação a algo que aconteceu. Isso o torna mais instintivo e menos “cerebral”. Em outras, um único assunto necessita de muita pesquisa e rende páginas e páginas de texto.

Mas o de hoje é um caso diferente. Tem algumas coisas que eu vinha querendo dizer há um tempinho, mas não achava que elas renderiam um texto por si só. Várias dessas ideias eram sobre música, então resolvi juntá-las tematicamente em um texto em duas partes e, assim, fornecer a meu querido delfonauta uma nova Pensamentos Delfianos sobre música. Fazia tempo, não? Como diria o Bruce Dickinson, welcome home, it’s been too long, we misssed you.

O CD ODIADO DO HELLOWEEN

O próprio Helloween não se cansa de dizer em entrevistas como odeiam os álbuns Pink Bubbles Go Ape e Chameleon, por mostrar a banda em uma sonoridade mais pop. “Seriam bons álbuns para o Bon Jovi, mas são álbuns ruins para o Helloween”, dizia Andi Deris em uma entrevista à revista brasileira Rock Brigade muitos anos atrás.

Eu diria que isso mostra um grande desconhecimento de Andi Deris em relação ao Bon Jovi. A banda à qual ele comparou o disco faz um Hard Rock farofa e extremamente comercial, repleto de baladas, é verdade. Mas é tudo totalmente radiofônico.

O Chameleon, de 1993, é um álbum que realmente mostra um Helloween diferente. Mais pop, sim, mas eu não diria mais comercial. Claro, temos baladinhas fofas e radiofônicas como I Don’t Wanna Cry No More ou alguns rocks mais comerciais típicos dos anos 80, como Step Out of Hell:

Mas e músicas como Giants, Revolution Now, I Believe e When the Sinner, que dão realmente a cara do disco, por serem a maioria?

Essas músicas são bem diferentes de todo o resto que o Helloween fez, sem dúvida nenhuma. E, embora flertem com o pop e não sejam típicas composições de Metal, são muito mais adultas, estranhas e sérias do que qualquer coisa lançada pelo Bon Jovi. I Believe tem quase 10 minutos, caramba! E se liga nesse trecho da letra:

Got so much anger inside of me / I understand but I think I see what I’m not

Cara, isso é muito sério, bem diferente de frases como “we all live in happiness” pelas quais a banda era conhecida até esse ponto. E mostra bastante como os caras, especialmente o Michael Kiske, se sentiam ao estarem presos no Heavy Metal, sem possibilidade de criar coisas diferentes. Enquanto isso, o Bon Jovi cantava e canta sobre mulheres, festas, amor… enfim, as coisas divertidas que sempre cantou. Qual é a semelhança entre o Chameleon e o Bon Jovi? Nenhuma! Não é simplesmente a ausência de peso que torna qualquer música automaticamente semelhante ao Bon Jovi, pô!

Eu até concordo que o Chameleon não é um bom disco do Helloween por ser o mais diferente de todos. Mas nunca diria que ele seria um bom disco para o Bon Jovi. Na verdade, se o Bon Jovi lançasse o Chameleon, acredito que seria um fracasso ainda mais retumbante do que foi para o Helloween. Repare que, em nenhum dos casos, estou falando da qualidade, apenas do estilo. Gosto do Helloween, do Chameleon e do Bon Jovi.

Aliás, justamente por mostrar um Helloween mais adulto e sério, muita gente hoje em dia gosta do Chameleon. Mas ninguém gosta do Pink Bubbles Go Ape. E esse é meu motivo para entrar nesse assunto: por que diabos não?

Pink Bubbles Go Ape foi o sucessor dos fantásticos Keeper of the Seven Keys, álbuns que provavelmente estão na lista de melhores discos de 95% dos fãs de Metal. Ele saiu três anos depois de Keeper of the Seven Keys Pt. 2 e, tirando a introdução de Pink Bubbles, Kids of the Century foi a primeira faixa ouvida por muita gente.

Ouça comigo e me diga: o que ela traz de tão diferente do Helloween dos Keepers?

Vejamos… velocidade? Está lá! Vocais agudos e tremendões do Michael Kiske? Check. Senso de humor e alegria? Em abundância! Refrão pegajoso? Aposto que, se você ouviu a música acima, agora está cantando “We’re the kids of the century / We’re lost in our games / No time for the memories we look in the haze”.

“Mas, Corrales, essa é a faixa de abertura. Até o Chameleon tem uma abertura totalmente Metal”, diz o delfonauta respondão. E eu, também respondão, respondo: “é verdade, delfonauta respondão. Então vamos pegar uma música que está bem no meio, a de número seis (o álbum tem 11 músicas). Ouça comigo Goin’ Home”.

Não dá para imaginar essa música bem lá no meio do Keeper of the Seven Keys Pt. 2? Particularmente, acho que ela se encaixaria perfeitamente entre Save Us e March of Time.

Pink Bubbles Go Ape tem uma única balada, a última, Your Turn, ao contrário do Chameleon, que tem várias. Todas as outras estão exatamente dentro do estilo de heavy melódico ultra feliz que consagrou o Helloween, mas por algum motivo a banda parece só gostar da gospel The Chance (que é muito boa, sem dúvida).

A questão é que todas as outras músicas do álbum, até mesmo a intro engraçadinha, têm a mesma cara dos Keepers. Veja bem, novamente não estou falando de qualidade. Não tenho dúvidas que os Keepers são melhores que Pink Bubbles, mas não vejo absolutamente nenhum motivo para colocar Pink Bubbles como o marco do momento em que o Helloween “traiu o movimento”.

O que temos aqui é um metal melódico dos bons, que foi prejudicado por suceder os maiores discos de metal melódico da história. Quanto maior a expectativa, maior a decepção. A expectativa para Pink Bubbles não poderia ter sido maior, e ele pagou o preço, apesar de seguir o mesmo caminho que todo mundo queria que a banda seguisse.

Arriscaria dizer, inclusive, que o fracasso de público e crítica deste álbum foi o que incentivou a banda a compor e gravar um disco tão diferente quanto o Chameleon. Talvez se a recepção tivesse sido a esperada pela banda, eles teriam se mantido fiéis ao estilo, o Michael Kiske não teria saído da banda, o Ingo Schwichtenberg não teria se jogado na frente de um trem e o Andi Deris talvez tivesse levado sua banda, o Pink Cream 69, a ficar tão grande quanto um Whitesnake.

Ou não. O Michael Kiske já não gostava de metal desde que entrou na banda, a relação entre os músicos já não estava boa desde a época dos Keepers e o Michael Weikath já pagava um pau pro Pink Cream 69, então, independente de vendas e recepção, talvez tudo tivesse sido exatamente igual.

Particularmente, acredito que a banda não gosta do Pink Bubbles por trazer lembranças negativas de sua criação, e acabou entrando na onda da mídia que dizia que a banda se vendeu. Mas nós, como público, não precisamos entrar nessa. Aqueles que se aventurarem nas bolhas rosas doidas vão encontrar uma sucessão perfeitamente razoável para os clássicos da banda, muito mais próximos dos dois Keepers até mesmo do que aquilo que os caras chamariam depois de Keeper of the Seven Keys: The Legacy.

Dito isso, vamos agora falar um pouco de uma das maiores bandas de metal da história.

IRON MAIDEN E O FATOR X VIRTUAL

Iron Maiden e Blaze Bayley. Se você, como eu, era adolescente na segunda metade dos anos 90, deve ter calafrios apenas ao lembrar-se disso. Admito, eu nunca fui um grande fã do Bruce Dickinson, mas não dá para negar que a escolha de Blaze para substituí-lo foi difícil de entender.

Ao contrário de Bruce, antipático e orgulhoso, Blaze era um cara acessível, amigável e até meio patetão. Ele tinha um jeitão estranho e lhe faltava presença de palco, mas convenhamos, não dava para não gostar dele como pessoa. Ele me parece ser um cara muito legal.

Porém, também ao contrário de Bruce, sua voz era bem grave e ele cantava em tons baixos. Tons baixos não costumam ser muito usados no heavy metal a não ser que você seja uma banda gótica. Ainda assim, em uma banda própria, poderia dar certo, até por ser diferente. Mas Blaze saiu do seu grupo, Wolfsbane, para entrar no Iron Maiden, banda que tinha refrões como esse:

Não é fácil cantar isso com voz grave. Com uma voz mais aguda, você usa menos ar, é mais fácil de segurar notas e ter mais controle sobre elas. Assim, ou Blaze fazia feio em seu tom natural ou fazia mais feio ainda usando de falsete, algo que pouquíssimos homens conseguem fazer bem.

Não tenho dúvidas de que Blaze sabia cantar, mas tal qual Andi Deris no Helloween, sua voz não se encaixava no estilo da banda. Isso foi agravado com a mudança radical de estilo no álbum The X Factor.

A impressão que eu tinha na minha adolescência é que o Iron Maiden percebeu que músicas que começavam lentas e ficavam pesadas, como Hallowed Be Thy Name ou Fear of the Dark, faziam bastante sucesso, e resolveram fazer um álbum inteiro só com essas músicas. Para piorar, ao invés de seguir o jeitão delas, resolveram regravar Afraid to Shoot Strangers 11 vezes.

Eu até gosto dessa música, mas especialmente por causa da guitarra depois que ela acelera. Em The X Factor, praticamente todas as músicas são assim. Uma introdução normalmente apenas de baixo longuíssima e vocais monótonos (não raro durando mais de três minutos) antes da música de fato começar. E isso mata! E fica ainda mais grave porque, desde esse disco, o Iron Maiden só fez isso. Dá para contar nos dedos a quantidade de músicas que já começam aceleradas nos discos que a banda lançou desde então.

Assim, o que era especial (uma música por disco, normalmente o grand finale), se tornou a norma. Mas de forma muito mais monótona do que nos clássicos que seguiam essa regra. Foi também a partir da turnê do The X Factor que a banda começou a ir contra seus fãs, se recusando a tocar clássicos e fazendo setlists com várias músicas novas e algumas poucas antigas – normalmente The Trooper, Hallowed Be Thy Name, The Number of the Beast e 2 Minutes After Midnight. E foi exatamente nessa época que eu estava começando a freqüentar shows de metal.

Isso me marcou bastante pois, como o adolescente metaleiro que era, sonhava em ouvir clássicos como Wasted Years e Aces High, e a banda continuou me negando esse prazer por mais de 10 anos (e devo ter visto a banda pelo menos cinco vezes nesse período), quando finalmente fez a turnê que todo mundo queria ver e, assim, conseguiu bater recordes de público no mundo inteiro.

Mas isso tudo você provavelmente já sabe. O que me incentivou a escrever sobre essa fase do Iron Maiden é que, nos últimos anos, o álbum The X Factor adquiriu status de cult enquanto seu sucessor, Virtual XI, é considerado o pior disco da banda. Bem… eu discordo. =D

Não acho o The X Factor uma porcaria, nem mesmo o pior álbum da banda (título que dou ao Brave New World), mas admito que nunca o ouço quando fico com vontade de ouvir Iron Maiden. Ele é muito triste, muito depressivo. Parece um álbum do Type O Negative, não do Maiden.

Gosto muito das letras mais sentimentais, em especial Judgement of Heaven, e considero o trabalho de bateria desse disco a melhor coisa que Nicko McBrain gravou em sua carreira.

Assim, resolvo ouvir o disco quando estou mais introspectivo e calmo. Entendo porque as pessoas gostam dele, agora que o estão ouvindo de cabeça fria. Eu também gosto. O que não consigo entender é por qual motivo as pessoas estão odiando o Virtual XI.

Embora ainda sofra da praga do “começo lento e monótono em 90% das músicas”, Virtual XI é um disco alegre e empolgante. Inclusive, ele me lembra, tanto em temática quanto em clima, o clássico Somewhere in Time (um dos meus preferidos da banda). Todo mundo gosta do Somewhere, mas odeiam o Virtual. Por quê?

Bom, meu palpite é que a música The Angel and the Gambler tem muito a ver com isso.

Em seus primeiros minutos, é difícil entender o motivo para um fã de Iron Maiden não curtir essa faixa. Ela remete diretamente ao Hardão Setentista de um The Who ou UFO, influências que a banda nunca escondeu e que boa parte de seus fãs curte também.

Com seus dez minutos The Angel and the Gambler tem uma duração relativamente normal para o Iron Maiden pós-The X Factor. O problema é que essa duração é totalmente artificial. E o problema da música aparece aos seus dois minutos e trinta segundos.

Don’t you think I’m a saviour / Don’t you think I could save you / Don’t you think I could save your life

Essas inocentes frases são repetidas dezenas de vezes por três minutos ininterruptos. Daí faz uma pausa e são repetidas novamente por mais três minutos até o encerramento. São seis minutos em uma música de dez com as mesmas três frases.

O Iron Maiden sempre gostou de repetições e era comum na minha adolescência eu pular o meio de músicas que adorava, como Rime of the Ancient Mariner, por exemplo. Mas aí eles se superaram, não só pela duração, mas porque é difícil entender porque acharam que era uma boa ideia transformar articialmente uma composição que teria uns cinco minutos em uma faixa de dez.

Os detratores do álbum costumam dizer Virtual XI é muito repetitivo e acredito que todos pensam nessa faixa quando argumentam isso. As outras têm repetição, sim, mas não mais do que no The X Factor ou em qualquer outro álbum da banda. Essa é que foi a gota d’água, e eu concordo. Era uma música que poderia ser muito legal e que se tornou chatíssima e obtusa por causa disso. Mas o mesmo álbum que tem The Angel and the Gambler tem Futureal.

Sem exagerar, eu considero Futureal uma das três melhores músicas do Iron Maiden, e ela prova, inclusive, que o metal cheio de melodia do Maiden pode funcionar com uma voz mais grave. As pessoas também costumam destacar The Clansman, outra muito boa.

Falamos de três, das oito músicas, e as outras cinco costumam ser totalmente esquecidas. E, se elas não são tão boas quanto Aces High, ou mesmo Futureal, ainda são boas o suficiente. Eu gosto da balada Como Estais Amigos, que muitos consideram piegas.

Também gosto muito de outras, como The Educated Fool ou Lightning Strikes Twice.

Virtual XI está bem longe de ser o melhor álbum do Maiden, mas também está longe de ser o pior. Particularmente, o considero bastante superior ao The X Factor e muito mais próximo do estilo do Iron Maiden que gostamos. Assim como o Pink Bubbles Go Ape, se você o conhece apenas pelas críticas da mídia e de outras pessoas, ou nunca o ouviu com a devida atenção, sugiro que o faça. É sempre bom formar sua própria opinião. Talvez você se surpreenda. Ou talvez você concorde com a maioria. O que importa é que você formou uma opinião própria e embasada.

Amanhã continuaremos esta coletânea falando sobre o impacto das mensagens e da gravação no mundo da música. E sim, a imagem que ilustra esta matéria é a Kirsten Dunst com uma camiseta do Iron Maiden.