Um Estado ausente

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Devo admitir que não sou um cara especialmente político. Até tento me informar mais, mas o fato é que não vejo grandes diferenças entre os partidos brasileiros e não sei em quais políticos confiar. Quando tanto, sei nos que NÃO confiar (como a dupla Serra e Alckmin e sua mania de abandonar o mandato no meio, deixando o estado e a cidade de São Paulo nas mãos de vices – eu nunca votarei em ninguém do PSDB depois dessa). Isso acontece porque todos eles prometem basicamente as mesmas coisas (saúde, educação, transporte e afins), passam boa parte de suas propagandas beijando nenês (pedofilia, mano!) e a outra parte falando mal dos outros. Assim, sobra muito pouco tempo para o que realmente interessa. Ou alguém realmente escolhe o político que falar MAIS MAL dos seus adversários? É como se alguém só fosse entrar no DELFOS se eu só escrevesse textos criticando outros sites. É um absurdo!

Recentemente, contudo, tive uma amigável, porém acalorada, discussão com uma pessoa de quem gosto muito sobre isso. Eu dizia que, desde que tenho memórias, o único governo que fez com que sentisse alguma diferença foi quando o Plano Real foi implantado, pois acabou com a inflação absurda em que vivíamos.

A outra pessoa dizia que houve, sim, diferenças, mas como elas afetaram apenas a periferia, eu não as sinto. Claro, essa pessoa sabe disso melhor que eu, pois trabalha com saúde e justamente com a população mais carente. Enquanto isso, a minha profissão envolve ir ao cinema e escrever textos cheios de piadas infames neste site. Tá, não é um trabalho legal, mas alguém tem que fazê-lo. 😛

Este artigo que você está lendo, de certa forma, surgiu a partir dessa discussão e visa expor aos delfonautas e a quem mais se interessar meus sentimentos sobre o governo brasileiro e como o percebo afetando a minha vida. E, se quiser deixar um relato relacionado à sua vida, divirta-se nos comentários ou mesmo escrevendo uma Pensamentos Delfonautas.

Para começar, devo dizer o que eu esperaria de um governo. Um Estado ideal, para mim, deve me dar o máximo possível de liberdade, ao mesmo tempo em que cuida de todas as minhas principais necessidades. Eu sei que precisamos abrir mão de uma parcela da nossa liberdade e assumir algumas responsabilidades para termos um Estado que funcione e não tenho problemas com isso. Porém, na maior parte do tempo, o governo tem que me deixar livre para viver minha vida e, na eventualidade de algo dar errado (por exemplo, se eu for assaltado ou precisar ser operado), ele deve estar lá, me oferecendo conforto, proteção e, de preferência, uma solução. Ele também deve dar as condições mínimas para que eu e minha família vivamos bem, ou seja, saúde, educação e todas essas coisas que todos prometem, mas ninguém faz.

Porém, não é assim que vejo as coisas por aqui. Sempre que o Estado aparece na minha vida, é de forma negativa. Pode ser me obrigando a manifestar minha opinião quando não tenho o que dizer, me negando o direito a decisões que são minhas, e apenas minhas, me obrigando a ser mesário (se no nosso país existe uma imensa quantidade de pessoas que aceitariam trabalhar de bom grado em troca de um vale-refeição, por que obrigar aqueles que não precisam a fazer isso?) ou mesmo descontando uma imensa quantidade de dinheiro (impostos) da minha conta com a promessa de que será bem aproveitado.

Na hora de me dar algo em troca, ele sempre some. Eu tive que pagar educação durante toda a minha vida, incluindo duas faculdades. Quanto à saúde, eu pago algumas dolorosas centenas de reais por mês em convênio. E olha que tenho menos de 30 anos, não uso nenhum tipo de droga, lícita ou ilícita, e sou até bem saudável. Vou, se tanto, duas vezes por ano a consultas médicas – ou seja, cada uma delas me custa alguns milhares de reais. E era algo que eu deveria ter em troca dos impostos que eu pago. Só que, mesmo não valendo a pena, a gente acaba pagando o convênio. Afinal, e se daqui a algum tempo eu precisar de uma operação caríssima que nunca conseguiria bancar? Eu sei que não vou poder contar com o governo, então vale mais garantir pagando o seguro, ainda que seja doloroso e que necessite de bastante esforço para arrecadar essa obscena quantia todo mês.

Comparando o Estado e o país a uma família, posso dizer que nosso governo é aquele tipo de pai/mãe ausente, que nunca está em casa e que deixa os filhos se virando sozinhos. Porém, quando ele aparece, é para mandar lavar pratos, colocar o lixo para fora, cortar a grama do jardim e, antes que suma até o próximo mês, ainda pega um dinheirinho emprestado – uma quantia que costuma ser mais da metade do seu salário e que você sabe que ele nunca vai pagar de volta.

Você pode argumentar que existe sistema público de saúde e educação, e isso é verdade. Porém, não é universal. Eu só vou aceitar que esse sistema realmente é universal quando todo mundo que quiser – afinal, nem todos querem fazer faculdade – tiver educação garantida (do primário até a faculdade) e um sistema de saúde completamente disponível para todos que precisarem. Ao invés disso, hoje, quando estamos planejando ter filhos, precisamos fazer as contas para ver se teremos como bancar a escola e o convênio. Quando isso deixar de ser necessário, aí sim vou aceitar que temos um sistema público e universal de saúde e educação.

Se você não tem condições de bancar um convênio, tem que aceitar o serviço público, mas não conheço ninguém que tenha essas condições e que, mesmo assim, opte por abrir mão do particular. Tá, eu sei que esses serviços acabam sendo para as classes mais baixas e, graças a Inri Cristo, eu não faço parte delas. Mas se é voltado a apenas parte da população, não podemos dizer que o Brasil tem saúde e educação universal, certo? Porém, voltando à metáfora da família, isso faz com que eu sinta que, não importa a quantidade de louças que eu lave, eu sempre sou obrigado a comer em pratos sujos. Ou bancar meus próprios pratos limpos.

Isso me incomoda. Por que eu tenho que pagar por um serviço que apenas outras pessoas vão usar – e ainda ter que bancar meus próprios serviços de saúde e educação para toda a minha família? Racionalmente, eu posso até pensar em um monte de respostas para isso e imagino que várias delas vão fazer “pop” aí nos comentários, digitados por pessoas que ficaram chocadas com essa pergunta. Mas o fato é que nem sempre os sentimentos acompanham a razão. E mesmo que eu consiga me convencer dos motivos para isso acontecer, eventualmente chegamos à faculdade, onde eu vejo um monte de gente com condições financeiras bem superiores à minha fazendo USP. Isso acontece até com amigos meus. Um em especial fez USP duas vezes em dois cursos diferentes e as duas irmãs dele fizeram a mesma coisa. Ou seja, eu tenho que pagar a escola e a saúde dos que são mais pobres e a faculdade dos que são mais ricos? Que espécie de lógica é essa? E por que eu pago para todo mundo e ainda tenho que bancar as minhas?

E daí eu fico aqui, lutando para conseguir arrecadar minhas centenas de reais mensais destinados ao convênio (que, para mim, é praticamente mais uma forma de imposto), ao mesmo tempo em que torço para nunca precisar do serviço (afinal, não quero passar por operações caríssimas – nem baratíssimas para falar a verdade) enquanto o Lula compra aviões e mora em palácios. E por que eu preciso pagar pelo avião do Lula? Aliás, por que eu tenho que pagar qualquer coisa para os governantes se eles não fazem nada por mim?

Mesmo nas outras coisas que o governo deveria fazer, eu não vejo resultados. Eu tenho medo de sair para uma caminhada pelo meu bairro de madrugada. Eu tenho medo de sair na rua ouvindo iPod ou de jogar meu Nintendo DS no ônibus. Caramba, eu já fui assaltado quase dez vezes. Cadê o Estado que deveria impedir isso? Ele é tão ausente que, na maioria dessas vezes, eu nem lembrei de ir até a delegacia, de tão distante que é a idéia de que existem leis que servem para ajudar os cidadãos e pessoas cujo trabalho é colocá-las em prática. Pessoas cujo trabalho você e eu pagamos. E, na única vez que realmente procurei a polícia (eu estava no Rio de Janeiro e roubaram o som do meu carro), eles apenas fizeram um BO e deixaram bem claro que não fariam nada a respeito. Só faltou mesmo apontarem para a minha cara e darem risada. Pois é, a gente paga impostos destinados a manter a força policial durante décadas e, quando precisamos delas, a única coisa que esse pagamento nos traz é um relatório sem nenhuma aplicação prática.

Mais ainda, apesar do monte de impostos que eu pago, o transporte público fica cada vez mais caro. Se é público, tem que ser bancado pelos impostos, cacilda! E o trânsito fica cada vez pior e mais estressante. Há alguns anos, eu ia da minha casa até o Shopping Eldorado em dez minutos. Hoje, se não quiser me atrasar, é bom sair com mais de uma hora de antecedência. E está cada vez mais difícil estacionar na rua em qualquer lugar de São Paulo, pois sempre aparece um flanelinha cobrando “proteção” na melhor tradição Don Corleone.

Mas tudo o que pagamos de impostos não é o suficiente, pois se quisermos ter games de forma legalizada, o que é um dos meus passatempos preferidos, sou obrigado a pagar quantias exorbitantes graças a quê? Aos impostos, meu caro amigo. Ou seja, além de todas as contribuições que são automaticamente debitadas da minha conta em troca de nada, para usufruir de um pouco de lazer eu preciso pagar mais de 200% sobre o valor do produto para o governo. Todo mundo junto agora: pra quê? Pra polícia fazer relatórios burocráticos ou para pagar serviços que você não vai utilizar. ¬¬

Entende porque eu digo que o Estado é completamente ausente, a não ser nas coisas ruins? Afinal, sempre aparece um imposto novo por aí ou uma nova “responsabilidade cidadã”. A partir do ano que vem, todos os paulistanos terão que levar seus carros lá na Avenida das Nações Unidas (duas horas de ida e mais duas de volta, com trânsito bom – ou seja, todo um período que preciso reservar para isso) só para um maninho olhar para o escapamento do meu carro e ver se não está saindo fumaça preta, coisa que eu mesmo poderia fazer. Porém, se não for o maninho em quem o Kassab confia, eu não posso licenciar o carro. E, se o Kassab não confia em mim, eu também não confio nele. E quem teve a idéia de jerico de colocar essa porcaria justamente na Avenida das Nações Unidas, caramba? É um dos lugares mais distantes e inacessíveis de São Paulo – sem falar com o pior trânsito! Por que não na Avenida Paulista ou em algum lugar acessível para qualquer um?

Essa é a nova obrigação que o governo de São Paulo colocou na minha vida – novamente sem me dar absolutamente nada em troca. Ok, eu entendo que a poluição é um problema e que algo deve ser feito. Mas por que não dar opções de lugares? Por que não fazer essa revisão em qualquer concessionária? “Para evitar interesses financeiros, o lugar que aponta o problema não fará os consertos”, diz o governo. Mas isso não cola. E os interesses financeiros que a tal oficina das Nações Unidas ofereceu para o governo em troca disso? E outra, se tem algum problema com meu carro (e eu sei que não tem), eu quero é consertar no mesmo lugar que apontar o maledeto e ficar livre logo. Imagina que horrível: seu carro tem problema, você leva para outro lugar para consertar e depois tem que ir lá na Nações Unidas uma segunda vez? Que Satã me livre dessa via-crúcis, pelamordedeus!

Normalmente, minha idéia política é que o Estado tem que ser forte e fazer valer as leis. Porém, com tantas obrigações e tão poucos benefícios, começo a ficar cada vez mais atraído pela anarquia. Afinal, já que o Estado não vai fazer nada por mim, é melhor que ele nem exista de uma vez. Pelo menos você pode usar os milhares de reais que paga de impostos para blindar seu carro e colocar alarmes nas suas propriedades. Afinal, a polícia só ri da sua cara e faz um relatório cheio de erros de português. Mais vale fazer um investimento que beneficie você e aqueles com quem você se importa, e não apenas ilustres desconhecidos.

Vivemos em uma democracia representativa. É mesmo? Pois eu não me sinto nem um pouco representado. O que realmente vejo é que nosso Estado é laico no papel, mas não na prática. E a religião que ele segue não é a minha. Para piorar, ele ainda me obriga a aceitar os dogmas da sua religião, inclusive ultrapassando os limites do seu poder e tomando por mim decisões onde não tem o direito de se meter.

Não me lembro de saber de nada que o governo tenha feito, em toda minha vida, que tenha me afetado positivamente. Quando o governo aparece no meu dia a dia, é com algo que aumenta minhas “responsabilidades de cidadão” sem me dar nenhum benefício real. E, quando não é isso, é algum filho ilegítimo bancado por dinheiro público ou alguma outra safadeza equivalente.

Sim, eu sei que esse texto pode parecer um pouco egoísta e que vai ter gente chocada com minha sinceridade, mas eu disse no começo que é uma reflexão sobre o impacto na minha vida. E, cá entre nós, sei que muita gente se sente exatamente como eu. Se você é afetado positivamente pelo Estado (ou tem algo a acrescentar ao que foi dito aqui), novamente convido-o a escrever uma Pensamentos Delfonautas. Afinal, eu mesmo quero saber o que nosso governo fez de bom. Se é que realmente fez algo.

O fato é que, se o governo do nosso país nunca faz algo de bom para mim, por que eu devo continuar contribuindo com ele? A gente faz isso para não ser preso, mas deveríamos fazer por sentir que é necessário e que o país está melhorando. Não por medo de punição, caramba! Se fazemos apenas por medo da punição, fica claro quão erradas as coisas estão. Eu quero contribuir para um país melhor, mas eu quero ver as melhoras para as quais estou contribuindo e assim sentir que meu trabalho e meu dinheiro estão sendo bem aproveitados.

Aqui em São Paulo, não vejo muito para onde escapar. Pelo menos não nessa eleição. Os três candidatos mais fortes e que têm alguma chance de ganhar são terríveis: a Marta vai repetir o que fez antes e inventar taxas do lixo, do banho, do corte de cabelo, do cocô de cachorro não recolhido e demais impostos estapafúrdios que com certeza serão tão bem investidos quanto os de seu governo anterior (aviso de ironia). O Kassab foi o caboclo que implantou essa terrível obrigação de levar o carro lá na PQP para ganhar um adesivinho e poder licenciar. E eu sou contra qualquer aumento nas obrigações até que todo o nosso povo comece a ver alguma melhora universal. E o Alckmin… humpf, esse é o pior! Se o cargo de governador do estado de São Paulo não foi o suficiente para ele, por que diabos a prefeitura vai ser? Alguém tem alguma dúvida de que ele vai sair no meio em busca de suas ambições egoístas?

Tucanos, admitam: votar no Alckmin para prefeito é votar no vice dele. E quem é o vice dele? Você sabe? Eu não sei, nem quero saber. E, se ele perder, eu vou achar bem legal. Já foi divertido vê-lo abandonar o cargo de governador e ser derrotado na presidência. Porém, vai ser ainda mais tremendão ver que agora ele não consegue nem mesmo um cargo mais baixo. Quis tudo, ficou com nada, seu cabeça de mamão! 😛

Eu até simpatizo com a Soninha, mas não vou votar nela apenas por simpatia. E nas propagandas dela, ela nem sequer fala o que vai fazer, pelo menos não nas propagandas que chegam até mim. Fica apenas no “quem disse que seu voto não conta?”. E não, não vou assistir ao horário político obrigatório, pois isso é outra coisa que nem devia existir. Pelo menos o que ela faz é melhor do que investir tempo e dinheiro para falar mal dos outros candidatos, embora tenha feito bastante disso no debate da Record que aconteceu no último domingo – atitude que, admito, me decepcionou deveras, pois via a moça como alguém menos preocupada em falar mal dos outros. E não me refiro à parte normal de um debate, mas, por exemplo, em usar o tempo de considerações finais para falar mal do Maluf (não que eu goste do Maluf).

Porém, cada vez mais, eu sinto que meu voto não conta mesmo e que não temos nenhuma chance de termos um Estado presente no que realmente importa… Afinal, meu voto é só um na maior cidade do nosso país. E, segundo a DataDelfos, mais de 70% dessas pessoas vão votar no menos pior. Como competir com isso, tentando escolher alguém que não seja menos pior, mas realmente bom?

Você vê alguma esperança? Temos alguma possibilidade de mudar isso? Embora este seja um texto claramente passional, é também oportunista. Afinal, as eleições estão aí. Já que a lei nonsense do nosso país catolaico (mistura de católico com laico, para aqueles com menor capacidade de interpretação de palavras inventadas) obriga você a votar, vote direito e não me venha com aquela história de escolher o menos pior. Se ninguém te apetece, mostre que está insatisfeito com essa obrigação anulando. Pelo menos dessa forma você não contribui com um país ainda pior. E torço para que, daqui a alguns anos, eu escreva um texto mais positivo, elogiando as melhoras do novo governo.

A esperança é a última que morre? Sei lá. A minha já morreu. Mas quem sabe ela não ressuscita no terceiro dia, como prega a religião do nosso Estado laico, não é mesmo? E, se Mel Gibson estiver certo e os judeus mataram Jesus, os assassinos da minha esperança são justamente os católicos que governam nosso país.

Curiosidade:

– Uma coisa engraçada é que os textos que eu escrevo achando que serão extremamente polêmicos costumam ter uma recepção tranqüila, enquanto outros que considerava mais genéricos acabam gerando altas polêmicas e discussões. Esse eu escrevi esperando torná-lo o recordista de comentários passionais aqui no DELFOS. Não me decepcione, mas seja civilizado se quiser ver seu comentário no ar! 😛

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