Tão Forte e Tão Perto

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Caramba, como os estadunidenses gostam de se fazer de vítimas, não? Mais de uma década após os ataques de 11 de setembro, eles continuam se fazendo de coitados por causa disso. E convenhamos, derrubar um prédio e matar todo mundo que estava lá dentro não é nada perto das atrocidades cometidas na história humana – muitas delas feitas pelo próprio país do Tio Sam.

Por exemplo, pouco depois da queda do World Trade Center, eles destruíram no Iraque um castelo que tinha 800 anos. Amigo delfonauta, qualquer coisa que ainda esteja no nosso planeta depois de 800 anos é um patrimônio histórico da humanidade, e eles ficam chorando por causa de um prédio que não tinha nem 30 anos de história. Isso sem falar na não uma, mas DUAS bombas atômicas que os EUA jogaram no Japão por pura crueldade (uma vez que a rendição do Japão já estava sendo negociada).

Esse é o principal problema de Tão Forte e Tão Perto. Na real, é o único, pois de resto é um filmão. Aqui conhecemos a história de um moleque (Thomas Horn) que perdeu o pai (Tom Hanks) no ataque ao WTC. Um tempo depois, o pimpolho encontra uma chave que acredita abrir algo deixado para ele pelo pai. O menino fica obcecado para desvendar o mistério, e para isso a única dica que tem é um envelope onde está escrito “Black”.

Não parece muita coisa, e de fato não é. Este é daqueles filmes em que importa menos a história, e mais a forma como ela é contada. E ela é contada muito bem. As atuações estão excelentes e a direção é nada menos do que sensacional (curioso que, considerando que se trata de um oscarizável e foi indicado a filme e a ator coadjuvante, não tenham incluído uma indicação para diretor). A cena em que o menino conta sua história para O Inquilino é o tipo de coisa que me dá vontade de levantar da cadeira e gritar “é por isso que eu adoro cinema!”. Simplesmente inesquecível!

O Inquilino, aliás, é um grande destaque. Interpretado por Max Von Sydow (personagem-título do maior filme de terror da história – um brinde imaginário para quem colocar o nome da obra nos comentários), que faturou a indicação de ator coadjuvante pelo papel, é um personagem fascinante. Sua participação é pequena, mas sem dúvida são as cenas com ele que ficarão mais marcadas na sua memória, exatamente como aconteceu com Michael Shannon em outro oscarizável excelente (Foi Apenas um Sonho).

Seria tudo perfeito se não fosse a insistência em o país inteiro se fazer de coitadinho por causa do 11 de setembro. O ataque é parte integral da história e não poderia ser feito de outro jeito, pois é por causa dessa tragédia que as pessoas se apegam àquele garoto estranho que aparece do nada para fazer perguntas. Não teria o mesmo efeito se ele tivesse perdido o pai em um acidente de trânsito, por exemplo.

Até aí tudo bem. Quando a história se foca nas vítimas inocentes do atentado, como o menino que perdeu o pai ou qualquer outra pessoa que perdeu um ente querido ali, o negócio funciona bem. É fácil sentir compaixão por uma pessoa inocente que sofreu em um fogo cruzado. Agora convenhamos, sentir a mesma coisa por uma nação que provocou isso e depois fica fingindo surpresa é outra história. E é na insistência nesse ponto que o filme perde a força.

O menino tem necessidade quase patológica de entender o mundo através da lógica. E a mãe dele insiste que ele não vai conseguir entender logicamente porque o pai dele morreu, já que foi um ataque gratuito e sem sentido. Ora, vamos… todos sabemos que não foi assim. De todas as violências atrozes cometidas por nações inimigas, essa provavelmente foi a mais racional de todas.

Os EUA desrespeitam e exploram regularmente ideologias políticas, sociais e religiosas de dezenas de países. Era uma questão de tempo até que uma delas reagisse. E o ataque ao prédio não foi um assassinato premeditado de pessoas inocentes, mas a destruição de um símbolo do capitalismo selvagem. Era um ataque simbólico para mandar a mensagem de que os autores não iam mais aguentar a exploração capitalista. Não dá para ser mais racional do que isso, e o menino do filme, inteligente como é, com certeza teria capacidade para compreender isso. É muito claro que o ataque teria o mesmo efeito para os atacantes se o prédio estivesse vazio, com a diferença de que deixaria bem mais difícil para os governantes forçar a simpatia do resto do mundo batendo na mesma tecla por dez anos quanto às 2.753 mortes que ocorreram ali. Aliás, percebe como é um número pequeno de vítimas se comparado às atrocidades diárias cometidas em lugares como Guantânamo e à quantidade de assassinatos cometidos pelos EUA nos países do Oriente Médio desde então?

Para espectadores que ainda não estão de saco cheio de tamanho chororô cujo objetivo visa justificar uma guerra que nada tem a ver com a queda de um prédio, talvez isso não denigra o filme. Mas para mim, afetou consideravelmente. Gostei muito de todos os personagens e tenho a maior compaixão pelas quase três mil famílias que perderam alguém na tragédia. Mas não venha se fazer de inocente para cima de mim, tio Sam!

Se você conseguir curtir o filme apesar de suas motivações políticas, focando apenas no drama e na busca do menino, temos aqui um filme que pode até mesmo ser merecedor de um Selo Delfiano Supremo. Analisando como obra completa, e levando em consideração a manipulação da simpatia internacional nele presente, ainda temos um excelente longa. Mas a nota 4,5 está mais do que suficiente.