Há duas tendências no gamedesign atual, especialmente no cenário indie. Uma delas é fazer com que os jogos sejam absurdamente difíceis. Outra é que, ao invés do level design artesanal e caprichado, eles lancem mão do procedural. Sundered combina as duas tendências, e se dá muito mal nisso.

MENINO, EU VOU CURTIR MUITO ISSO

Sundered é o novo jogo da Thunder Lotus, a simpática desenvolvedora responsável pelo excelente Jotun. De seu antecessor, traz o mesmo visual desenhado a mão, mas se Jotun era praticamente uma sequência de chefes, agora teríamos combate de verdade, com inimigos normais nas fases. Cara, como eu estava empolgado.

Sundered, Delfos
Na foto: empolgação!

Pelos primeiros minutos de Sundered, eu sinceramente estava apostando que teríamos aqui um metroidvania com a qualidade de Guacamelee!, algo que eu venho procurando há um bom tempo. Infelizmente, o que diferencia este de Jotun – os inimigos normais – é justamente a armadilha que torna Sundered um jogo cada vez mais frustrante e irritante.

Não demora para você perceber que há algo errado. Logo de cara, você já percebe que não é possível matar os inimigos e explorar sossegado. Eles simplesmente continuam vindo. Ao invés daquele jeitão tradicional de que os inimigos estão vivendo suas vidas até você invadir o território, eles estão constantemente te caçando.

Assim, se Jotun pecava por ser tranquilo demais, este aqui vai pelo caminho contrário. E intensidade sem descanso logo vira tédio.

HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DE SUNDERED

O mapa do jogo tem um layout em blocos fechado. Assim, chefes, upgrades e tudo mais que importa ficam sempre nos mesmos lugares. No entanto, o que tem dentro de cada um dos blocos genéricos muda cada vez que você morre.

Sundered, Delfos
Na foto: porrada.

Isso afeta os inimigos, que não têm lugares específicos para aparecer. Na verdade, eles parecem estar em um timer. Tipo a cada dois minutos, um grupo te ataca. Começa tranquilo, em grupos de 10 ou menos, o que você vence com tranquilidade.

No entanto, o jogo é programado para ter uma dificuldade dinâmica. Ou seja, quanto mais você sobrevive, mais inimigos aparecerão nessas hordas. E pensa que o jogo sossega em uns 50? Não, meu amigo, o troço chega a centenas. Aliás, não posso afirmar isto com 100% de certeza, mas tive impressão que em alguns momentos estas hordas são infinitas, ou seja, morte forçada.

Digo isso porque várias vezes eu fiquei lutando contra elas por mais de dez minutos ininterruptos, e os inimigos simplesmente não paravam de vir. Tudo indica que eles continuam vindo até você morrer.

E não adianta fugir. Os malditos atravessam paredes, se teleportam e até atiram em você do outro lado do mapa. Eles são implacáveis e vão atrás de você para sempre. Assim, não há estratégia. É lutar ou morrer. E eventualmente morrer, pois eles não param de vir.

Sundered, Delfos
Na foto: estes traços rosas são inimigos atirando em você a quilômetros de distância.

As hordas não sossegam nem mesmo nas batalhas contra os minichefes. Você já está tendo a maior dificuldade para vencer um inimigo grande e poderoso, e ter que lidar com centenas de inimigos menores ao mesmo tempo só deixa tudo ainda mais chato.

MORRE, UPGRADES, TENTA DE NOVO

Este é um daqueles jogos feitos para você morrer muito. Ao morrer, você tem a oportunidade de trocar sua XP por upgrades e, assim como em Dark Souls, eles vão ficando mais caros a cada melhoria. Assim como em Dark Souls também, as melhoras são bastante incrementais. Tipo um upgrade pode subir seu ataque de 100 para 102. Ou seja, você quase não sente diferença.

Há alguns pontos na árvore de melhorias com opções mais caras e mais pintudas. Coisas como subir seu poder de ataque em 30%, então você sempre vai comprando os upgrades na direção da próxima grande melhora que deseja. Só que estas grandes são quatro vezes mais caras do que uma normal.

Assim, se no começo uma morte possibilita a compra de vários upgrades, depois de um tempo você terá sorte se conseguir comprar um que seja, de tão caro que elas ficam.

Sundered, Delfos
Na foto: um trava-línguas.

Mas este nem é o problema. O problema é que não interessa onde você morra, você sempre volta para o início do jogo. Tipo, este local fica entre as três fases, e cada uma delas tem uma grande quantidade de atalhos, mas ainda assim, você sempre volta para o mesmo lugar. Uma das mortes forçadas do jogo pode custar dezenas de minutos de progresso se você não explorou o mundo aleatório da forma correta.

Ainda há uma falha gravíssima para um jogo que exige que você morra tanto: os loads. Para você ter uma ideia, eles demoram um tempão. Daí, quando você acha que está para começar a jogar de novo, aparece um contador na tela, começando em 0%.

Cada vez que você morrer será submetido a um load de dois ou três minutos. E convenhamos, este é um jogo em 2D. Que tanto ele tem para carregar?

Morreu em um dos chefes principais? Prepare-se para não um, mas dois loads. O primeiro vai te colocar no início do jogo, obrigando você a andar todo o caminho até o chefe de novo. Chegando lá, há mais um load antes da batalha.

Sundered, Delfos
Na foto: pelo menos o visual dos chefes é fantástico.

QUANTO MAIS EU JOGAVA, MAIS A NOTA DIMINUÍA

O jogo é relativamente aberto. Você não precisa matar o chefão para seguir até a próxima região, é só achar a saída, e abrir o atalho que liga a nova fase ao hub central. No entanto, você precisa matar os três chefes principais para abrir acesso à quarta e última área.

O mapa sempre mostra o próximo objetivo da região. Assim que você entrar nela, os objetivos serão as novas habilidades (coisas simples, como pulo duplo ou dash) que possibilitam que você acesse novas áreas e telas. Depois de pegar todas as habilidades da região, o local do chefe aparecerá. Minichefes e demais segredos devem ser encontrados na raça.

Eu continuava jogando na esperança de que a coisa daria um clique e se tornasse um bom jogo, mas isso nunca acontecia. Pelo contrário, quanto mais eu jogava, pior ele ficava. Mais frequentes eram as hordas, mais apelões eram os chefes e menos inspirados eram os cenários.

Poxa, considerando que no início este é um jogo que parece tão bonito, é triste constatar quão genéricos vão ficando seus cenários. Os personagens são legais, mas simplesmente não há o que se olhar nos cenários.

Sundered, Delfos
Na foto: personagens legais e cenários genéricos.

Na terceira fase, em especial, colocaram uma mecânica que é digna de fazer qualquer um parar de jogar. Há esporas na fase que soltam um gás letal, que diminui sua energia. O problema é que o gás vai se espalhando infinitamente, até ocupar toda a tela. Ou seja, você precisa estar sempre se movendo e não pode voltar. Some isso às constantes hordas que não param de te atacar e você tem um exemplo do que não fazer em gamedesign.

A MALDIÇÃO DO SEGUNDO ÁLBUM

Em música, é comum falarem da “maldição do segundo álbum”. Aqui temos a maldição do segundo jogo. Sundered tinha tudo para ser vitorioso, um sucessor ainda melhor do que foi Jotun. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Sundered é frustrante, irritante e não respeita seu tempo. Infelizmente não dá para recomendá-lo, a não ser que você seja alguém que jogue videogames única e exclusivamente pela dificuldade, e mesmo assim há opções melhores.

Jogos como Dark Souls exigem muito do jogador, mas também dão muito em troca. Sundered pega, pega, pega, e não devolve nada além de frustração e tempo perdido.