Assassin’s Creed Shadows é um jogo de extremos. É lindo e tem a melhor jogabilidade e combate da série. Mas ao mesmo tempo é grande demais e tem muito conteúdo que poderia não existir. Poucas coisas exemplificam melhor isso do que as duas primeiras impressões que ele causa. Vem comigo.

AS DUAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE ASSASSIN’S CREED SHADOWS

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Assassin’s Creed Shadows é um launcher para o restante da série recente.

Assassin’s Creed Shadows causa duas primeiras impressões totalmente discrepantes. A primeira vem logo que você abre o jogo. Assim como Call of Duty, ele agora é um launcher para os jogos RPG da série (a partir de Origins). Basicamente, são links para baixar e abrir os outros jogos, que continuam rodando como aplicativos independentes à parte. Totalmente desnecessário, mas isso faz com que abrir o jogo seja muito mais demorado do que deveria ser na era dos SSDs.

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Antes mesmo de entrar no jogo, ele já vai querer te vender conteúdo extra.

A segunda parte negativa é a loja, que mesmo antes do lançamento já estava ativa, e querendo vender um monte de coisas para “melhorar” seu jogo. Também tem um season pass, conteúdo diário e semanal e um monte de coisas pentelhas de live games. Eu essas coisas. Sei que é praticamente inevitável em jogos deste nível de orçamento, mas nem por isso preciso gostar. O lado bom é que esta primeira impressão se esvai depois que você não está mais navegando pelos menus, mas jogando.

A OUTRA PRIMEIRA IMPRESSÃO DE ASSASSIN’S CREED SHADOWS

A outra primeira impressão de Assassin’s Creed Shadows vem com o jogo. Ele é absurdamente lindo, com gráficos tecnicamente impressionantes, que parecem estar acima do que estamos acostumados a ver na geração do PS5. As cutscenes são lindas, com ótimas expressões faciais e sincronia labial pelo menos nos idiomas inglês (o padrão) e japonês (o “real”). O jogo também impressiona, com um combate crocante e poderoso. Pela primeira vez na série Assassin’s Creed, eu realmente me divertia brigando.

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Esta impressão acaba se diluindo depois no mundo aberto exagerado, já que em geral o combate atrasa a exploração e nunca é algo realmente bem-vindo fora das missões. Mas a primeira impressão é ótima, e a Ubisoft realmente colocou um amor considerável nas lutinhas dessa vez.

EXPLORANDO O JAPÃO FEUDAL

O Japão Feudal era uma das ambientações mais pedidas entre os fãs de Assassin’s Creed e é curioso que eles tenham gastado tantas iterações da série com EUA e Inglaterra – comuns e que ninguém pediu – até finalmente chegar ao Japão feudal – igualmente comum, mas muito pedido. A história tem alguns dos personagens mais comuns em videogames, como Oda Nobunaga e Tokugawa Ieyasu, então apesar de inédita, é bem familiar. O timing foi um pouco estranho, pois já tivemos Ghost of Tsushima meio que fazendo o que todo mundo esperava que um Assassin’s Creed japonês fizesse. Por vários motivos, Tsushima é melhor do que Shadows, e saiu antes, mesmo a Ubisoft tendo diversas oportunidades de explorar esta ambientação antes da Sucker Punch.

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A beleza e impacto visual de ambos é meio que a mesma, embora Shadows seja tecnicamente mais impressionante e elaborado. Eu sinceramente não sei se o Japão Feudal tinha essa cara na vida real, mas ambos os jogos fazem um excelente trabalho na representação popular da ambientação. A iluminação, as construções, a moda e a flora – especialmente a flora – tornam este mundo uma das coisas mais lindas que já vi em videogames. Cavalgar em meio a plantas coloridas, enquanto o vento sopra e levanta folhas do chão, balançando as árvores, ao mesmo tempo em que um grupo de pássaros levanta voo. Uh-lá-lá, que delícia, delfonauta! Some isso a músicas sutis, porém excelentes, e você tem uma das ambientações mais agradáveis dos videogames.

PROTAGONIZAÇÃO DUPLA

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Você provavelmente já sabe que Assassin’s Creed Shadows tem uma dupla de protagonistas. Naoe é uma shinobi japonesa controlada como um personagem tradicional da série. Ela é pequena e ágil. Luta bem, mas sua força está no stealth. Assim como os outros jogos RPG da série, assassinar não é morte garantida, mas dá para ativar que seja nas opções, o que eu obviamente fiz.

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Você até pode se esconder ao jogar com Yasuke, mas tentar matar alguém escondido alerta todo mundo.

Já Yasuke é a diferença. Um samurai estrangeiro, Yasuke é um brucutu extremamente forte, cujo stealth é quase um bug ao invés de uma feature. Isso porque você até pode se esgueirar e assassinar sem ser visto, mas quando você tenta matar alguém via stealth, o personagem o faz, mas antes dá um grito que alerta todo o cenário. Deixa narrativamente meio bizarro ele encolhido nos cantos e daí aparecendo e gritando na hora que a vítima se aproxima, mas é como o jogo funciona. Quando você está controlando Yasuke, Shadows quer que você brigue.

O jogo faz uma excelente diferenciação entre os dois heróis. Naoe, com quem você joga exclusivamente nas primeiras 12 horas, é o que você espera da série. Yasuke é muito mais travadão e menos ágil. Ele quebra portas trancadas, mas não consegue escalar a maior parte dos cenários – o que o torna inútil em alguns momentos, especialmente no mundo aberto, já que este é um Assassin’s Creed. Já Naoe finalmente tem um gancho que facilita a escalação. Não chega a ser tão útil quanto o do Batman, mas quando você só quer chegar rapidamente ao topo, é uma mão na roda.

A HISTÓRIA DE ASSASSIN’S CREED SHADOWS

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O grupo de vilões mascarados.

Logo no início você é apresentado a um grupo de vilões mascarados que causa uma tragédia na vida de Naoe. Ela então quer se vingar, descobrindo a identidade de cada um deles e matando todos. Muitas horas depois, Yasuke a encontra e acaba resolvendo se unir a ela. Mas como é comum no lado RPG de Assassin’s Creed, a guerra entre Assassinos e Templários é relegada a segundo plano e, após o início, demora muito para qualquer coisa relacionada a isso ter importância na trama.

Como tradicional nos games RPG da série, você pode tomar decisões (o que pode ser desligado nas opções). Isso inclui quem romancear, o que me fez ficar triste com a falta de dentes de um jogo AAA. Yasuke não apenas é um samurai negro, mas no meu jogo ele é bissexual e passa o rodo em todo o mundo. Nem etnia nem suas presepadas sexuais são elaboradas como realmente seria no Japão feudal. Ambos são aceitos por todos como algo natural, o que é desejável em 2025, mas era uma fantasia em 1579, quando o jogo se passa. Adoraria ver a história elaborando o racismo e a homofobia que um samurai negro, bissexual e promíscuo encararia na época.

O MAPA DE OBJETIVOS

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Tem literalmente um mapa de objetivos no jogo.

Esta história aparentemente simples é complicada por um literal mapa de objetivos. Acredito que a parte da história propriamente dita são os objetivos que estão no campo “The Shinbakufu“, que levam ao assassinato do grupo de vilões principal. Mas tem uma enorme quantidade de histórias e objetivos no jogo. A maior parte dos personagens que você encontra te dá uma missão do tipo “ei, mata essas sete pessoas pra mim”. Então a não ser que você esteja jogando ativamente para fazer apenas a história principal, você vai jogar da seguinte forma.

A SEGUINTE FORMA

Você vai escolher um lugar do mapa para ir. No caminho, vai abrindo atividades secundárias marcadas por pontos de interrogação (muitos nem atividades são, mas apenas locais com nome, que servem para os doidos que escolhem jogar sem waypoints), escalando mirantes para destravar fast travel e fazendo as missões que estiverem no caminho. O exagero no tamanho do mundo aberto e quantidade de objetivos faz com que você faça as coisas simplesmente para tirar o ícone do mapa.

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Tem alguém pra matar? Bora então! Mas por que matar essa pessoa? Isso ficou perdido na cutscene de 15 horas atrás, mas o que importa é que ela agora é um ícone para limpar. De vez em quando, estes ícones de missões me levavam a objetivos mais elaborados (as missões principais), mas normalmente isso vinha como uma surpresa, já que eu não escolhia pelo objetivo, mas pela localização próxima a mim no mapa. Esta exploração é muito boa, mas tem algumas coisas que incomodam.

COISAS QUE INCOMODAM

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A principal delas é que a maioria dos mirantes está no canto mais distante de uma área restrita. Ou seja, para ativar o fast travel, você precisa invadir um forte e passar por ele inteiro sem ativar o alarme. O alarme é a pior ideia que a Ubisoft já colocou num jogo – pior até do que os headshots que não matam em Ghost Recon Breakpoint ou os assassinatos que não matam em, bem, os Assassin’s Creed RPGs. Isso porque ativar o alarme te torna procurado, e isso se mantém ativo até mudar a estação. O menu tem uma opção para avançar a estação, mas ela aparentemente não funciona, então se o alarme ativar, o jeito é esperar mudar naturalmente.

A questão é que quando você é procurado, não pode cumprir missões nem interagir com ícones. Estes exigem que você esteja “anônimo” e ser procurado não é anônimo. Então é comum ao invadir uma base só para ativar o fast travel, o alarme ser ativado, você chegar ao mirante e ficar preso lá, sem poder ativar o bichinho, porque agora é procurado. A única forma de ativar é saindo dali e voltando ao mesmo lugar numa estação seguinte, torcendo para não ativar o alarme desta vez.

MAZELAS DA NEXT-GEN

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Malditas plantas densas demais.

O que vou falar agora é meu principal problema com Assassin’s Creed Shadows e o principal motivo para eu gostar mais de Ghost of Tsushima. Apesar de ser um mundo aberto com um mapa enorme, Shadows quer que você se mantenha em caminhos específicos. Para navegar pelo mundo, não basta apenas escolher um ícone e cavalgar até lá, pois você provavelmente vai ficar preso em áreas íngremes demais e plantas intransponíveis. Você precisa ativar um GPS que te mostra o caminho, e muitas vezes para chegar num lugar próximo, precisa dar tantas voltas que no final não se sente tão próximo quanto parecia. E tentar ir direto ao ícone via de regra vai gerar frustração, pois o único caminho viável é o mostrado pelo GPS. Isso tira boa parte da graça de navegar pelo mundo, já que você não tem liberdade.

Eu costumo dizer que jogos com cavalo deveriam fazer você montar no cavalo imediatamente quando você o chama. Shadows até tenta fazer isso. Quando as coisas funcionam, você está correndo, chama o cavalo, ele vem de trás, te pega, e você segue cavalgando. É lindo. Mas a vegetação é tão densa que em geral o equino acaba preso em árvores ou em bambus e não consegue te pegar. Pelas estimativas da DataDelfos, ser buscado pelo cavalo funciona em 20% das vezes, o que é bem menos do que você espera. Também não dá para entender porque dentro de cidades o cavalo anda mais devagar do que o personagem corre, o que simplesmente elimina a função do bicho.

UM EXCELENTE JOGO

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Lembra quando falei que Assassin’s Creed Shadows era um jogo de extremos? Ele é um jogo muito grande, com muitas mecânicas, muita coisa para fazer e muita para explorar. Por isso, acaba sendo um caso daqueles jogos em que você faz sua própria diversão. Você naturalmente vai tender a se focar no que mais te agrada, e ignorar boa parte das muitas coisas que ele oferece (eu quase ignorei o minigame de administração de base, por exemplo). O lado bom disso é que muito provavelmente você vai achar aqui coisas que te agradam muito. É impossível não interagir com algumas de suas mecânicas mais chatinhas (como o mundo aberto fechado demais ou o sistema de “procurado”), mas tudo isso acaba sendo secundário quando você está explorando um dos cenários mais lindos feitos em games, assistindo a cutscenes belíssimas e curtindo o que torna um Assassin’s Creed um Assassin’s Creed.

Sou da turma que acha que a série se perdeu em meio a este monte de mecânicas de RPGs e ficou grande demais para seu próprio bem. Assim, nunca um Assassin’s Creed vai ser tão bom quanto era na época do Ezio, mas Shadows é certamente um excelente jogo. Não é melhor do que Mirage, mas é tão bom quanto Origins e Odyssey e muito melhor do que Valhalla. Grande e complicado demais para meu gosto pessoal, é verdade, mas um excelente jogo.