Reino do Amanhã

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A década de 90 não foi um bom momento para a indústria dos quadrinhos de super-heróis. Foram sagas e mais sagas fúteis das duas principais editoras de super-heróis: Marvel e DC. A patética saga do clone do lado da Marvel, os confusos multiversos e a morte do Superman na DC. Toda essa trapalhada acabou espantando os antigos leitores e, de certa forma, criou uma rejeição nos novos que preferiam histórias mais simples e diretas com novos personagens que surgiam, como é o caso do Spawn (da editora Image, publicado no Brasil pela Abril). Mas, em meio a tanta abobrinha, também tivemos duas obras-primas do gênero que souberam realçar o amor que os fãs sentiam pelos seus heróis favoritos.

Primeiro, em 1993, a Marvel lançou uma obra única, que funcionaria como um roteiro de cinema (alguns juram que era mesmo projeto para um filme), dando uma pincelada geral no seu universo e fazendo um histórico de todos os acontecimentos mais importantes desde a década de 30 até os tumultuados anos 70. Mas a série tinha um diferencial, tudo era narrado do ponto de vista de um cidadão comum, o repórter Phil Sheldon. Trata-se, obviamente de Marvels, uma obra prima escrita por Kurt Busiek e ilustrada em estilo cinematográfico pelo mestre Alex Ross.

Para dar o troco com estilo, alguns anos depois, a DC contratou os trabalhos do roteirista Mark Waid e do mesmo Alex Ross para dar vida ao seu “projeto secreto”. Uma história que, ao invés de buscar o passado dos heróis, exploraria o futuro de seu universo, tudo com os mesmos desenhos maravilhosos de Ross e uma visão realista sobre o universo da editora. Era anunciado o Reino do Amanhã.

Mas não são só os desenhos de Alex Ross que se destacam aqui e o roteiro, escrito pelo não menos brilhante Waid, também parte de uma premissa bem interessante: no universo DC, todos se acostumaram com os super-heróis vivendo entre os humanos, ajudando-os e combatendo os perigosos supervilões que insistem em não parar de encher o saco (fato comum no universo Marvel também). Mas poucos se lembram que, apesar de terem poderes fora do normal, os heróis também um dia envelhecerão e terão de abandonar os trajes coloridos por uma aposentadoria segura. Obviamente, que uma nova geração de superseres irá aparecer para substituí-los, mas quais serão os valores desta nova geração? Será que eles irão lutar pelo bem da humanidade ou por uma glória pessoal? E o pior: qual será o destino de nosso planeta nas mãos destes novos heróis?

Pois é, após o fim da chamada “era de prata” dos super-heróis DC, o tiro sai pela culatra e a nova geração não tem os mesmos ideais justos deixados pela antiga Liga da Justiça. Para piorar, guerras entre gangues rivais de superseres começam a surgir em todos os cantos do planeta e colocam o mundo em um estado máximo de alerta após um terrível incidente no estado norte-americano do Kansas, onde milhões morrem em uma dessas batalhas de proporções catastróficas. Para tentar controlar a situação, os antigos super-heróis, agora senhores na terceira idade, precisam voltar à ativa e começa o maior choque de gerações já presenciado na face da Terra.

O roteiro ainda traz um detalhe muito interessante, com certeza inspirado em Marvels: Toda essa nova guerra entre os velhos e novos super-heroís é mostrada através dos olhos realistas do pastor Norman McCay, um cidadão comum e religioso, que ganha visões apocalípticas após a morte do herói Sandman (nada a ver com a obra de Neil Gaiman). O destino de toda a humanidade está nas mãos de Norman que, no momento do juízo final, deverá julgar se os super-heróis são ou não essenciais para a sobrevivência da raça humana.

A história é bem legal, o ritmo dos acontecimentos condiz muito bem com a narrativa e é fácil entender o seu contexto, mesmo que você não seja familiarizado com o universo da Editora, mas a verdade é que nada disso chamaria tanto a atenção se não fosse o traço magistral de Alex Ross. Fica difícil não se emocionar com seus desenhos totalmente realistas, inspirados em modelos reais (Norman McCay, em especial, é inspirado em seu pai), que nos dão uma outra imagem do nível que os gibis podem chegar. Como já acontecia em Marvels, finalmente você terá a oportunidade de saber como são os traços do Superman ideal, suas características físicas e suas expressões ao longo da história. Nada de borrões ou desenhos fora de proporção, Mr. Ross está em um patamar acima de qualquer artista do gênero e cada quadrinho que ele desenha pode ser considerado uma verdadeira obra de arte, com cores vivas e muitos, mas muitos detalhes mesmo. Uma das grandes sacadas em Marvels era procurar uma referência perdida aqui e ali. Em Reino do Amanhã, isso novamente acontece e, se você procurar com calma, irá encontrar dezenas de referências a todo o universo DC e mais várias surpresas como, por exemplo, o comediante Bill Cosby perdido em um dos quadrinhos.

A série foi publicada nos EUA em 1996 e chegou ao Brasil um ano depois, dividida em 4 volumes pelas mãos da Editora Abril. Em 2003, até mesmo uma linha de bonecos própria foi lançada e agora, em 2004, a Panini está republicando a história no Brasil em formato americano, encadernada, com algumas ilustrações a mais, textos explicativos e notas dos autores pelo preço tabelado de R$ 24,90.

Se você gosta de quadrinhos, não importa qual seja a sua editora preferida, compre e aproveite o Reino do Amanhã, você não irá se arrepender.

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