Até hoje, mesmo após emplacar uma bem sucedida carreira de romancista, quando se fala no nome de Neil Gaiman, seu trabalho mais lembrado é, sem dúvida, Sandman. Mas talvez nem todos saibam que a história do rei do Sonhar não foi sua primeira HQ lançada pelo selo adulto Vertigo, da DC Comics.
Na realidade, sua estreia na editora estadunidense foi com um projeto muito mais modesto chamado Orquídea Negra. Basicamente, Gaiman recebeu uma super-heroína das mais obscuras do quinto escalão da editora (a personagem-título) e a missão de fazer algo legal com ela, qualquer coisa mesmo. Afinal, se três ou quatro nerds hardcore sabiam que ela existia, já era muito. E ele assim o fez.
Gaiman a mata nas primeiras páginas da minissérie em três partes para dar lugar a um conto poético-existencial sobre identidade e a busca de seu lugar no mundo. Como a personagem é um híbrido humano/planta criado a partir de engenharia genética, uma nova Orquídea é despertada após a morte da original, Susan Linden. Ela possui algumas das memórias de Susan, mas não sabe exatamente quem é, de onde veio e para onde ir. Ou seja, todas aquelas grandes questões que ninguém consegue realmente responder, mas passa a vida toda tentando.
E tentar respondê-las é o que ela fará, numa jornada narrada em clima ora lúdico, ora de pesadelo. Grande parte dessa ambientação meio desesperadora se deve à arte magistral de Dave McKean, colaborador frequente de Gaiman desde seus tempos na Inglaterra até hoje, sendo também muito lembrado pelas belas capas de Sandman. Misturando desenho e pintura, cada página é um espetáculo visual digno de ser exposto num museu, com um trabalho de colorização que só ressalta essas qualidades.
Se a arte é o grande destaque desta graphic novel, não se pode dizer o mesmo do texto. Admito que sempre espero muito de Neil Gaiman (o cara é um dos meus autores favoritos), e por isso, tinha expectativas grandes para este trabalho. A grande sensação que me ficou é que a HQ é pretensiosa demais para pouca história. A trama não poderia ser mais simples, uma “mulher-planta” tentando descobrir quem ela é, mas Gaiman a enche de floreios estilísticos que muitas vezes parecem demasiadamente forçados.
Claro, os temas por trás da simplicidade da trama são infinitamente mais complexos e importantes, mas mesmo eles foram muito melhor abordados pelo autor em seus trabalhos posteriores. Não que não haja qualidades aqui. A participação de outros personagens da DC baseados em plantas, como a Hera Venenosa e o Monstro do Pântano são bem legais e há algumas boas reviravoltas na trama.
No fim das contas, é uma boa história, belamente ilustrada e bem-sucedida na intenção de dar uma nova abordagem para uma velha personagem, mas que mostra um escritor ainda tentando achar sua voz e até por isso, cometendo alguns excessos. Para quem quiser conhecer o primeiro trabalho da dupla Gaiman e McKean no mercado estadunidense, mesmo com seus pontos negativos, ainda é uma boa e recomendada leitura.
CURIOSIDADE:
– Orquídea Negra foi publicada três vezes no Brasil: em 1990, pela Editora Globo, em seu formato original como minissérie em três edições. Em 2005, num encadernado da Opera Graphica. E em 2013, em edição de luxo em capa dura pela Panini, que foi a versão analisada nesta resenha.