Apesar do nome similar, O Motorista de Táxi não se trata de uma refilmagem sul-coreana do clássico de Martin Scorsese, Taxi Driver, de 1976. Trata-se de algo completamente diferente. Contudo, tão bom quanto.
O longa se passa no ano de 1980, quando a Coreia do Sul era uma ditadura militar. Os cidadãos clamavam por democracia e faziam, sobretudo os estudantes, diversas manifestações públicas. Que, como em toda ditadura militar, eram prontamente coibidas pelo exército com violência.
Um dos episódios mais fortes desse período aconteceu na cidade de Gwangju, onde as manifestações viraram uma revolta e os militares responderam com brutalidade, massacrando pessoas desarmadas. As entradas para a cidade e até as linhas telefônicas foram bloqueadas, num verdadeiro estado de sítio.
Entra o nosso motorista de táxi do título, Kim (Kang-ho Song). Taxista de Seul, é do tipo alheio a tudo que está acontecendo no país, acreditando somente no que os veículos oficiais lhe dizem (propagandas fabricadas) e achando que as revoltas são coisas de “comunistas” que não têm o que fazer (hum, onde será que ouvimos esse papo hoje em dia? Ah, é, aqui mesmo em nosso país).
Na pindaíba, ele descobre a oportunidade de ganhar uma boa grana levando um jornalista alemão de Seul até Gwangju para que este possa registrar em filme imagens das manifestações e da represália dos militares e mostrar o que realmente está acontecendo por lá ao mundo.
TIRO, PORRADA E BOMBA
Que eu acho o cinema sul-coreano incrível, você já deve saber. E este aqui é mais um excelente exemplar do que ele tem a oferecer. É impressionante a capacidade do filme de transitar entre diferentes gêneros, sendo bem-sucedido em todos.
Ele começa praticamente como uma comédia, apresentando a vida comum de Kim, que é um baita figura, todo engraçadão, rebolando como pode para resolver suas dívidas e cuidar da filha pequena. O sujeito é puro carisma.
Daí, quando ele consegue entrar em Gwangju com seu passageiro importado, a coisa muda de figura. Kim leva um tremendo choque de realidade ao testemunhar em primeira mão o que de fato está acontecendo. A coisa é uma paulada, e o filme se transforma num drama pesado.
A partir daí, temos a mudança da curva dramática de Kim, relutando entre apenas receber seu dinheiro e voltar para Seul ou seguir sua consciência e ajudar como puder numa situação que é muito mais importante e urgente que sua própria segurança física.
A atuação de Kang-ho Song (um rosto conhecido do cinema sul-coreano, tendo feito filmes como O Hospedeiro, Mr. Vingança e Expresso do Amanhã) é monstruosa. O cara desenvolve todas as nuances da mudança de seu personagem, os horrores que vão afetando-o, sem deixar de lado as características apresentadas no começo.
O lado humano é muito bem feito, sem jamais cair no piegas. As relações humanas desenvolvidas entre Kim, o jornalista e as pessoas que eles vão encontrando pela cidade e que passam a ajudá-los tomam o centro e deixam a experiência ainda mais poderosa.
Para terminar, lá pelo final o filme ainda assume até ares de uma película de ação, e acredite, todas essas mudanças de estilo são tão naturais e orgânicas que fica parecendo fácil fazer uma coisa dessas. Um primoroso trabalho de direção, tanto na parte técnica, mas sobretudo na condução da trama e dos sentimentos causados por ela.
O Motorista de Táxi é um filme poderoso. Conta uma triste história real para não fazer ninguém esquecer dos erros do passado (gente que fugiu das aulas de História e apoia o retorno dos militares, essa é pra vocês!) sem jamais esquecer o fator entretenimento. É cinema com C maiúsculo. Sem dúvida, já um dos melhores do ano que está apenas começando, fácil. Precisa de mais alguma recomendação?