Mundo Fantasma

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O mercado independente de quadrinhos é um lugar interessante. Repleto de personagens mundanos, falhos e comuns, as obras do meio normalmente apresentam um traço simples e às vezes até mesmo “feio”, impressão ruim e, talvez o maior problema, difícil acessibilidade, principalmente quando falamos de quadrinhos lançados em outros países.

Mundo Fantasma não foge à regra. Os desenhos de Clowes não têm nada de extraordinário, assim como seu roteiro não exibe nenhuma trama mirabolante, e é justamente nisso que se encontra a força da história. Acompanhamos em oito capítulos Enid e Rebecca que, entrando para a vida adulta, tentam descobrir o que são, e o que querem da vida.

Através da diferença entre as duas (mesmo em aparência, o que Clowes consegue retratar bem) conseguimos entender bem o que cada uma é, ou melhor, quem tentam ser. E se sabemos dos maneirismos e defeitos de cada uma, é porque a todo instante temos a outra para ressaltá-lo, seja pela reação a uma determinada atitude ou mesmo diretamente nos diálogos. Dessa forma, as falhas e rachaduras de suas personalidades que, como todo ser humano, tentam camuflar, são expostas.

E camuflagem talvez fosse o super-poder de Enid caso esta fosse criada por Stan Lee. Mudando radicalmente e frequentemente o visual, ela esconde sua insegurança em atitudes excêntricas para se destacar do resto do mundo que esta parece tanto odiar e temer, sem perceber que em seu esforço em parecer descolada ela acaba por imitar os “tipos” que mais critica.

Mas se Enid tenta se distanciar das pessoas, Rebecca parece ter aceitado a realidade nada incrível em que vivem com certa melancolia. Agindo sempre por inércia, acaba acompanhando as loucuras de sua amiga, mesmo discordando de muitas delas, apenas para se manter ali. E mesmo sua beleza, que poderia servir de muleta para se misturar socialmente, acaba por ser seu ponto fraco, e quando vemos esta agir por própria iniciativa é porque teme que o mundo em que ela se acostumou mude radicalmente.

Não contente em desenvolver tão bem suas personagens, Clowes ainda nos apresenta uma série de coadjuvantes que à primeira vista parecem mundanos, mas que se revelam extremamente curiosos pela ótica criativa de Enid. Aí entram o casal de “satanistas”, o astrólogo, Norman, Josh, e o babaca do Chuck.

E mesmo que a falta de cores e o desenho simples possa desagradar aqueles acostumados com splash pages e páginas coloridas, sobram simbolismo na criação dos quadros (meu preferido talvez seja a lua crescente sobre a desnuda árvore no Outono) assim como inteligência mesmo ao compor os cenários. O apartamento de Josh, por exemplo, revela mais sobre o personagem do que todo o resto da história.

Pecando talvez em descartar rapidamente personagens que poderiam render mais do que alguns poucos quadros, Mundo Fantasma talvez seja um dos melhores exemplares do que o mercado underground criou, e muito me alegra dizer que o autor ainda conta com outras ótimas obras (Wilson, Como Uma Luva de Veludo Moldada a Ferro) publicadas no Brasil.

CURIOSIDADES:

Mundo Fantasma foi adaptado para o cinema em 2001 e saiu no Brasil com o nome de Ghost World – Aprendendo a Viver. O diretor é Terry Zwigoff e o elenco conta com Scarlett Johansson, Thora Birch e Steve Buscemi. Apesar de significantes mudanças em relação à história original, a essência continua lá e é, assim como a obra original, excelente. Fica a recomendação para os delfonautas.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
mundo-fantasmaPaís: EUA<br> Ano: 1993 a 1997, 2011 no Brasil<br> Autor: Daniel Clowes<br> Número de Páginas: 80<br> Editora: Gal Editora<br>