Maridos e Esposas é o vigésimo terceiro longa metragem dirigido pelo tremendão Woody Allen, e o último em parceria com Mia Farrow, atriz com a qual colaborava desde o divertido Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão, de 1982, algo que se tornou impraticável depois do escândalo envolvendo o cineasta e a atriz. É também o meu filme favorito do diretor, que tem como peculiaridade fazer com que quatro dos meus cinco filmes favoritos dele comecem com “M” em seu título nacional: Maridos e Esposas, Manhattan, Memórias e Match Point. O quinto seria A Rosa Púrpura do Cairo. Qual a relevância disso? Nenhuma. Mas precisava escrever o primeiro parágrafo antes de revelar a sinopse, como manda a tradição.
O filme tem inicio quando o casal Gabe e Judy (Allen e Farrow respectivamente) recebem a notícia de que seus amigos de longa data Jack e Sally vão se separar. A notícia os pega desprevenidos, assim como a forma fria como parecem tratá-la: “Não estavam tristes como deveriam”, diz Judy em certo momento. O filme então passa a estudar como a notícia repercute no casal protagonista e como Jack e Sally lidam com a nova vida de solteiros.
Estudar, aliás, é mesmo a palavra mais adequada já que o filme é rodado como um documentário: temos a câmera na mão, comentários em off e depoimentos de pessoas envolvidas com os personagens, além de depoimentos dos próprios, que encaram o espectador como seus analistas. O que vemos então é uma enxurrada de indagações sobre fidelidade, confiança, filhos, o próprio casamento: “por que transamos cada vez menos?”, “você ainda me acha atraente?”, “sente atração por outras mulheres?”, “já quis sair com prostitutas?” e, claro, “Acha que vamos nos separar?”.
Escrito de forma irrepreensível por Allen, o roteiro cria personagens tridimensionais que poderiam muito bem existir (ou talvez existam, e um deles tenha escrito o filme) usando os coadjuvantes para criar as situações surreais que costumam marcar a sua filmografia, o que, além de ser um competente alívio cômico ainda reforça a aproximação com os protagonistas e seus dramas. É mais difícil estabelecer um vinculo emocional com a personagem de Juliette Lewis, por exemplo, e seus relacionamentos surreais, do que com a interpretada por Judy Davis, que vive uma história que qualquer um já passou ou, ao menos, deva ter testemunhado.
Inspirado também na direção, que já impressiona logo na primeira cena, enérgica e sem cortes, a câmera na mão se mostra inteligente não só para emular o tom documental, como serve de termômetro, balançando conforme a tensão aumenta. Junto com o diretor de fotografia Carlo Di Palma, Woody Allen também traz seus personagens constantemente espremidos em quadros claustrofóbicos, materializando seu desconforto.
Com boas atuações, talvez a melhor de Mia Farrow, Maridos e Esposas ainda faz o espectador refletir muito sobre o que é o casamento, que em nada lembra aquela coisa romântica idealizada e eterna. E que a separação pode ser um ato de amor mútuo tão poderoso quanto.