Todo mundo conhece o João Gordo, seja na faceta de vocalista do Ratos de Porão, uma das mais importantes bandas punk do Brasil, conhecida e respeitada internacionalmente, e que posteriormente foi inovadora em sua mescla de punk rock, hardcore e heavy metal.
Ou ainda como o divertido e desbocado apresentador de programas de televisão, uma improvável figura pop dotada de imenso carisma e que fez a alegria politicamente incorreta de muitos jovens que acompanhavam seus insanos programas numa MTV que não volta mais.
Mas talvez você não conheça detalhes mais íntimos de sua vida, algo que a biografia João Gordo: Viva la Vida Tosca vem para sanar. Co-assinada pelo próprio Gordo junto do jornalista André Barcinski, ela foi escrita através de depoimentos do biografado para André, o que resulta numa prosa exatamente do jeito característico com que João fala, cheio de palavrões e expressões bem particulares, parecendo mais um papo informal sobre sua vida do que uma biografia tradicional.
Claro, ela ainda tem a estrutura do gênero, seguindo a cronologia linearmente, do nascimento e infância de classe média baixa na Vila Gustavo, em São Paulo, passando por sua inclusão na cena punk paulistana, a entrada para o Ratos de Porão, as loucas aventuras que cercam a banda, sua transformação em apresentador e personalidade televisiva, culminando com seu casamento e o nascimento de seus dois filhos.
E como todo bom livro sobre um roqueiro, é permeado de histórias da trinca, sexo (essas, ele próprio admite, nem tanto), drogas (e muitas) e rock n’ roll (também em doses cavalares. Sua vida desregrada é contada sem censura e sem papas na língua, com muita honestidade.
As loucuras na estrada com o Ratos, das roubadas na violenta cena punk paulista até as confusões em suas primeiras turnês européias, sua difícil relação com o violento pai PM, que lhe deixou profundos traumas de infância e o sucesso popular em sua carreira televisiva, que por sinal é a época em que ele estava mais afundado nas drogas, são todas esmiuçadas em histórias e causos tão doidos e engraçados que é impossível parar de ler.
E estou falando sério. Eu matei o livro num dia, de forma totalmente não intencional. Simplesmente não conseguia deixá-lo de lado. E quando vi, as suas 320 páginas já tinham se acabado. Claro, ele não é tão grande quanto aparenta ser. Há muitas páginas só de fotos de seu biografado nos mais variados períodos de sua vida, com um bom cuidado gráfico já característico das obras da editora Darkside.
Talvez o grande defeito dele seja justamente ser muito curto. Para os fãs do RDP que esperam que se fale de cada disco e histórias de bastidores, isso não acontece. Embora os principais trabalhos da banda (como Brasil e Anarkophobia), bem como algumas das melhores histórias de bastidores (especialmente as dos primórdios) estejam cobertas, o foco ainda é João Gordo e não sua banda. Para quem quiser mais sobre os Ratos de Porão, um excelente complemento é o documentário de 2008 Guidable – A Verdadeira História do Ratos de Porão.
Mesmo para a própria história do Gordo, o livro ainda podia ter mais páginas, cobrindo mais tempo. Achei estranho que um trabalho lançado em 2016 encerre a história do biografado por volta de 2010 e 2011. Tudo bem, é um ponto de parada natural, visto que o livro deixa claro que o nascimento de seus filhos finalmente “domou a fera” e trouxe paz de espírito para o vocalista e apresentador. Mas ainda assim eu gostaria de saber mais sobre os anos recentes (agora que ele está afastado da TV após sair da Record) e certamente ainda possui excelentes histórias, mesmo nessa fase mais equilibrada de sua vida.
Seja como for, João Gordo: Viva la Vida Tosca é uma excelente e divertidíssima leitura, cheia de causos insanos de uma das figuras mais rock n’ roll de nosso país. Seja você fã do RDP, seja você um saudoso fã de seus programas na MTV, sua biografia é boa o bastante para agradar a todos os tipos.
