Dragonforce – Inhuman Rampage

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Há algum tempo, num jornal de grande circulação nacional, o pianista Nelson Freire, reconhecido internacionalmente como um dos grandes nomes atuais do piano, falou sobre um de seus mestres: “as críticas da época dizem que Beethoven, como pianista, às vezes tocava tão rápido que as orquestras tinham dificuldade em acompanhá-lo”.

Ao ler isso, imediatamente lembrei-me de um CD que há muitos dias insiste em não sair do meu discman. Um daqueles discos, raros por sinal, que fazem acreditar que o estilo de música de que gosta pode renovar-se e surpreender mesmo depois de algumas décadas acompanhando-o com alguma proximidade. Um disco cuja maior virtude está na velocidade da execução das músicas. Claro, velocidade não é algo novo na música pesada: a canção Fast as a Shark do Accept e o álbum Reign in Blood do Slayer são exemplos já bastante conhecidos de excelência em execução de música rápida.

Mas também é verdade que uma infinidade de velocistas, sobretudo na guitarra, produziu música que, ao contrário dos dois exemplos acima, certamente não resistirão ao maior crítico de todos: o tempo. Esse não parece ser o caso do álbum Inhuman Rampage do Dragonforce, que recebeu da crítica especializada o singelo rótulo de “Extreme Power Metal”. Como tocam rápido esses caras! E se considerarmos o que disse o Nelson Freire, velocidade é algo a ser considerado no mundo da música.

Tudo bem, não é um disco que vai ditar novas regras, mas sejamos sinceros, nós queremos realmente algo novo? Ou nos contentamos com um rearranjo de velhas referências para continuarmos fiéis ao nosso estilo de música preferido? Aqui esse parece ser o caso. E será que não há alguma genialidade em se utilizar tudo aquilo que já se conhece para atingir um produto final com características absolutamente únicas? Só a título de exemplo, uma experiência muito esclarecedora que sempre se faz aqui em Minas: tente fazer um pão de queijo utilizando exatamente os mesmos ingredientes que a sua avó usa e compare o resultado final com aquele que tradicionalmente é obtido por ela. Você vai fracassar.

Vejamos o que é utilizado desde sempre. Primeiro, um nome que traz o maior de todos os clichês na música pesada: a palavra dragon. Segundo, falar de lutas épicas que podem ser uma metáfora à luta cotidiana de cada um (nossa, isso é que é ser clichê!). Terceiro: produzir fotos de divulgação que dêem um certo tom de elegância e sobriedade (como aquelas que o Stratovarius e o Kamelot fazem). Bom, com esses referenciais, nada de muito relevante poderia ser obtido. Foi o que pensei ao ler sobre essa banda.

Vejamos o que não é utilizado desde sempre. Primeiro: se essa banda se chamasse Torre de Babel, ninguém conseguiria acusá-la de ser incoerente. O vocalista ZP Theart é da África do Sul, o tecladista Vadim Pruzhanov é da Ucrânia, o guitarrista Herman Li é de Hong Kong, o guitarrista Sam Totman é da Nova Zelândia e o baterista Dave Macintosh é da Escócia. Será que isso trouxe alguma influência no resultado final do som? Segundo: o vocalista não emite altíssimas notas agudas no meio do refrão, é extremamente limitado e tem como referências bandas do Hard Rock farofa anos 80, como Tesla, Poison e Mötley Crüe. Terceiro: o baterista gravou três álbuns de estúdio com a banda de Metal extremo Bal-Sagoth e usa em muitos momentos batidas características de seu trabalho anterior. Quarto: Herman Li ganhou recentemente o prêmio Dimebag Darrel de Melhor Jovem Guitarrista oferecido pela revista Metal Hammer. Quinto: os caras tocam todos os clichês do Heavy Metal à velocidade da luz.

Esse não é um texto que quer convencê-lo a comprar um disco e muito menos vê-lo fracassar ao tentar fazer pão de queijo. Há algum tempo, tínhamos que nos limitar a ler na imprensa especializada comentários sobre esse ou aquele trabalho e esperar que nos dissessem qual deles realmente teria algum valor. Hoje é possível ouvir um disco, encantar-se por ele e expor esse encantamento a um número inimaginável de pessoas. E isso é o que eu fiz aqui.

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