Crianças Invisíveis

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Uma união de 8 cineastas de diversos países para dirigir 7 histórias retratadas em seu país de origem. Em comum entre elas apenas o fato de os protagonistas serem crianças. E mais, crianças que normalmente não são notadas em um mundo onde poucas pessoas se preocupam com o que não lhes diz respeito diretamente.

Ótima idéia. Eu sou o primeiro a apoiar esse tipo de destruição de fronteiras. E os nomes envolvidos são fortes. Saca só os diretores: os mais famosos são Spike Lee, representando os EUA, Ridley Scott (em parceria com sua filha Jordan) retratando o Reino Unido, e John Woo falando da China. Além deles também temos aqui Stefano Veneruso (Itália), Mehdi Charef (África), Emir Kusturica (Sérvia-Montenegro) e nossa conterrânea Kátia Lund filmando o Brasil.

Mas e o resultado? Aí que o bicho pega. Como qualquer filme com várias histórias, livro de contos ou mesmo CDs com várias bandas, a irregularidade é a principal característica do filme. Os curtas variam de ótimo até o tradicional “Irrrrrc! Como alguém tem coragem de mostrar essa porcaria para outras pessoas?”.

Curiosamente, o principal representante do segundo grupo é a primeira história, a da África. Por algum motivo bizarro que foge à minha compreensão e à de qualquer pessoa com um mínimo de noção que assistir a esse filme, Mehdi Charef decidiu fazer seu curta ser falado em inglês. Até aí tudo bem, mas o carinha escolheu atores que não são capazes de falar absolutamente nada dessa língua. Aliás, atores é elogio, pois os caras são tão ruins que deixam a atuação da Gisele Bündchen parecer digna de ser premiada com a maior honra que um filme pode receber (o Selo Delfiano Supremo, é claro). Chega a ser deprimente vê-los recitar as frases deixando bem claro que não fazem a menor idéia do que estão falando. Na verdade, em vários momentos, eles parecem até estar desconfiados que alguém está sacaneando eles e que estão falando algo como “Eu sou um orc aleijado amarelo e com bolinhas azuis”. Contudo, essa é uma história completamente sem humor (intencional, pelo menos) que deveria ser absurdamente triste, mas não dá para conter o riso quando os carinhas levam tiro e reagem de forma mais artificial do que acontece em filmes como Corra que a Polícia Vem Aí.

Felizmente, essa é a pior história e daí em diante, o filme só melhora. Não muito, mas melhora. Na verdade, a maior parte das histórias são deveras chatas e tem toda aquela pinta de “quero ser intelectual”, se esquecendo de que o cinema, e a arte como um todo, deve servir para entreter.

As únicas que acabam se salvando são as do Spike Lee e da Kátia Lund. O primeiro decide sair um pouco do batido tema racial que ilustra grande parte de suas obras para abordar um outro tipo de preconceito, felizmente menos batido: o drama dos portadores de AIDS. Kátia, por outro lado, segue o clichê máximo do cinema nacional, retratando crianças pobres que lutam para sobreviver. Apesar do tema chatíssimo e exageradamente abordado pelo nosso cinema, as crianças têm carisma e acabam levando a história nas costas.

Mesmo com essas duas histórias melhorzinhas, passei o tempo todo com uma tremenda coceira para ir embora. A narrativa de todas elas é excessivamente lenta e chata, sem nenhuma identificação com os personagens. Mas aí chegou a história final, a dirigida por John Woo. E ela chega com tudo, pronta para humilhar todas as outras histórias e mostrar como esse filme deveria ser.

É incrível a sensibilidade que os chineses têm para transformar sentimento em poesia cinematográfica. A história retratada aqui não poderia ser mais simples, intercalando duas garotinhas de classes sociais diferentes que acabam dividindo um elo que se torna especial para as duas.

Finalmente um pouco de beleza, um pouco de sentimento real, sem se preocupar em parecer inteligente ou em conseguir prêmios. E justamente por essa aparente despretensão, o conto chinês se torna o melhor momento do filme e sobe a nota que este longa levaria em dois pontos inteirinho. Admito que tive que esperar por alguns minutos antes de sair da sala para que as lágrimas fossem enxugadas dos meus olhos. É simplesmente lindo.

Para ser sincero, se esta fosse uma resenha apenas sobre esse episódio, era bem provável de você ver o Selo Delfiano Supremo lá em cima. É uma pena que você tenha que esperar seis histórias chatas para poder assistir a essa pequena maravilha. Sugestão: assista Crianças Invisíveis, mas chegue 40 minutos atrasado no cinema, assim você já pula o suplício das duas primeiras histórias chatas e assiste às 3 melhores (e a duas chatas). Só tenta não chamar a atenção quando entrar na sala, por favor.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
criancas-invisiveisPaís: França/Itália<br> Ano: 2005<br> Gênero: Drama<br> Diretor: Leia a resenha.<br> Distribuidor: Paris Filmes<br>