Cradle of Filth em São Paulo (18/12/2010)

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O Corrales tem um senso de humor ímpar. Acho que o delfonauta já deve ter percebido isso em seus textos. Mas o que muita gente não sabe é que esse senso de humor vai muito além dos parágrafos que ele escreve diariamente para o DELFOS.

Dia quatro de dezembro de 2010 eu completei um ano no site. Chorei com a data, lembrando do tempo de estagiário e a minha trajetória até conseguir me tornar um delfiano. Entrei no site com o intuito de escrever para a parte de música, pois as bandas alternativas andavam em baixa no DELFOS um ano atrás. E como um bom fã de rock alternativo, o Corrales me comunica que, no dia 18 de dezembro, o sábado que passou, nós iríamos resgatar uma antiga tradição: fazer a cobertura de um show em dupla, ele como fotógrafo e eu como redator.

Ótimo! Essa seria a minha primeira missão pintudona no site. “De quem é o show, Corrales?”, perguntei esperançoso, olhinhos brilhando. Depois de alguns segundos de mistério, ele fala “Cradle of Filth”. Uma longa pausa de silêncio pairou na sala de reuniões. Eu, Allan Couto, escalado para cobrir o show do Cradle of Filth, uma banda de metal? Logo eu? Já conhecia o som deles, gostava de uma ou outra música (logo você vai saber qual), mas não morria de amores por Dani Filth e companhia.

Mas como eu gosto de desafios, eu aceitei o meu presente de aniversário. Digamos que 50% foi por obrigação, já que minha mãe me ensinou que é feio recusar presentes em ocasiões especiais, e os outros 50% por causa do desafio mesmo.

ALLAN SE TORNA O MAIOR FÃ DE CRADLE OF FILTH DA ÚLTIMA SEMANA

Com o conhecimento que eu tinha sobre a banda, eu até poderia fazer a cobertura do show, mas não seria algo digno das tradicionais coberturas de show delfianas. Talvez em outros sites, mas não aqui. Então me perguntei o que eu poderia fazer para melhorar o meu conhecimento em relação ao Cradle of Filth. Simples: vou dar um pulo na Argentina, trazer todos os CDs da banda e fazer um intensivão até a data do show.

E foi o que fiz. Deletei todo o meu playlist e enchi o meu celular com os álbuns do grupo. No caminho de casa para o trabalho, do trabalho para casa, no banheiro, comendo. Lá estava eu ouvindo os CDs. E para a minha surpresa, eu estava gostando das músicas. Não é meu estilo preferido, mas qualquer pessoa com um conhecimento musical decente consegue ver que o Cradle of Filth é tremendão no que se propõe a fazer.

E aqui eu não posso deixar de citar uma frase do Corrales sobre a voz do Dani Filth: a voz do vocalista parece com a do Eric Cartman, do South Park. Até o momento dessa frase, eu não tinha reparado, mas depois de comparar, constatei que o ditador estava certo. Existe sim uma semelhança entre os dois, mas vamos deixar isso de lado.

Meu intensivão foi bem sucedido, e três dias antes do show, recebemos por e-mail o setlist que a banda tocaria em São Paulo. Lá estavam as minhas músicas favoritas e algumas que eu achava legal e outras que eu só ouvi por ouvir mesmo. O setlist tinha 14 músicas. Logo fiz minhas contas e constatei que o show teria uma hora e meia de duração (por fiz as contas, entenda que meu celular fez isso por mim). Será que é isso mesmo? Eu odeio shows curtos, mas como o Corrales me explicou, essa duração é normal em shows de metal extremo. Eu já tinha ido em shows desse estilo antes, mas foi em festival, então nem me preocupei com a duração. Mas enfim, o dia 18 chegou…

O LOCAL

A apresentação iria acontecer em um tal de Carioca Club. Achei estranha a escolha, primeiro porque quando a banda veio ao Brasil em 2004, eles tocaram no Via Funchal, e agora foram rebaixados a um local pequeno. E sem contar que o local não é apropriado para shows desse nível, já que o forte da casa é samba, forró, sertanejo e qualquer coisa ligada a isso. Mas não iria julgar o local antecipadamente.

Encontrei com o Corrales na casa dele, nos caracterizamos conforme manda o figurino, com maquiagem em P&B e, como toque final, escrevemos 666 em nossas testas. O show estava marcado para as 19h no site do Carioca Club. Mas no e-mail que recebemos com o setlist, o horário indicado era às 20h. E como é melhor prevenir do que remediar, optamos por chegar antes das 19h.

A entrada foi tranquila, tirando o fato que o Corrales e a sua máquina fotográfica quase foram barrados. Os seguranças, claramente perdidos, diziam que os fotógrafos credenciados para o show não poderiam usar máquina profissional. E eles vão fotografar com o quê? Celular?

Depois de alguns minutos de tensão, um segurança mais bem informado liberou o Corrales e um outro fotógrafo também barrado, corrigindo a informação inicial e dizendo que os fotógrafos poderiam usar o equipamento, mas que as fotos só poderiam ser tiradas durante as três primeiras músicas, procedimento normal em qualquer show.

Dentro da casa de show, tive uma surpresa no mínimo interessante e, em certo ponto, desagradável: a decoração. Como a casa costuma receber diversas atrações de gêneros diversos, indo de forró a sertanejo, a decoração não era das melhores. Ao redor do palco e no mezanino, luzinhas de natal da cor azul. No teto, decoração típica de ano novo. E para comprovar que eu estou falando sério, olhe na nossa galeria a foto do teto do local.

E os fãs merecem um parágrafo à parte. Praticamente todos caracterizados. Coturno é peça quase que obrigatória. Alguns arriscam um sobretudo e outros vieram maquiados, com o rosto branco e alguns detalhes em preto, deixando-os com um aspecto bem macabro. Tinha até uma moça com lentes vermelhas. E pelo que pude presenciar, essa maquiagem sai com o suor durante o show, o que deixou algumas pessoas mais assustadoras na saída do evento do que na entrada.

O SHOW

A apresentação estava marcada para as 19h. Ou para as 20h, dependendo do local onde você via a informação. Mas de qualquer jeito, começou atrasada. Às 20:25h, as luzes se apagam e a banda entra no palco. Simpáticos, acenam para o público e começam o massacre com a matadora The Cult Of Venus Aversa. Logo de cara é possível sentir a energia da banda e o guitarrista James McIlroy (caso você não conheça, é o cara loiro das fotos) parece ser o mais empolgado. Ele gira a cabeça, seus cabelos parecem ter vida, de tanto que eles sobem e descem. Reparei que, durante as giradas de cabeça de McIlroy, seu cabelo constantemente enroscava nas tarrachas de sua guitarra. Mas isso não interferiu em nada, já que logo eles se desprendiam com outro movimento brusco de sua cabeça. Ou pelo menos eu acho que eles desprendiam. Vai saber se não eram arrancados…

Apesar da empolgação da banda, é possível sentir que o som das guitarras está baixo. Por conta disso, a bateria de Martin Skaroupka ganhou força além do normal e às vezes chegou a aparecer mais do que deveria. O baixo de Dave Pybus também se destacou nessa falha de som e foi possível perceber que ele não comprometeu o som em nenhum momento. Pybus parece ser o mais tranquilo da banda. O jeito calmo de ele tocar o seu instrumento contrasta com o som do Cradle of Filth.

Paul Allender é um caso à parte. Ele não balança seu cabelo como McIlroy, talvez porque suas madeixas já estejam ficando ralas na parte de cima da cabeça, e vai saber o que pode acontecer se ele banguear muito. E tem a estrela da banda, Dani Filth. O cara é um show à parte e a sua voz é muito mais potente do que parece.

Mas voltemos ao show, pois aposto que você está lendo essa resenha por conta dele. O som também não devia estar satisfatório para a banda. Durante a execução de The Cult of Venus Aversa, Dani sai do palco e troca rápidas palavras com alguém da produção. Tal gesto se repetiu durante as seis primeiras músicas. Não é possível dizer se o problema foi solucionado ou se Filth simplesmente ignorou.

A segunda música foi Honey and Sulphur. Depois de reclamar do som, Dani desce do palco até um espaço um pouco mais baixo na frente do palco para ficar mais próximo do público. Tal atitude fez com que todos na platéia ficassem hipnotizados e a banda ganhou o público ali mesmo.

Her Ghost in The Fog simplesmente incendiou o Carioca Club. O refrão da música foi cantado por todos na platéia. Foi possível ver o sorriso no rosto dos integrantes, contrariando a máxima de que músicos de Metal extremo não podem sorrir. Eles traíram o movimento, véio. Imitando Dani Filth, o guitarrista James McIlroy também desce do palco, para a alegria do público.

Na quarta música, que foi Forgive Me Father (I Have Sinned), não tivemos reclamação do som por parte do vocalista. A música passou sem surpresas, mas aconteceu um incidente na platéia. Um dos fotógrafos credenciados tirou algumas fotos da platéia. Tal medida foi proibida pela produção, pois os credenciados só poderiam fotografar durante as três primeiras músicas. Os seguranças do local agiram logo e confiscaram o equipamento do cara. Houve um pouco de discussão entre eles e o rapaz foi levado para trás do palco. Ele não foi mais visto desde então.

O momento mais esperado de todos finalmente chegou. Nymphetamine Fix, a melhor música da banda, na minha opinião. Nela, a voz de Ashley Ellyollon finalmente ganha o destaque que merece. Sua voz (e ela também) é espetacular ao vivo e pelo que pude perceber, as fãs fêmeas da banda adoram a voz dela. A busca por um lugar mais próximo do palco é incessante, principalmente por parte das mulheres. A música é cantada por todos, como um hino.

The Principle of Evil Made Flesh é marcada pela interação de Dani Filth com o público. Ele pede para o público gritar, quer ouvir barulho da galera e é correspondido na hora. Ele dá alguns goles em uma garrafa de água e depois a joga no meio do povo. O felizardo que foi acertado por ela deve estar sorrindo até agora.

Uma coisa que achei bem legal durante a sexta música é o fato dos dois guitarristas recuarem para o fundo do palco quando um trecho da música é marcado somente por bateria, baixo e teclado. É o momento de Dave Pybus cair nas graças da platéia. Ele se esforça para ser simpático. Tal atitude mostra que todos são iguais na banda e que ninguém tem estrelismo no grupo. Eu admiro isso em um músico.

A sétima música da noite é Under Huntress Moon. Ela é uma das preferidas do público e o seu refrão foi cantado com força por todos. Nessa parte, Paul Allender e James McIlroy trocam de lado no palco, algo novo até então, pois cada membro se restringia ao seu lado no palco. Somente Pybus é que mudava de lado constantemente. Ora do lado esquerdo de Paul Allender, ora do lado direito.

Em Dusk And Her Embrace, o público rouba a cena. A música inteira é cantada pelo público e dá para ver na cara do Dani Filth que ele gostou do que viu. Tanto que, depois da música, temos o momento de maior contato banda/público, com Filth bem animado, sempre mantendo aquela voz que ele faz nas músicas, mesmo na hora de conversar. Na primeira vez que ele falou, achei engraçado, mas só prova o profissionalismo do cara em compor uma espécie de personagem em cima do palco.

WHO’S THIS CRÊIDOL YOU SPEAK OF?

Mas aqui acontece um fato interessante. Dani Filth conversa com público e faz uma pergunta meio estranha. Ele questiona quem é o “Crêidol” que o público tanto grita entre as músicas. Ao que me parece, Filth não levou em consideração que eles estão em outro país e que a pronúncia dos fãs na platéia pode soar diferente da palavra original. Para quem não sabe, a pronúncia correta do nome é “Crédol”. As pessoas não parecem se importar com o incômodo do vocalista e os gritos de “Crêidol”, bem ao estilo brasileiro, continuaram até o fim.

Lilith Immaculate foi a próxima e dá-lhe guitarristas na frente do palco. A dupla desce para a parte mais próxima do público e passa boa parte da música ali, bem perto do povo. Eu acompanhei boa parte do show do lado esquerdo do palco, então quando o Allender se aproximou, pude perceber realmente o quanto ele é feio. Sem brincadeira. Me deu medo.

E para fechar o show, The Twisted Nails of Faith. Uma das minhas músicas preferidas da banda, e ficou perfeita executada ao vivo, tirando o fato das guitarras ainda estarem baixas.

Eram 21:28 e a banda para de tocar e sai do palco tão rápido que o Corrales piscou e, quando abriu os olhos, o palco estava vazio. Todo mundo sabe que o bis vem aí. E a pausa parece ter tempo calculado: três minutos. É o tempo exato para Ave Satani começar a ser tocada e deixar o Carioca Club com um clima que ele nunca teve.

Dani Filth volta com roupa a menos. Ele tirou a parte de cima da sua blusa e agora fica somente com uma camisa leve. E é aí que a belíssima voz de Ashley Ellyollon volta à cena, proferindo as primeiras palavras de Cruelty Brought Thee Orchids: Hear Me now! All crimes should be treasured if they bring Thee pleasure somehow! Muito bom!

Ebony Dressed For Sunset e The Forest Whispers My Name são tocadas em seguida com uma fúria impressionante. Na platéia, é possível ver diversas air guitars e air bass. Sem contar que logo atrás de mim, um cara tentava cantar igual à Ashley Ellyllon. Lógico que seu canto não chegava nem perto, mas mesmo assim ele continuava. Ele só foi parar quase no final do show, depois de ter desafinado e eu ter olhado para ele com uma cara de espanto, já que a sua voz falhou ridiculamente.

Ah, não posso deixar de citar que, entre a pausa dessas duas músicas, Filth finalmente solta um “Obrigado, Brasil”. É a primeira e única frase em português da banda durante o show.

Para fechar, From The Cradle To Enslave. Mas antes da música começar, Dani Filth critica a estrutura do Carioca Club, dizendo, literalmente, “This is a pretty shitty club”, o que não será traduzido aqui neste texto para não chocar as velhinhas que sabemos que estão lendo essa resenha.

Durante a última canção, Paul Allender para de tocar no meio da música e sai do palco, entregando a sua guitarra ao técnico da banda. Guitarra quebrada bem na última música? Ele vai trocar rapidamente e vai voltar, com certeza. Esse é o pensamento de todos no local. Mas para a nossa surpresa, Allender volta com uma filmadora nas mãos para filmar o público. Todo mundo vai ao delírio com tal atitude.

O show termina, Dave Pybus joga algumas palhetas para o público. A banda deixa o local e o público, mais do que satisfeito, ficou com a sensação de que assistiu a uma performance fantástica, prejudicada somente pelo Carioca Club, uma casa de show que não está no nível do Cradle of Filth.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eu virei fã do Cradle of Filth, e com certeza acompanharei a carreira da banda a partir de agora. Já tenho os CDs e ficarei atento às novidades daqui em diante.

O delfonauta ganha uma resenha de show e eu ganhei uma nova banda para ouvir. Todos saem ganhando!

CONSTATAÇÕES DELFIANAS

– Não importa onde você estiver, sempre terá alguém tocando Ramones. Um boteco do lado da casa de shows colocou um CD da banda e deixou rolando a tarde toda. Para eles, não existe diferença, é tudo rock’n’roll.

– Mulheres de corpete, seja lá qual for a cor, é algo sexy.

– Mulheres de lente branca no olho também é algo sexy.

– Mulheres de lente vermelha é algo extremamente sexy.

– Essa é a primeira vez que o Corrales fotografa um show desde o desastre que rolou no Gamma Ray & Helloween.

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Nota
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Allan Couto
Viciado em música, tem um gosto musical bastante eclético, indo de Brujeria a Jewel. É fanático pela Marvel, mas confessou, sob tortura, que já teve uma camiseta do Lanterna Verde. É nerd, mas nunca viu nenhum episódio de Star Wars ou de Lost. Gosta de filmes blockbusters e seriados do tipo Prison Break e Friends. Vai dizer que você nunca percebeu como os dois são parecidos? Allan Couto nos deixou cedo demais. Ele perdeu a batalha contra o covid em março de 2021.
cradle-of-filth-em-sao-paulo-18122010Data: 18 de dezembro de 2010<br> Local: Carioca Club<br> Cidade: São Paulo<br> Credito do Artigo: carlos@delfos.jor.br<br> Credito da Foto: Carlos Eduardo Corrales<br>