A Vila

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A essa altura, você com certeza já viu a propaganda desse filme na TV. Uma das piores campanhas de filmes das quais tenho conhecimento, tem todos seus diversos comerciais centrando todo seu conteúdo em apenas duas frases: “Do diretor M. Night Shyamalan” e “Não conte o final deste filme”. Eu, como um indivíduo pensante que não gosta de receber ordens e que não aceita ser manipulado pela televisão, realmente pensei em contar o final da fita para todo mundo que conheço. Infelizmente, meu senso ético é grande demais para estragar a diversão das outras pessoas, então pode ler sossegado que nada nesta resenha vai estragar o final para você, mas fica registrada minha reclamação pela campanha publicitária completamente incompetente e, principalmente, falsa (continue lendo para entender).

A premissa é talvez a mais legal dos filmes do diretor. Uma vila é completamente isolada da sociedade por um bosque que a rodeia. Nenhum de seus habitantes pode atravessar o bosque em direção à cidade, pois o primeiro é habitado por temíveis criaturas que o pessoal da vila nem tem coragem de citar, se referindo a eles apenas como “aqueles dos quais não falamos” em uma clara alusão ou homenagem do diretor e roteirista Shyamalan a Harry Potter e seu principal vilão Voldemort (leia resenha do filme mais recente do bruxinho e a do jogo). O motivo desse “isolamento voluntário” é que o povo da vila tem um pacto com os monstrengos do tipo “você não vem aqui e eu não vou aí, beleza?”.

Infelizmente, a premissa legal é completamente estragada pela péssima condução da trama, personagens pouco carismáticos, interpretações deprimentes e, principalmente, uma direção nojenta. Vamos dar alguns exemplos no próximo parágrafo.

Pouco depois do início do filme, vemos um moleque parado de costas para o bosque em posição de cruz, pouco antes de ele sair correndo de medo. Por que ele está fazendo isso? Essa dúvida é apenas esclarecida muito depois no filme e, simplesmente, não tem nenhuma importância, devendo, portanto, ter sido retirada. A protagonista Ivy (Bryce Dallas Howard) é o principal problema nas atuações. Ela é linda que dói, mas faz a pior interpretação de um deficiente visual que eu já vi. Ela chega ao ponto de olhar para as pessoas. E nem venha me falar que ela olha para as pessoas porque ela enxerga as luzes delas, pois isso não cola comigo. Isso sem contar que, em determinado momento, ela pega sua bengala e simplesmente quebra ao meio, sem motivo algum. Será que ela estava querendo dar uma de machona?

Sobre a direção nojenta, vou citar uma cena e você tira suas próprias conclusões. Na cena em questão, Ivy e seu pai Edward (William Hurt) estão andando e conversando. A câmera, por algum motivo bizarro, fica tremendo como se o cameraman estivesse andando (bêbado) atrás deles com a câmera nos ombros. Aí eles param de andar e a câmera pára de tremer. Eles continuam a andar e a câmera volta a tremer. Isso, além de impedir que você curta o belo visual do filme, chega até a dar dor de cabeça. Não consigo imaginar como surgiu essa idéia. Será que o diretor simplesmente pensou: “Duh… Tive uma idéia ótima. Vamos colocar a câmera tremendo sem motivo algum, para parecer que nosso filme com orçamento de milhões de dólares tem a mesma qualidade de uma filmagem caseira de aniversário?” e daí os puxa-sacos, com medo de perder o emprego, falaram “Genial, senhor Shyamalan! Vamos fazer isso sim!”. Meu, você consegue imaginar esse diálogo? Esse não é o único defeito da direção, só foi o pior. Sinceramente, quando assisti aos filmes anteriores do diretor, ainda não tinha o mesmo olhar crítico de hoje, então não posso dizer com veemência se o cara é realmente ruim ou se é apenas nesse filme que ele não estava inspirado. Se bem que agora acabei de me lembrar que, ao assistir Sexto Sentido no cinema, eu vi uns microfones voando em diversas cenas. É… acho que o cara é que não tem critério mesmo. Devia se ater a escrever histórias e não a dirigir filmes.

Ok, e o final tão surpreendente? Bom, para começar, de surpreendente não tem nada, daí o fato de a propaganda ser enganosa citado no começo deste texto. Aquele “Não conte o final deste filme” é obviamente uma tentativa desesperada de uma produtora que não acredita na fita e que, ao não encontrar nenhuma qualidade na mesma, simplesmente optou por criar uma curiosidade em relação ao final.

Como eu não resisto, vou comentar o final, mas pode ler sossegado, amigo delfonauta. Não vou estragar a sua surpresa aqui. Existem, na verdade, duas “revelações”. A primeira delas, a mais importante, você pode matar simplesmente lendo a premissa da história em qualquer sinopse. Na verdade, eu matei antes de assistir o filme, mas simplesmente nem imaginei que o mesmo roteirista que surpreendeu a todos nós em Sexto Sentido optaria pelo caminho mais óbvio possível. A segunda “revelação” só tem alguma importância na história em si, mas ainda assim era impossível ser mais óbvia do que é e você provavelmente vai adivinhar a resposta assim que a dúvida surgir.

Mas calma, leitor. O filme não é de todo ruim. Eu, particularmente, gosto muito do visual “romântico” de uma vila isolada da sociedade. O figurino é legal e os cenários também são bem legais. E é claro, a história é muito mais profunda do que pode parecer, podendo até gerar certas discussões sobre nosso comportamento na sociedade. Claro que essas discussões não serão iniciadas no âmbito dessa resenha, para não estragar a surpresa daqueles dois ou três (pensando em todos os espectadores que o filme vai ter no Brasil, quiçá no mundo) que se surpreenderão com a “revelação”.

A Vila, ao contrário do que pode parecer não é ruim. Apenas criou as expectativas erradas, se concentrando na marca “M. Night Shyamalan” e na “surpresa do final”. Tivesse se concentrado mais nas coisas que realmente importam em um filme, ou seja, personagens cativantes e uma boa história, sem dúvida seria mais bem sucedido. Afinal, em matéria de surpresa, o diretor e roteirista não deve superar, ao menos em um futuro próximo, seu melhor filme Sexto Sentido que, ao contrário do que os outros veículos “especializados” em cinema dizem, é seu único filme que tem uma revelação bombástica no final. Eu, pelo menos, não tive nenhuma surpresa em Sinais e Corpo Fechado. Você teve?

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).