Clube de Compras Dallas

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Eu não me lembro de um caso de mudança na carreira (para melhor) tão brusca quanto Matthew “é um saco escrever esse sobrenome” McConaughey empreendeu nos últimos anos. Veja só: o cara começou no cinema fazendo papéis interessantes em bons filmes, como Jovens, Loucos e Rebeldes, Tempo de Matar e Contato, só para ficar em três exemplos.

Aí, por algum motivo que nem Lúcifer é capaz de explicar, decidiu passar os dez anos seguintes fazendo apenas e tão somente comédias românticas da pior extirpe, onde se limitava a mostrar os dentes bem clareados em sorrisos marotos e tirar a camisa e exibir seu peitoral torneado, provocando frenesi na mulherada que se derretia nas salas de cinema. O cara acabou virou uma piada, e a melhor delas, claro, foi feita por Family Guy:

Mas eis que, do nada, o truta se lembra que sabe atuar e decide então voltar a fazer papéis mais desafiadores em bons filmes e outros nem tanto. Contudo, mesmo nas películas que não são tão boas assim, o mesmo não pode ser dito de sua interpretação. O cara simplesmente renasceu e está num ótimo momento de sua carreira.

Clube de Compras Dallas talvez seja a epítome deste momento, visto que ele até ganhou uma indicação ao Oscar de melhor ator. Aqui seu papel é inspirado na história real de um caipira texano com jeitão (e bigodão) de cowboy e homofóbico que, no auge da epidemia de AIDS, nos anos 80, quando ainda era uma doença muito associada aos gays, descobre ele próprio ser portador do vírus.

Contudo, o AZT, a principal droga de combate aos efeitos da doença, por ser ainda uma novidade, destrói o já fragilizado sistema imunológico dos pacientes. Ron Woodroof (o personagem de Matthew) decide então experimentar drogas proibidas nos EUA por ainda não terem sido regulamentadas pelos órgãos oficiais de lá. E quando elas fazem um efeito bem melhor do que o coquetel padrão, passa a contrabandear os remédios, a notícia se espalha entre os doentes da região e Ron funda então o tal do Clube de Compras, uma rede de distribuição desses remédios alternativos.

Matthew (eu não estou mais a fim de escrever este maldito sobrenome) manda novamente mais uma boa atuação, que não deixa nada a dever à sua excelente lista de papéis recentes. Mas o que impressiona aqui em específico é a sua transformação física, mais um indicativo de seu comprometimento em sua nova fase de ator sério. O cara perdeu muito peso e está só pele e osso.

Quem também está numa magreza de dar pena é o Jared Leto (indicado ao Oscar de ator coadjuvante), ultimamente mais conhecido como o vocalista do 30 Seconds to Mars do que como ator. Aqui ele interpreta um travesti que responde pelo nome de Rayon e consegue fazer amizade com Ron apesar da homofobia do sujeito.

Boas atuações a parte, foi um filme bastante interessante de assistir, pois trata de um tema do qual eu sabia muito pouco, quase nada, na verdade. Não sabia que o AZT em seu começo fazia mal aos pacientes, não sabia desse lance do contrabando de remédios que só eram proibidos nos EUA por mera politicagem e não sabia desse lance dos chamados Clubes de Compras (que rapidamente se espalhou para outros lugares).

É até irônico como um personagem nada simpático aos homossexuais (era o tipo de cara capaz de bater em um só por olhar para ele) tem de reavaliar seus preconceitos e passa a conviver praticamente só entre gays, chegando a se tornar meio que um herói da comunidade.

Contudo, apesar da trama bastante interessante, o filme segue um roteiro meio padrãozão, e mesmo que você não saiba nada da história, não é difícil acertar a sequência de acontecimentos, com seus êxitos, fracassos, algumas tragédias e etc. Tudo clichês típicos dos dramas que dão as caras por aqui, deixando-o um tanto sem brilho, com jeitão de Oscarizável padrão. Dava para usar todos esses elementos de forma mais criativa e, se o tivesse feito, até poderia ter recebido uns Alfredinhos a mais.

Clube de Compras Dallas é um bom filme (mas nada de excepcional) que conta um importante e deveras interessante capítulo recente da história e se escora em boas interpretações, sobretudo de seu protagonista, mostrando mais uma vez que sabe atuar (aqueles dez anos de comédia romântica? Pelo jeito foram só pelo dinheiro). Se esses elementos te interessam, vale a assistida. E se nada disso te interessa, mas você sempre quis ver o vocalista do 30 Seconds to Mars vestido de mulher, já para o cinema!

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
clube-de-compras-dallasPaís: EUA<br> Ano: 2013<br> Gênero: Drama/Oscarizável<br> Duração: 117 minutos<br> Roteiro: Craig Borten e Melisa Wallack<br> Elenco: Matthew McConaughey, Jennifer Garner, Jared Leto e Steve Zahn.<br> Diretor: Jean-Marc Vallée<br> Distribuidor: Universal<br>