Clássicos – Ladrões de Bicicleta

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Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica, um dos filmes mais cultuados do neo-realismo italiano, completa sessenta anos sem mostrar o mínimo sinal de obsolescência ou anacronismo. Se o tempo é cruel e implacável com o homem, com Ladrões de Bicicleta – e isso serve para qualquer obra-prima – ele é generoso: é com o passar dos anos que este verdadeiro retrato social ganha ainda mais força, valor e importância.

Ambientado na Itália no período posterior à Segunda Guerra Mundial, o filme retrata uma época em que crises econômicas e altos índices de desemprego e pobreza compõem uma realidade degradante e desoladora, especialmente para o homem humilde italiano. A trama narrativa gira em torno de Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), um proletário desempregado há alguns anos que consegue um emprego como colador de cartazes pelas ruas de Roma. Para ser contratado, entretanto, Ricci precisa de uma bicicleta, seu instrumento de trabalho. Maria (Lianella Carell), sua esposa, decide então penhorar lençóis de cama para, com o dinheiro obtido, resgatar a bicicleta que Ricci havia empenhado para suprir as necessidades financeiras e alimentícias de sua família.

Com seu instrumento de trabalho em mãos, Ricci parte para o seu primeiro dia como colador de cartazes com a esperança renovada de ascender economicamente. Entretanto, enquanto colava desajeitadamente o seu primeiro cartaz, ele tem sua bicicleta roubada e vê o seu sonho de progresso desmoronar. A partir daí, o filme ganha em dramaticidade e se torna uma jornada de angústia, dor, desalento e invisibilidade de um homem e de seu pequeno filho, Bruno (Enzo Staiola), em uma busca interminável por um objeto que, em condições tão adversas, representa o passaporte para a dignidade e o afastamento do estado de retificação ao qual a maioria de seus pares estava submetida.

Tecnicamente, a película se destaca pelo seu tom altamente realista. Para aumentar o poder de verossimilhança e se aproximar da fidelidade realística pretendida, De Sicca seguiu à risca os postulados centrais da escola neo-realista italiana: o despojamento estilístico – conseqüência também do baixo orçamento da produção, as filmagens in loco, isto é, nos verdadeiros locais onde as ações se passavam, e a utilização de atores não-profissionais. Estes recursos técnicos marcaram um claro distanciamento e uma contraposição ao cinema industrial hollywoodiano, que primava, em termos gerais, pelo artificialismo dos estúdios e pelo falseamento e estilização da realidade.

Além das características supracitadas, o que fez Ladrões de Bicicleta ser tão especial e emocionante não é propriamente a sua trama narrativa, bastante singela por sinal. O que faz a diferença é a forma humanística e poética com que a história é conduzida por De Sicca e a autenticidade dos atores amadores ao interpretar seus personagens. Em um cenário em que a sinceridade e a espontaneidade reinam, não faltam seqüências memoráveis e antológicas. É o caso do tom operístico e a felicidade genuína de Ricci – expressos na belíssima trilha sonora e em sua expressão facial – enquanto se dirige para o seu primeiro dia de trabalho. Está também presente na cena em que o protagonista tenta mostrar a Maria a empresa para qual irá trabalhar quando, repentinamente, alguém fecha a janela, em uma simbólica demonstração da condição subalterna da mulher e de seu lugar social restrito ao ambiente doméstico em uma sociedade machista e conservadora. Enfim, estas e outras passagens – como o triste desfecho – revelam toda a sensibilidade e o senso de humanismo de De Sicca e de seus convincentes atores.

Ladrões de Bicicleta ultrapassa o mero tratamento documental de uma época e, apesar de estar circunscrito a um contexto social específico (a miserável condição social e econômica do povo italiano no pós-guerra), extrapola também quaisquer barreiras históricas e temporais. A tragédia, o desespero e a degradação moral de um homem impotente, exposto a situações-limites e a uma realidade hostil e aviltante, é uma história universal e atemporal, possível de ser transportada para diversas épocas e para diversos lugares do mundo. Um clássico extremamente sentimental que, em nenhum momento, apela para a pieguice ou para o melodrama. Enfim, um clássico que se recusa a envelhecer.

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