Clássicos: Irmãos Karamazov

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Quando você lê um nome desses, o que lhe vem à mente, caro amigo delfonauta? Uma história sobre as tragédias de uma família russa em meio a um monte de vodka e neve? Caçadores russos bêbados? Russos bêbados? Vodka? Bem, certamente coisas parecidas passavam na minha cabecinha sonhadora.

Mas como eu já havia lido outras obras de Dostoiévski, então já sabia mais ou menos o que esperar. E o que esperar? Bem, certamente não é uma obra de leitura fácil. Se você, jovem delfonauta, não está acostumado com leituras densas, longas frases e longos parágrafos, monólogos gigantescos (e algumas vezes tediosos) sobre temas filosóficos e abstratos, então passe longe (ou comece hoje!). Para muitos nerds (eu não sou um nerd), leitura é RPG, Tolkien ou Douglas Adams. Bem, leitura É isso também, mas existem muitas outras coisas interessantes para se ler.

Isso não é um desincentivo e nem uma maneira de dizer que só é true e forjado no vento preto quem consegue ler algo denso. Mas antes de ler, ou comprar, é bom saber no que está se metendo. Então chega de papo e vamos à sinopse.

Um velho safado e pilantra colocou uma penca de filhos no mundo. Obviamente, este velho safado e pilantra não tem um bom relacionamento com os filhos, e no caso, ele não tem um bom relacionamento com praticamente ninguém. Só que um dia o velho é (finalmente) morto, e a lei procura desvendar o crime. Basicamente é isso. E essa turminha do barulho apronta altas confusões.

Claro que não é tão simples assim, pois Dostoiévski faz uma construção dos personagens com o objetivo de expor suas opiniões sobre a sociedade, o mundo, a vida, o universo e tudo o mais. Essa construção é feita mostrando a reação de cada um dos filhos do velho pilantra a seus últimos dias e a sua morte. Mostra também a criação de cada filho, uma vez que, como um pai degenerado e ausente, ele não dava muita importância a detalhes bobos, como criar seus rebentos, dar um bom exemplo paterno e ser querido pela comunidade (o que certamente não inclui ter relações com bêbadas loucas).

Os filhos tiveram criações bem diferentes. Um deles foi criado num mosteiro e ele simboliza um homem moral e espiritualmente equilibrado, um ser que não tem dúvidas do que é certo e errado aos olhos de Deus e dos outros homens. Ele é afável, dócil e amistoso, porém decidido nas ações. Outro dos irmãos Karamazov é um intelectual, estudioso, inteligente e ateu. Arrogante, cínico e pretensioso. Para ele, a moral é relativa, acompanha a sociedade vigente e Deus não existe. O terceiro dos irmãos Karamazov é similar ao pai. Não está nem aí para nada. O negócio é encher os cornos de vodka, comer qualquer uma que apareça no caminho e ganhar dinheiro fácil. Em suma, é um cara legal e bon vivant, porém não pise no calo dele, pois é temperamental e explosivo.

As discussões filosóficas e teológicas do livro são muito pertinentes e atuais. Mas, na época de Dostoiévski, o ateísmo começava a ganhar corpo e defensores, ao passo que a moral cristã era atacada de todas as maneiras possíveis. Então ele expõe as falácias do pensamento ateu, os desdobramentos perversos que essa ideologia traria para o ser humano e a vida em sociedade.

Na verdade, hoje podemos ver que ele estava bastante certo. Não por acaso, os conceitos apresentados e defendidos pelo irmão ateu – que era o pensamento intelectual fervilhante da época – foram usados por Nietzsche para criar o conceito de super-homem. Claro que Dostoiévski, como um fervoroso cristão, usa o irmão Karamazov santo para demonstrar que o comportamento motivado por raciocínios cristãos e as qualidades cristãs como bondade, honra, respeito e humildade, ainda que contivesse idiossincrasias, era melhor do que o niilismo ateu ou do que a devassidão moral. Podemos até dizer que ele quase fechou os olhos para todo o incalculável mal que a religião cristã causou ao ser humano nos últimos dois mil anos. Cristã está grifada, pois a religião se diz cristã, embora não siga realmente nenhum dos ensinos do fundador, Jesus Cristo. Mas ele tece, sim, críticas ao comportamento hipócrita dos líderes, aos ensinamentos sem sentido e aos fiéis que apenas seguem sem nenhum comprometimento pessoal, apenas hábito.

O que mudou no nosso pequeno lar azul desde 1880, quando foi lançado este livro?

Em determinado ponto, o irmão ateu se encontra com o resultado material e físico do seu pensamento niilista, e depois disso, enlouquece e discute com o próprio Belzebu. É o momento “true from hell” do livro. O irmão degenerado (e um bocado psicótico) busca absolvição durante boa parte de sua vida promíscua e o irmão santo amadurece seu comportamento santo, sendo que seu amadurecimento aparece como interlocutor, contraponto ou debatedor com essas outras figuras do livro.

Algumas tramas paralelas e flashbacks aparecem e são importantes para definir os personagens. Algo que chama a atenção são as descrições das mulheres que mexiam com a cabeça da família Karamazov. Sinceramente, em alguns momentos eu desejei que houvesse gravuras no livro. Mas para os afoitos, já deixo claro que Dosto (pros íntimos) era puritano e não temos quase nada relacionado a sexo.

O embrião dos pensamentos contidos neste livro já havia sido trabalhado nos livros anteriores do autor, em especial “Crime e Castigo” e “O Idiota”, mas podemos dizer que esse é o ápice da sua argumentação anti-“intelectualismo de boutique” ainda bastante difundido e discutido. Não é por acaso que este é considerado um dos grandes clássicos da literatura mundial.

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