Se os anos 80 foram marcantes pela chegada dos jogos eletrônicos (fliperamas e videogames) ao Brasil, a primeira metade dos 90 se destacou exatamente pela sua consolidação. Basta lembrar que a Tec-Toy estava, então, com força total lançando jogos para o Master System adaptados (Chapolim e Mônica no Castelo do Dragão), 100% feitos em território nacional (Pica-Pau, por exemplo), ou mesmo traduzindo com muita competência RPGs de sucesso (o clássico Phantasy Star) para o mesmo videogame. A empresa ainda foi competente o bastante para colocar diversos anúncios em rádios e TVs de seus videogames e, com isso, o Master System, um fracasso em todos os países por onde passou pela concorrência predatória com o Nintendo 8-Bits, acabou se dando muito bem por aqui.
A SEGA estava bem representada com a Tec-Toy, mas o mesmo não se pode dizer da Nintendo que chegou ao nosso país em 1993 sob a marca Playtronic (um fruto da parceria entre Estrela e Gradiente), mas praticava preços absurdamente fora dos padrões nacionais e acabou não decolando. De qualquer forma os videogames da Nintendo estavam bem acessíveis por versões “piratas” nacionais como por exemplo o Phantom System (da própria Gradiente), o Dynavision 2 (da Dynacom) e o TopGame VG9000 (da CCE), todos com suas seletas coleções de jogos lançados sem a autorização da Nintendo, diga-se de passagem.
Essa época também foi marcada pelo boom das locadoras de videogames. Em cada esquina de cada bairro você podia encontrar uma e alugar seus joguinhos para passar o final de semana afinal, naqueles tempos, comprar um jogo era um privilégio de poucos diferentemente do que ocorre hoje em dia com a pirataria.
No campo internacional, os videogames de 16-Bits (Mega Drive em 1988 e Super Nintendo em 1990) surgiam trazendo jogos de qualidade e com gráficos quase iguais aos de um fliperama para dentro de casa, um verdadeiro sonho e, além disso, a velha rivalidade entre Sega e Nintendo ganhava ares de briga de cachorro grande e os jogadores tinham de optar por seguir um único caminho: comprar o videogame da Sega ou da Nintendo? Uma briga digna de times de futebol já que as duas empresas eram competentes, cada qual do seu jeito. A nova década prometia…
Juntamente com o sucesso dos videogames em terras brasilis, era óbvio que a chegada da mídia especializada era apenas uma questão de tempo. Os programas de televisão sobre videogames nunca se destacaram, então não pretendo me alongar falando sobre eles. Em uma rápida retrospectiva, me lembro de um quadro na “Hora do Capeta”, o programa do Sérgio Mallandro no SBT de 1988 onde ele fazia uma competição de Duck Hunt, aquele jogo de pistola de Nintendo, e quem ganhasse levava pra casa um Dynavision 2. Alguns anos depois, em 1991, Gugu Liberato chegou a estrelar sem sucesso um programa sobre videogames patrocinado pela Tec-Toy nas tardes de Domingo no SBT também. O canal pago Multishow foi o primeiro a fazer um programa legal chamado Stargame, que durou alguns anos.
A grande fonte de novidades e informações sobre os jogos e aparelhos, em uma época sem Internet, acabou sobrando mesmo para as revistas, e é sobre uma delas que pretendo comentar.
Na primeira metade da década de 90 foram lançadas seis revistas totalmente especializadas que redefiniram o conhecimento brasileiro sobre os videogames, eram elas: Ação Games, Videogame, Supergame, Gamepower, Supergamepower (união da Supergame com a Gamepower) e Gamers.
Elas não foram exatamente “pioneiras” porque na primeira metade da década de 80, algumas publicações sobre computadores já publicavam resenhas e matérias especiais sobre jogos eletrônicos do Atari, mas de qualquer forma estas não eram 100% especializadas e todas as suas matérias eram bem amadoras.
A primeira revista totalmente voltada para o assunto foi a Ação Games que, aliás, tem uma história bem curiosa: no final dos anos 80, a Editora Abril lançou uma revista semanal sobre cinema, televisão, esportes e quadrinhos que acabou se tornando “cult” pelos jovens da época; Essa revista se chamava “A Semana em Ação”.
Com o sucesso da revista e o crescimento relâmpago no mercado brasileiro de games, a editora lançou um suplemento especial da revista totalmente dedicada ao assunto sob a supervisão do jovem Marcelo Duarte (que hoje apresenta o programa Você é Curioso? na Rádio Bandeirantes), este suplemento ficou conhecido como A Semana em Ação: Games e seu primeiro número foi lançado em Janeiro de 1990.
A capa da primeira edição, que ainda tenho guardada aqui comigo, é o famoso jogo de arcade das Tartarugas Ninja. Esta histórica revista, na verdade, tem todas as matérias “chupadas” das revistas americanas como Gameplayers e Gamepro, e ainda comete um incrível erro anunciando que o Super Famicom (o Super Nes japonês) seria um videogame exclusivo brasileiro.
Apesar das gafes, a revista tinha um ótimo layout, matérias trazendo as novidades, o futuro dos jogos eletrônicos e um especial sobre jogos em CD (que ainda eram uma novidade na terra do Sol Nascente e demorariam bastante para chegar por aqui…).
A repercussão desta edição foi tão grande e o mercado estava tão ansioso por uma publicação do gênero que, um mês depois, o segundo número de A Semana em Ação: Games foi lançado, desta vez com Mickey Mouse e seu Castle of Illusion para Mega Drive na capa. As vendas novamente superaram todas as expectativas, mas foi quando um grave problema quase colocou tudo por água abaixo: devido à má administração e queda na qualidade, a revista “A Semana em Ação” acabou indo à falência, mas o seu suplemento especial sobre videogames ia muito bem, obrigado.
Em uma total falta de bom senso, a Abril preferiu acabar com ambas as revistas com medo do prejuízo, mas uma outra editora (na verdade ainda dentro do grupo Abril), a Azul, se interessou pelo conteúdo dos suplementos especiais sobre videogames e encarou o desafio de lançá-los de forma independente e assim surgia a revista Ação Games (aproveitaram parte do nome da publicação antiga), a primeira totalmente especializada em videogames do Brasil.
Nos dois primeiros anos de vida, a Ação Games fez muito sucesso e se tornou um ícone de adoração e respeito pelos jogos eletrônicos. Para se ter uma idéia do sucesso, a revista chegou a ser lançada até mesmo na Argentina com o nome de Action Games e suas matérias eram todas traduzidas para o castelhano, um fato inédito na época. Com o tempo, novas seções foram criadas, jornalistas profissionais foram contratados e a publicação realmente se profissionalizou.
A partir de 1993, no entanto, as coisas mudaram, sua linha editorial começava a puxar o saco descaradamente para o lado da Sega em resenhas e matérias de jogos (influência$ da Tec-Toy?), o que acabou frustrando muitos fãs da Nintendo e fez com que os números das vendas despencassem consideravelmente.
Como uma criança teimosa que não aprende com os erros, a revista insistia nos mesmos defeitos nos anos que se seguiram e praticamente decretava a falência da Nintendo a cada nova edição que saía nas bancas. Era batata, sempre que um mesmo jogo saía para os dois sistemas (Mega Drive e Super Nintendo), a versão da Sega podia perder em gráficos mas ganhava em jogabilidade e, portanto, aquela versão era considerada melhor.
O problema que a Editora Azul não percebia, é que novas revistas sobre videogames começaram a surgir no mercado por um preço bem mais competitivo que o praticado pela Ação Games, e em 1995 a revista perde a majestade como a maior revista brasileira de videogames para a concorrente SuperGamePower (resultante da fusão de duas revistas: Supergame e Gamepower) da Editora Nova Cultural, que tinha mais páginas, mais matérias e era mais “profissional”.
Daí em diante, a Ação Games foi perdendo cada vez mais espaço, primeiro para a nova concorrência com outras revistas, e depois com o avanço da Internet e o surgimento de homepages que fornecem informações em tempo real, e de graça.
A revista ainda tentou um último suspiro contratando novos editores para uma revitalização, mas não adiantou e encerrou suas atividades em 2000 praticamente esquecida pelo público que ela mesmo ajudou a formar jogando videogame. Apesar disso, sempre tem alguém tentando ressussitá-la lançando alguma edição especial nas bancas.
Erro de marketing? Falha no planejamento estratégico? Não importa, a revista Ação Games tem seu lugar garantido no capítulo sobre a história dos videogames no Brasil e no coração de quem viveu aquela época.