Na última terça-feira, dia 27 de dezembro, foi anunciado que Carrie Fisher tinha morrido no hospital, aos 60 anos, quatro dias depois de ter sofrido um ataque cardíaco durante um voo de Londres para Los Angeles, onde morava. E sua mãe, a também atriz Debbie Reynolds, morreu um dia depois, aos 84 anos, vítima de um Acidente Vascular Cerebral. Um último golpe deste ano impiedoso e surreal que foi 2016.
Soubemos imediatamente que não poderíamos deixar de homenagear alguém como a eterna Princesa Leia, e não seria difícil fazer uma matéria inteira falando só da importância da personagem para Star Wars e para a cultura pop como um todo, mas a verdade é que isso não parece suficiente. A Leia é só uma das muitas facetas de uma pessoa complexa, cativante e genuinamente especial, que compartilhou sua vida como um livro aberto e foi um símbolo de esperança para muita gente. Por sorte, eu acompanho ela bem de perto, então nesta matéria, vamos explorar alguns lados menos conhecidos desta personalidade tão tremendona.
CARRIE FISHER, ESCRITORA
Para começar, Carrie era uma escritora prolífica e muito competente. A maioria de seus livros são memórias, como Wishful Drinking (que também foi apresentado no teatro e virou especial da HBO) e The Princess Diarist (que é sobre a época em que ela estava gravando o Episódio IV, com trechos dos diários que ela mantinha na época), mas ela também escreveu alguns belos romances, frequentemente categorizados como “semi-autobiográficos”, por estarem cheios de elementos que soam bem familiares para quem já conhece sua história de vida. Um deles, Postcards from the Edge, teve seu texto adaptado pela própria Carrie para um filme, que tinha Meryl Streep no papel principal e foi dirigido por Mike Nichols, de Closer. O filme foi indicado para dois Oscars.
Filha de um cantor famoso com uma das atrizes mais queridas da Hollywood clássica, Carrie cresceu rodeada pelos escândalos do show business (tendo ninguém menos que Elizabeth Taylor como madrasta por um tempo). Mais tarde, entrou para o que viria a ser a franquia mais bem sucedida de todos os tempos com apenas 19 anos, e passou a ser um dos rostos mais reconhecíveis da cultura pop. Foi diagnosticada com Transtorno Bipolar, lidou com um vício em drogas, sobreviveu a uma overdose, e passou até por um tratamento de choque que ajudou a aliviar sua depressão, mas levou pedaços de suas memórias. Casou-se duas vezes e teve uma filha com o segundo marido – o marido que depois se revelou gay. Passagens curiosas e interessantes não faltam na vida de Carrie, então nada mais justo do que aproveitá-las na ficção.
Mas por incrível que pareça, o que faz a escrita de Carrie ser realmente marcante não é o quão absurda sua vida foi, mas a sensibilidade, a honestidade brutal e o senso de humor que ela mostrava ao contar essas histórias. Ela brincava abertamente sobre o lado menos glamoroso de viver e envelhecer sob os holofotes, livre tanto de vergonha quanto de vaidade, se mostrando vulnerável e ao mesmo tempo badass. Sua escrita é simples e direta, mas muito pungente.
“Minha filha me disse que quando crescer ela quer ser cantora ou comediante”, ela mesma conta em Wishful Drinking, “e eu disse ‘baby, se você quer ser comediante, tem que ser escritora. Mas não se preocupe, você tem um monte de material: sua mãe é uma viciada em drogas bipolar. Seu pai é gay. Sua avó sapateia e seu avô comeu os próprios aparelhos auditivos’. E ela ri, e ri, e ri, e eu digo ‘baby, o fato de que você sabe que isso é engraçado vai salvar toda a sua vida”.
E se livros têm caracteres demais para o seu gosto, não se aflija: o Twitter dela também é cheio de pérolas. Recomendo.
CARRIE FISHER, SCRIPT DOCTOR
Outra extensão menos conhecida da habilidade literária de Carrie é o fato de que ela deu uma mãozinha em vários filmes clássicos dos anos 90. Assim como Joss Whedon, Aaron Sorkin e Quentin Tarantino, Carrie também trabalhou como script doctor: um escritor que é chamado para revisar um roteiro, consertar furos, adicionar mais piadas, aperfeiçoar o diálogo de algum personagem e melhorar o texto como um todo. Trabalhos desse tipo não costumam ser creditados, porque podem ir de reescritas completas a pequenos acréscimos, e porque às vezes o mesmo roteiro é mexido por uma dúzia de script doctors diferentes. Sem falar que alguns filmes são desastres tão irreparáveis que eles preferem nem aparecer nos créditos.
O trabalho de Carrie como script doctor começou despretensiosamente, com as modificações que ela fazia nos diálogos da Princesa Leia. Depois que ela adaptou Postcards from the Edge, Steven Spielberg a convidou para reescrever o agora clássico Hook, e depois dele, vieram muitos outros.
“Eles me disseram que queriam que eu reescrevesse a parte da Sininho, mas se a Sininho interage, você acaba escrevendo cenas”, ela conta. “Para sair daquele, eu peguei outro trabalho de reescrita. Então foi de Hook para qualquer outro. Mudança de Hábito. Máquina Mortífera 3. O Rio Selvagem. Alguns muito ruins também. E eu reescrevia minhas falas, se eu tivesse também. (…) Foi mais ou menos assim que comecei. Harrison Ford estava reescrevendo a parte dele em todos os Star Wars e ficava irritante porque impactava as minhas falas também. (…) No terceiro filme, eu reescrevi um pouco do meu diálogo. George Lucas me pediu para dar uma melhorada em uma das prequências”.
E daí em diante, ela acabou virando um dos script doctors mais requisitados de Hollywood, cuidando de diversos blockbusters de diversos níveis de qualidade. Em Pânico 3, ela até adicionou uma participação para si mesma, outra amostra de seu senso de humor auto-consciente:
E ela só parou no começo dos anos 2000. O motivo ela explicou ao Newsweek: “Foi um capitulo longo e lucrativo da minha vida. Mas é complicado fazer isso. (…) Agora para conseguir um trabalho de reescrita, você precisa enviar suas notas com ideias sobre como consertar o roteiro. Aí eles podem pegar todas as notas de todos os escritores diferentes, guardar todas elas e não te contratarem. Isso é trabalhar de graça”. Muito justo.
CARRIE FISHER, DEFENSORA DA CAUSA DA SAÚDE MENTAL
Este último item é menos sobre o que ela fez e mais sobre quem ela era. Por ser tão transparente, e por sua atitude de “não levar desaforo para casa”, Carrie se tornou uma grande inspiração para seus fãs em muitos aspectos. Seja respondendo à altura a cada comentário machista de jornalistas sobre como ela envelheceu ou engordou, ou apontando a diferença de tratamento entre homens e mulheres na ficção, ou falando abertamente sobre seu problema com as drogas, ela nunca deixou de usar a visibilidade que tinha para discutir o que considerava errado, e sempre se recusou a ser estereotipada ou diminuída.
Mas nada é mais significativo do que o que ela representa para pessoas com transtornos mentais. Diagnosticada com Transtorno Bipolar, ela nunca omitiu os detalhes desconfortáveis de como é viver com uma doença como essa. Ela falava sobre isso em toda entrevista e em todo livro, levava Gary – o simpático buldogue francês que era seu cão de serviço psiquiátrico – aonde fosse e aproveitou todas as oportunidades que teve para ajudar a quebrar os tabus e estigmas sociais em volta do assunto e desmistificar as doenças mentais. E espontaneamente, acabou se tornando um exemplo de como é possível ser uma pessoa feliz e bem-sucedida apesar delas.
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Carrie era um desses artistas que deixam a gente chegar mais perto e ver o ser humano por trás da celebridade, e aí a gente sente como se realmente a conhecesse, como se ela fizesse parte da nossa vida. Com certeza vai ser difícil, no fim de 2017, ver as cenas da General Organa no Episódio VIII e saber que a mulher incrível por trás da personagem incrível nos deixou tão cedo. Mas o legado que ela deixou para trás é lindo e vai durar para sempre.
Que a força esteja com você, space mom!
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