A essa altura você sabe que nada é sagrado para Hollywood. Não existe clássico intocável e invariavelmente os engravatados vão querer transformá-los em remakes ou criar continuações. Afinal, isso é muito mais fácil do que ter uma ideia original. Talvez a trilogia De Volta para o Futuro seja o último bastião a ser conquistado.
Pois se até Blade Runner – O Caçador de Adróides, clássico da ficção científica de 35 anos atrás acaba de ganhar uma continuação, qualquer coisa é possível. Ao menos resta uma esperança: já que vão mexer com o que aparentemente era intocável, ao menos se esforcem para fazer algo decente.
O primeiro grande acerto de Blade Runner 2049 está no fato de que ele não foi dirigido por Ridley Scott, que preferiu ficar apenas como produtor. Baseado no que ele fez em Alien: Covenant, pode acreditar, se ele tivesse dirigido este aqui também, teria estragado assim como o fez com a franquia do xenomorfo.
Ainda bem que o comando passou para o talentoso Denis Villeneuve. Recém saído de uma ficção científica de primeira, o diretor canadense injetou sangue novo nesta continuação, conseguindo um feito dificílimo, torná-la do mesmo nível do filme original.
K (Ryan Gosling) é um replicante de nova geração e também um blade runner, um agente policial responsável por caçar e “aposentar” replicantes mais temperamentais de gerações antigas e falhas. Durante uma missão de rotina ele descobre que há mais no caso do que aparentava, e descobre uma informação que pode mudar o mundo.
TODOS ESSES MOMENTOS SE PERDERÃO NO TEMPO
Acredite, falar mais estragaria o filme. E você não vai querer isso. Você vai querer encontrar a maior tela disponível, com o melhor sistema de som e ir sabendo o mínimo possível para poder desfrutar o desenrolar da trama de uma senhora ficção científica.
Visualmente é um espetáculo. Villeneuve pegou a estética empregada por Ridley Scott na produção de 1982 e a levou um passo além. O visual opressivo, abarrotado, culturalmente misturado e úmido da cidade ainda está lá, agora com muito mais tecnologia presente. Mas ainda mantendo a mesma estética das máquinas do primeiro longa.
E ele apresenta outros ambientes. Toda a sequência no deserto, com a fotografia amarelada, é deslumbrante. Vemos mais do mundo do futuro neste filme, que explora mais ambientes que seu antecessor.
O trabalho de som também é primoroso. Há sempre algum ruído preenchendo o ambiente, dando uma sensação de opressão, de que não há mais espaços vazios, de que os humanos estão cada vez mais amontoados. Isso, aliado à excelente trilha sonora, metade eletrônica moderna, metade fazendo eco ao passado, transforma a película num espetáculo audiovisual dos mais marcantes.
O filme é grande, com duas horas e quarenta e três minutos de duração. Mas este é um dos poucos casos onde a metragem maior se justifica. Eu não senti o tempo passar de tão bem que mergulhei no filme. E considerando que ele tem sim um andamento propositalmente mais lento, isso é um grande mérito.
COMO LÁGRIMAS NA CHUVA
Denis Villeneuve não tem pressa em desenvolver a narrativa. Tudo segue seu tempo próprio. Cada tomada tem a duração que tem que ter. Aqui, nada é acelerado, você tem tempo de ver cada ambiente, apreciar cada detalhe por onde K te leva. Não chega a ser um filme de tomadas longas e estáticas, mas em vários momentos me lembrou Andrei Tarkovsky e seu Solaris (1972).
Logo, talvez gerações mais novas, acostumadas com algo mais imediato e picotado, não gostem do que verão. Mas para mim é um prazer ver um filme mainstream, feito para ser um blockbuster, com uma linguagem autoral, sem concessões aparentes.
Eu realmente não quero falar muito da história para não estragar a experiência de ninguém, mas ela também não segue caminhos óbvios, algo que pode até desagradar quem esperava por uma ligação maior entre os dois filmes. A mim isso não incomodou, mas pode acontecer com outros. E mesmo não sendo tão conectado assim, ainda é bastante recomendável que você assista ao original antes de ver o novo.
Talvez a única coisa que para mim tenha faltado, e fez com que ele não levasse o cobiçado Selo Delfiano Supremo, foi algum fator “uau”. Sim, está tudo no lugar, é tudo excelente e de cair o queixo. Mas eu não tive nenhum momento hell yeah de vibrar na poltrona. Certamente vou assistir ao filme mais algumas vezes. Provavelmente vou até comprá-lo em Blu Ray. Mas faltou aquele momento mais empolgante, algo do tipo para me fazer contar os dias para isso.
Apesar desse minúsculo fator subjetivo (que está sujeito a mudar depois de uma reassistida), é seguro dizer que Blade Runner 2049 não deixa nada a dever ao original, sendo ele próprio um filme que se sustenta com as próprias pernas e é sério candidato a um dos melhores do ano. Assim como Denis Villeneuve entra de vez como um dos grandes nomes do cinema contemporâneo. Ao menos dessa vez, mexer com um clássico compensou. Vá ao cinema e comprove.