Esta semana, aconteceu um dos momentos mais vergonhosos do ano para o Metal Nacional. Aquiles Priester, que já foi baterista do Angra, mandou uma mensagem para o guitarrista e fundador da banda, Rafael Bittencourt, cobrando royalties de músicas que não teriam sido pagos. Isso por si só já teria sido ruim, mas o que deixou tudo pior foi que Aquiles publicou essa mensagem no Facebook, tornando público o conflito de uma forma tão antiprofissional que não parece ter sido tomada por alguém com tantos anos de carreira.
O que mais me espantou quando vi a mensagem do Aquiles não foi o teor da mesma e nem mesmo o fato de que Rafael respondeu (você pode ler ambas as mensagens aqui), mas sim pensar o que leva um músico de fama internacional a postar uma mensagem no Facebook cobrando dívidas trabalhistas. Afinal de contas, Aquiles é um profissional experiente o bastante para saber que esse tipo de problema se resolve na frente de um juiz, não de um computador.
TRABALHO, TRABALHO, TRABALHO
Essa mensagem me lembrou um outro acontecimento recente, de uma outra banda da “família estendida” do Angra, quando o baterista Marcelo Moreira saiu do Almah. O músico fez um pronunciamento extremamente infeliz, ignorando que uma banda não se mantém com cerveja, mas com profissionalismo. Naquele momento, eu pensei que fosse uma atitude isolada e inclusive me abstive de escrever qualquer coisa a respeito, mas agora vejo que o tema merece atenção.
Existe uma grande diferença entre a vida pessoal e a vida profissional de alguém, e o maior erro de qualquer trabalhador é misturar essas duas esferas. Eu me sinto desconfortável de estar falando algo tão óbvio, mas a impressão que eu tenho é a de que poucas pessoas realmente entendem o quanto esses dois mundos são divergentes.
Uma relação profissional exige desprendimento pessoal. Todo mundo tem colegas de trabalho dos quais não gosta, mas é senso comum que durante o expediente as desavenças pessoais devem ficar de lado em prol da produtividade. Isso se deve, afinal, ao fato de que você não está lá como pessoa, mas como parte de uma máquina que deve funcionar, e a pessoalidade mais atrapalha do que ajuda, na maioria dos casos.
O Angra, todo mundo sabe, não é uma banda de garagem. Ela não é composta por amigos que tocam no fim de semana, ganham um dinheiro e saem para beber. Acima de tudo, o Angra é uma empresa, com CNPJ, bens próprios e contratos firmados. Quando o Aquiles entrou para a banda, ele não estava indo tocar com os amigos, mas sim entrando em uma empresa, e é claro que ali havia uma relação profissional – que perdura até hoje, visto que os royalties ainda fazem este vínculo profissional se manter.
Soa simplesmente absurdo para mim pensar que um profissional respeitado como o Aquiles tomou uma atitude como essa. Ir ao Facebook, uma plataforma essencialmente pessoalista, reclamar dividendos trabalhistas não é apenas errado, mas principalmente antiético. É tentar transformar uma relação profissional em uma briga de bar, como se isso fosse resolver os problemas de uma maneira mais fácil.
PROFISSIONALISMO X AMADORISMO
É bastante frustrante ver que algo tão basilar quanto profissionalismo tenha que ser defendido, como se não fosse claro que esse é o caminho para a cena se desenvolver. Se ainda hoje nós vemos shows com estrutura precária e com desrespeitos constantes, isso acontece porque há quem trate a cena da música pesada como se não fosse um ambiente de trabalho.
O mais surpreendente, contudo, foi ver o Aquiles fazer isso. Quando o Hangar ainda não estava na incerteza atual, um dos grandes orgulhos dos membros era a banda ser autossuficiente e possuir o seu próprio ônibus e equipamento de turnê. Além disso, quando o fiasco do Metal Open Air aconteceu, a banda foi a primeira a condenar abertamente os equívocos dos organizadores, e Aquiles foi um dos porta-vozes de todos os problemas do festival.
Só esses fatos descritos acima já seriam o bastante para mostrar que o baterista sabe o que é ter uma atitude profissional, então me espanta ver uma atitude tão destoante de todas as que ele tomou ao longo da carreira. Não questiono que Aquiles deva defender seus direitos, mas é muito claro para mim que há maneiras melhores de fazê-lo.
Para dar um exemplo, eu cito aqui o Andre Matos. Um tempo atrás, em uma entrevista, ele disse estar com os mesmos problemas de royalties, mas também disse estar tentando resolvê-los pela via legal. Alguém pode argumentar que falar disso em uma entrevista também é tornar público o assunto, e eu concordo, mas ainda assim é uma atitude bem mais coerente do que expor o tema em uma publicação no Facebook.
REIVINDICAÇÕES CERTAS FEITAS DA MANEIRA ERRADA
Eu sei que deve ter gente pensando que eu estou defendendo o Rafael ou que trabalho para a banda, o que não é nem um pouco verdade. Eu não tenho nenhum vínculo profissional com o Angra ou com o Rafael e nunca recebi nada da banda. Pelo contrário, não só não defendo a banda como sou a favor de que as medidas cabíveis sejam tomadas pelo Aquiles para resolver o problema em questão.
Contudo, vejo que o pior de todo esse imbróglio foi mesmo ver um baterista de tanta expressão como o Aquiles ter uma atitude equivocada como essa. Agir da maneira como ele agiu apenas justifica o amadorismo que tanto atrapalha a cena metálica, e um profissional de primeiro escalão como Aquiles Priester não deveria dar motivos para que isso se mantenha.
Sabendo que tanto o Aquiles quanto o Andre disseram ter tido o mesmo problema, eu acredito que ele seja realmente verdadeiro e espero que seja resolvido o mais rápido possível. O Angra não pagar o que deve é tão prejudicial para a cena quanto a atitude do Aquiles, mas uma coisa não justifica a outra. Por ora, só nos resta esquecer esse momento de vergonha e esperar que os profissionais da cena voltem a agir com o devido profissionalismo.