Se você tirar a parte “video” de videogame, o que sobra? Muita coisa! Áudio, gameplay, história, mecânicas. The Vale: Shadow of the Crown não é o primeiro audiogame. Porém, até onde sei, é o primeiro que é lançado para consoles. E, no caso, isso aconteceu porque a Microsoft vem investindo muito em acessibilidade, e abriu caminhos para isso rolar. O que posso dizer é que esta foi minha primeira experiência com um jogo completo assim. Antes tinha apenas jogado aquela fase secreta do Limbo, que é excelente, mas é só um curto e opcional pedaço do jogo. Assim, é com muito prazer e carinho que inicio minha análise The Vale: Shadow of the Crown.

ANÁLISE THE VALE: SHADOW OF THE CROWN

Em The Vale: Shadow of the Crown você controla uma princesa cega. Mas o mais importante é que o jogo é todo construído de forma a não depender de imagens. Os menus são todos narrados, e durante todo o gameplay, o que você verá na TV é isso.

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Pontinhos.

Os pontinhos mudam de cor de acordo com o contexto da história e são animados para ajudar aqueles que enxergam a saber que estão se movendo e em qual direção. Porém, isso não muda o fato de que The Vale foi intencionalmente criado para ser jogado apenas através do som. Ou seja, dá para colocar um fone de ouvido e literalmente desligar a TV.

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Quando chove na história, os pontinhos viram tracinhos e ficam azuis, mas não espere gráficos.

MAS COMO É THE VALE: SHADOW OF THE CROWN?

Segundo a assessoria de imprensa, é um RPG completo, com decisões e estatísticas. Eu diria que isso é um exagero, provavelmente porque hoje em dia todo mundo fala que seu jogo é um RPG. Sim, essas coisas estão no jogo, mas ele não é especialmente complexo. Eu o classificaria mais como um hack and slash, pois há um grande foco no combate.

Boa parte do seu tempo com o jogo envolverá ficar parado ouvindo os personagens falando. Lembrou-me da época de outrora, quando tinha programas de histórias fictícias no rádio (o excelente O Guia do Mochileiro das Galáxias surgiu assim antes de virar livro, série e filme). Ou, sei lá, vocês que são jovens, talvez chamem isso de podcast. As atuações são ótimas e o design de som, mesmo nesses trechos sem gameplay, são excelentes.

A história é a aventura de uma princesa cuja comitiva foi atacada, e agora ela conta com a ajuda de um pastor para guiá-la de volta ao seu castelo. É simples, mas é muito bem escrito e atuado, com ótimos e carismáticos personagens.

GAMEPLAY

Quando você está controlando a princesa, em geral você precisa seguir sons. Um dos personagens pode comentar algo como “nosso destino fica na direção do rio”. E daí, claro, você deve andar na direção do rio. Até onde pude constatar, o som de The Vale é apenas stereo, o que é uma pena, já que ele brilharia em surround. Talvez tenha sido uma decisão consciente, para valorizar os sons que vêm da esquerda e da direita, tão importantes para o gameplay. Seja como for, fones de ouvido ajudam bastante a localizar os sons. Jogando com meu sistema de som normal eu tive bastante dificuldade em encontrar coisas que exigiam maior exatidão (malditas colmeias!). Mas com fone ficou bem tranquilo.

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O mapa e a tela título são as únicas ilustrações de The Vale. Mas o mapa não serve para navegar, apenas para mostrar quantas cidades ainda tem na sua viagem.

A maior parte do jogo acontece quando os personagens param em cidades. Aí você começa a ouvir um monte de sons. Música, pessoas conversando, vendedores anunciando seus produtos. Cada um desses sons representa um ou mais objetivos. Andar até eles inicia uma conversa, que pode te passar uma sidequest, uma informação que permita prosseguir a viagem ou simplesmente um colóquio informal.

Você pode recusar os sidequests, mas o jogo nem sempre deixa claro qual deles permite avançar a história. Porém, eu sempre tive opção de avançar bem antes de “limpar o mapa”. Aceitar um sidequest o inicia imediatamente e cada um deles é uma história extra. Ao terminar, você ganha dinheiro e volta para a cidade.

COMBATE

O grosso do gameplay envolve combate. E este talvez seja o aspecto que mais me impressionou. Ao iniciar porrada, você fica parado. Seus inimigos podem te atacar da direita, esquerda ou da frente. A alavanca esquerda levanta o escudo na direção desejada, e a direita ataca. A pegada é você ouvir gemidos, grunhidos ou simplesmente o tilintar das armaduras para saber onde estão os inimigos e quando eles vão atacar. Parece complicado, mas é muito mais intuitivo do que eu esperava. E funciona que é uma beleza.

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As estatísticas de uma armadura. Você pode ler sozinho ou movimentar o cursor para o jogo ler cada linha para você.

Agora eu devo dizer que fiquei com bastante receio antes de jogar. Eu sou um cara bem visual, então pensei que poderia não conseguir jogar apenas com áudio. Então escolhi jogar na menor dificuldade e, depois de terminar, penso que poderia ter aumentado (dá para trocar a dificuldade quando quiser, então recomendo começar no normal e ajustar no meio do jogo).

No easy, eu não perdi nenhuma luta. Fiquei até em dúvida se é possível perder no fácil, porque eu apanhei bastante. Mesmo sem ter medo de falhar, eu curti o combate. Os efeitos sonoros e gemidos fazem com que cada golpe pareça impactante, além de ser facilmente perceptível quando um golpe é bloqueado ou uma guarda é quebrada. Perto do final do jogo, eu estava atacando para um lado e defendendo do outro como um cego profissional.

ANÁLISE THE VALE E O FOGO

Há também uma boa variedade de inimigos, cada um com sons e formas de ataques diferentes. Lutar contra um fantasma é bem mais difícil do que contra um brucutu grandalhão, por exemplo.

E veja só, tem até magia, mas este é o aspecto menos desenvolvido. A magia permite fazer sua arma ou escudo pegar fogo, mas para poder ativar, você precisa acertar uma boa quantidade de ataques e defesas. Então só dá para ativar nas batalhas mais estendidas. E, até onde pude perceber, The Vale não dá nenhuma sinalização de quando a magia está pronta. Você tem que apertar os gatilhos e descobrir na raça, o que não é muito estratégico.

ANÁLISE THE VALE E O RECEIO DE JOGAR

Abrindo o jogo com você, eu ficaria com muito receio de comprar The Vale. Estava extremamente curioso com ele, mas tinha uma sincera insegurança se seria capaz de jogar e curtir sem auxílios visuais.

Depois de fazer toda a campanha (que deve durar cerca de oito horas para fazer tudo), eu digo sem receio algum: jogue! É uma experiência única. Experimental, sim, mas também muito divertida. É um jogo realmente completo, um videogame que corta o vídeo, e vira apenas “game”.

Mas cuidado: The Vale: Shadow of the Crown é absolutamente injogável se você não for capaz de entender inglês perfeitamente (esquema listening de aula de inglês, sabe?). Todos os objetivos são passados por vozes em inglês, o jogo não tem legendas e nem nenhuma outra opção de idioma. É um descuido bem grande para uma obra tão focada em acessibilidade, mas é o que é. Então eu recomendo The Vale com força, mas só se você tiver segurança no seu inglês.