Souldiers tem um potencial tão absurdo que é extremamente decepcionante que não seja alcançado. Nessa análise Souldiers, vou elaborar tudo que tem de bom e de ruim neste que é um dos metroidvanias mais belos desde Ori e Bloodstained. Então pegue seus estus flask e me acompanhe até o altar para salvar nosso papo.
ANÁLISE SOULDIERS
Souldiers claramente quer ser considerado um soulslike, vide o próprio título. Porém, para mim ele é um metroidvania bem tradicional. Semelhante, até, ao clássico Symphony of the Night. Da série souls, tem a dificuldade absurdamente alta, mas convenhamos, a From não tem o monopólio dos games difíceis. E as outras coisas de Souldiers que são bastiões do gênero, como os saves em altares, já existiam até mesmo em Super Metroid.
Souldiers faz muita coisa MUITO certo. Porém, faz também muita coisa errada. E a performance e problemas técnicos são tão frequentes que levam o jogador pensar a todo momento se “estou mesmo empacado ou o jogo deu pau?”.
SOULDIERS É MUITO BOM
Temos aqui um dos jogos 2D mais bonitos que eu já vi. É comum os games pixelados seguirem a estética do que era possível no Nintendinho. Mas Souldiers vai muito além disso. Se uma comparação é necessária, eu o colocaria ao lado dos lindos games 2D de 32-bit, como o próprio Symphony of the Night. Porém, ele traz vários “truquinhos” espertos que dão a ele uma cara mais moderna, e que não seria possível reproduzir em um PS1 ou Saturn.
Há iluminações elaboradas, uma enorme quantidade de detalhes e mesmo uma animação caprichada, que dá uma cara de “desenho animado pixelado” ao game. Ao longo dessa análise, eu vou tentar mostrar em imagens quão lindo Souldiers é, mas é o tipo de coisa que só fica claro realmente quando você o vê rodando.
Acrescente a este visual impressionante uma linda e empolgante trilha sonora e você tem o metroidvania 2D com o maior impacto audiovisual em anos. Digno de, veja só, Symphony of the Night (a insistência em comparar com esse clássico não é por acaso).
ANÁLISE SOULDIERS: GAMEPLAY E EXPLORAÇÃO
Souldiers permite a escolha de três classes: guerreiro, arqueiro e mago. Eu escolhi o mago, e gostei muito do gameplay. Ele é capaz de atacar à distância, usar magias bacanas e tem até um ataque poderosíssimo com cooldown. Não experimentei as outras classes para dizer se o mago é a melhor, mas posso dizer que sem dúvida é muito divertida.
O combate envolve brincar com a vulnerabilidade a elementos. Você vai destravando novos danos elementais, como fogo, areia e eletricidade ao longo da campanha. E os inimigos costumam ser vulneráveis a um deles e resistentes a outros. Alguns bandidões chegam a recuperar vida se atacados com elementos específicos. Isso envolve um tanto de tentativa e erro. Ao encontrar um inimigo pela primeira vez, você vai atacá-lo de todas as formas possíveis para descobrir qual é o número mais alto que sai voando. E depois de determinar isso, é necessário lembrar a vulnerabilidade de cada meliante e atacá-los de acordo. Dá trabalho, mas Souldiers se orgulha do seu lado de RPG.
O VANIA DO METROIDVANIA
Ainda nesse aspecto, você pode upar suas armas e proteção, subir de nível e até usar equipamentos com habilidades passivas específicas (tipo ganhar mais dinheiro ou ver a vida dos inimigos). Particularmente, eu prefiro o jeito mais direto de um Metroid ao RPG cheio de estatísticas de um Vania, mas a influência aqui é clara, e Souldiers fez direitinho sua lição de casa para ser um bom RPG. Há profundidade, mas nunca chega a ser chato ou trabalhoso demais.
Uma curiosidade que fica um pouco chata é que as poções de cura não se recuperam automaticamente nos altares. Você precisa comprá-las. Como o dinheiro também é usado para melhorar suas armas ou aumentar a quantidade de poções que podem ser carregadas, cada vez que você precisa comprar novas poções, está abrindo mão de upgrades vitais. E isso é chato porque eu precisava comprar três poções (o máximo que podia carregar) cada vez que encontrava um save.
SOULDIERS TAMBÉM É MUITO RUIM
E daí chegamos ao lado negativo, que simplesmente não dá para evitar. Ao contrário da maioria dos jogos 2D, Souldiers tem versões nativas para PS5 e Xbox Series (eu joguei em um Series X). Porém, isso acaba jogando mais contra ele do que a favor. Eu não sei como é a performance nos consoles da geração passada (há versão até para Switch), mas a performance no Xbox Series X é, com perdão da sinceridade, um lixo.
Esta geração mostrou que, com SSDs, é possível carregar games altamente elaborados e técnicos, como Ratchet e Clank, quase instantaneamente. Games 2D pixelados nunca precisaram de loadings longos, então é de se deduzir que Souldiers carregaria instantaneamente, certo?
Pois prepare-se para telas de carregamento que vão de 30 a 60 segundos toda vez que você morre ou se teleporta. Isso mesmo usando a versão nativa de Xbox Series instalada internamente no SSD do console. É sinceramente difícil de entender o que tanto ele carrega, considerando que o jogo em si é bem pequeno. E, como se trata de um game muito difícil, em que você morre rápido e repetidas vezes, fica bem frustrante esperar tanto com tanta frequência. Especialmente quando você só precisa reiniciar a batalha contra um de seus muitos chefes.
ANÁLISE SOULDIERS E A TAXA DE QUADROS
Outro problema técnico frequente e irritante é a taxa de quadros absurdamente instável. toda vez que você salva ou há um checkpoint, o framerate fica errático por cerca de 10 segundos. Souldiers literalmente trava algumas vezes nesse intervalo, fazendo com que o melhor a se fazer seja simplesmente parar de jogar enquanto ele salva.
Infelizmente, essa taxa de quadros teimosa não é exclusividade de saves. Mesmo em combate a performance é muito ruim. Em especial, quando você está batendo furiosamente em um chefe, e tem um monte de números de danos subindo, os números de framerate descem tão furiosamente quanto.
Nestes momentos, Souldiers começa a rodar literalmente em câmera lenta. E, considerando quão implacáveis são seus chefes e quão vulnerável é seu personagem, qualquer mudança de velocidade costuma ser fatal. Entra tela de carregamento de 45 segundos para tentar de novo.
ESTADO TÉCNICO CRU
A crueza técnica de Souldiers como programa/game/app é tão grande e incômoda, que eu sinceramente não sabia quando algo estava acontecendo conforme o previsto ou não. Por exemplo, em um enorme ato de inovação, Souldiers traz três opções de dificuldade e permite alternar entre elas livremente. Eu comecei no médio e, quando a coisa passou a ficar difícil demais – e os carregamentos longos e frequentes encheram o saco – mudei para o fácil. Porém, eu sinceramente não vi diferença nenhuma. Soudiers continuou difícil como o inferno.
Apesar de a descrição do modo fácil dizer algo tipo “para quem quer explorar sem se preocupar com o combate”, a dificuldade do game neste modo é semelhante à de Cuphead. E não escolhi esse jogo à toa: os chefes de Souldiers são muito parecidos com os de Cuphead, com padrões de ataque complexos que precisam ser aprendidos e desviados, pois não dá para vencê-los apenas na força bruta.
CASCUDO
Mesmo os inimigos normais das fases são bem cascudos. E o pior é que todos os mais cascudos têm poder de teleporte e te seguem para sempre. Ou seja, dá para evitar combate contra os mais fáceis, mas quando aparece um grandão, você PRECISA lutar ou ele te segue até te matar. Some a isso saves incrivelmente distantes e checkpoints inconstantes (às vezes tem dois no mesmo corredor, ou fica um pedação sem nenhum) e você pode perder mais de 30 minutos de progresso se a sua filha vier te dar um beijinho (aconteceu comigo!).
Souldiers, no modo fácil, é sinceramente muito difícil e punitivo para uma aventura descrita como ideal para quem quer “explorar sem se preocupar com o combate”. O que me faz pensar se ela foi realmente tunada dessa forma, ou se a seleção de dificuldade simplesmente não está funcionando neste período de review. Dado o estado técnico de Souldiers, aposto nesse último.
ANÁLISE SOULDIERS: CRUEZA X TRUEZA
Daí some tudo isso a um level design que é bacana, mas incrivelmente complexo. Como na maioria dos metroidvanias, há dungeons aqui. E esses dungeons são absurdamente longos e complicados.
Eu joguei Souldiers por 15 horas e encontrei apenas três dungeons. A porcentagem que ele diz estar completa é de menos de 30%. E eu literalmente passei cinco horas ou mais dentro da pirâmide da imagem acima. Acho que acaba sendo aquela coisa: quando um jogo independente tem gráficos muito elaborados, ele exige que você fique muito tempo em cada cenário para justificar o trabalho. E é por aí. A pirâmide, em especial, parecia não acabar nunca, com uma grande quantidade de upgrades e um milhão de chefes diferentes.
Quando a venci, já estava de saco cheio, pensando que o jogo poderia acabar ali. Não demorou para eu entrar no terceiro dungeon, uma fortaleza voadora.
ANÁLISE SOULDIERS E A FORTALEZA VOADORA
Sabe o que acontece quando você junta um level design altamente complexo com um jogo tecnicamente quebrado? Você pode travar e ficar sem saber se o jogo deu pau ou se você que não achou o caminho. Foi o que aconteceu comigo. Eu solucionei um puzzle que pensei que abriria essa porta.
Mas ela não abriu. Isso vem pouco depois de adquirir a habilidade de dash aéreo. Eu não encontrei nada nos arredores que abrisse a porta. Tentei explorar todo o dungeon para ver se havia áreas acessíveis com minha nova habilidade. Não encontrei nenhum outro caminho que levasse a progredir a missão. Salvei e esperei uns dias, para esfriar a cabeça. Voltei e explorei tudo de novo. Sem saída.
É BUG OU É FEATURE?
O jogo deu pau? Algo que deveria ter aparecido não apareceu? Ou eu simplesmente não achei o caminho? Isso é um inconveniente que pode acontecer quando se está jogando algo antes do lançamento, já que não existem guias antes do embargo, que venceu hoje. Mas dado o estado técnico de Souldiers, tenho a sincera sensação de que o robozinho que deveria abrir essa porta (veja o console atrás do meu personagem) não apareceu quando deveria, e o game salvou em cima desse estado quebrado.
É curioso que, em um jogo tão absurdamente difícil, eu não tenha sido impedido de terminar por um chefe pentelho, mas por literalmente não achar o caminho. E de fato pode ser uma falha minha. Talvez o jeito de prosseguir seja óbvio, mas só vou conseguir saber isso se alguém fizer um guia para esse dungeon (o que nunca é garantido para games desse porte). Infelizmente, eu gastei várias horas tentando achar o caminho, e a falta de progresso me obrigou a encerrar minha aventura por ali mesmo. Até porque o review guide enviado pela editora diz que, quando o jogo for atualizado para o lançamento, meu save pode sumir. E sem chance de jogar mais 15 horas para chegar aí de novo.
ANÁLISE SOULDIERS VALE A PENA?
Essa é uma pergunta difícil de responder. Temos aqui o esqueleto de um game que poderia merecer o Selo Delfiano Supremo. Se funcionar direito, com boa performance, a base do que temos aqui pode agradar tanto os fãs de metroidvania quando os de um Hollow Knight.
Infelizmente, não é o caso. Pelo menos não ainda. Souldiers fica extremamente frustrante e seu estado técnico é tão cru que não dá para saber o que é pau e o que deveria ser assim (como a dificuldade que “não mudou” ou a porta que não abriu). Pode muito bem ser resolvido com updates, mas esta foi a versão que joguei. E simplesmente não vou ter possibilidade de ficar voltando a ele no futuro e testando novamente para ver se melhorou.
Neste ponto, ele lembra Control, que rodava muito mal no Xbox One X e que só ficou aceitável mesmo quando saiu para PS5. Porém, embora seja lindo, Souldiers não parece ser mais pesado do que o Xbox Series X é capaz de aguentar, o que me faz deduzir que há aqui um problema de otimização e correção de bugs. E é uma pena, pois o esqueleto do game é excelente. Só precisava ter sido terminado antes de ser lançado.