Kratos, o vilão e protagonista de God of War, agora é pai. Pois é, ele é pai desde que a gente o conhece, mas ele matou a filha anterior antes dos jogos começarem. Atreus, o pimpolho da vez, é a nova família do Fantasma de Esparta, e a história deste God of War 2018 começa assim que sua mãe morre.

Acontece que a senhora Kratos era uma pessoa que não gostava de dar muito trabalho. Assim, solicitou à sua família para que, quando ela morresse, simplesmente espalhassem suas cinzas no topo da montanha mais alta. Fácil, fácil. Esta jornada é o mote da história do God of War de PS4. E ela vai obrigar Kratos e Atreus a passarem mais tempo juntos, e desenvolverem uma relação que não tinham até o momento.

God of War, Delfos
Quando é uma boa hora de contar que o papai é um louco genocida?

A divulgação de God of War gerou muitas comparações com The Last of Us. Tendo a obra final em mãos, vemos que é uma comparação muito justa. Atreus lembra muito – muito mesmo – a Ellie. E não apenas na personalidade, mas mesmo seu arco dramático segue à risca pontos abordados no jogo da Naughty Dog.

O Atreus, assim como a Ellie, é um personagem legal. Ao contrário da Ellie, no entanto, em determinado ponto da história ele vai se tornar tão insuportável quanto seu pai era em God of War III. É estranho ver que a Santa Monica caiu de novo na mesma armadilha, ainda que tenha seus motivos narrativos para isso.

No final das contas, a história em si não é o forte de God of War, mas a relação entre os personagens, que é o verdadeiro foco da coisa toda, funciona bem. E tem um charme especialmente especial na forma como ela é contada.

PLANO SEQUÊNCIA

Da tela de abertura ao final da campanha, o jogo todo é uma tomada só. Ou quase. A exceção mais comum é quando você usa fast travel, pois a tela fica totalmente branca por uns dois segundos (isso acontece também em alguns pontos narrativos). É uma única mancha em uma narrativa quase perfeita, e parece que seria mais simples resolver isso (afinal, Kratos passa por uma porta quando se teleporta) do que várias outras coisas que eles de fato fizeram.

Por exemplo, pouco depois de começar a campanha você vai encarar um chefe. Ele não é grande como é tradicional nas introduções da série, mas a luta é realmente especial.

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Eu também queria que você fosse maior.

Acontece que ela é totalmente roteirizada, e não me refiro apenas a diálogos. Embora você controle Kratos quase o tempo todo, muita coisa impressionante acontece nela. O cenário é destruído. A luta muda de lugar várias vezes. Se você gosta de narrativa, e de botar reparo na direção dela, é impossível não se impressionar. Deve ter sido uma das cenas mais caras e complicadas de se fazer em toda a série. Sem exagero, é o tipo de cena que deveria ser estudada em faculdades de cinema e comunicação.

Depois disso, a coisa dá uma boa acalmada. O jogo inteiro é em plano-sequência, então você está sempre acompanhando Kratos, e só vê os antagonistas quando o personagem os vê. Porém, o virtuosismo cinematográfico da abertura é algo que só está mesmo na abertura, ainda que haja outros momentos bem estilosos mais para frente, especialmente na última hora da campanha.

UM NOVO KRATOS PARA UMA NOVA MITOLOGIA

Depois de destruir a Grécia, Kratos foge para a Escandinávia e passa a viver em isolamento, tentando esquecer seu passado. Esta foi a desculpa para repaginarem totalmente o jogo – e não me refiro apenas à gloriosa barba do protagonista.

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Isso é Esparta!

A nova arma de Kratos é o Leviathan Axe, um machado mágico. Eu já falei aqui o quanto achava que um machado não seria tão legal quanto as Blades of Chaos. De fato, ele é sim, mais comum. O combate agora é um corpo a corpo mais próximo, não tão diferente de outros hack and slashes. A boa notícia é que usar o machado também é muito legal.

Claramente o pessoal da Santa Monica Studio pensou com muito carinho no combate e fez algo bastante desenvolvido. Embora os ataques agora estejam mapeados no R1 e R2, assim como em Dark Souls, em mais nada a ação se iguala aos jogos da From Software. Em God of War a coisa é bem mais rápida e mais visceral.

O ataque forte (R2), por exemplo, faz alguns inimigos saírem do chão, deixando-os vulneráveis para novos ataques. Isso fez com que o combo R2 seguido de vários R1 se tornasse meu preferido. Mas a coisa é bem mais desenvolvida do que isso.

BEM MAIS DESENVOLVIDA DO QUE ISSO

Você pode arremessar seu machado também, e isso é muito mais legal do que parece, e abre novas possibilidades de combate. Quando está sem o machado (ou com ele guardado), Kratos ataca com socos e chutes. Estes golpes, embora sejam mais fracos do que os cortantes, enchem bastante a barra de tontura dos desafetos. E quando ela está cheia, você pode agarrá-los, o que causa um fatality instantâneo nos mais fracos ou uma sequência de poderosos ataques nos mais fortes.

Para deixar tudo ainda mais legal, jogar o machado com o ataque forte congela o destinatário. Assim, você pode congelar um maledeto e socá-lo como se estivesse batendo carne, ou simplesmente imobilizá-lo enquanto cuida de outro amiguinho.

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Soc! Tum! Pow!

A qualquer momento, você pode chamar seu machado de volta apertando triângulo. Se ele estiver devidamente encaixado em um monstrinho, faz ainda mais dano na saída, além de machucar qualquer um que esteja no caminho. É bem diferente das blades of chaos, mas é muito bacana, e eu diria que até mais complexo, se não necessariamente mais legal.

E ainda tem o Atreus. O quadrado é o “botão do Atreus”, e apertá-lo durante o combate faz com que o moleque atire flechas. As flechas não são exatamente poderosas, mas derrubam inimigos que voam, eliminam campos de força e, especialmente, deixam os inimigos tontos rapidinho. Usar o pimpolho sem parcimônia é algo bastante importante nas lutas mais cabeludas.

E OS CHEFES, CARA?

Já falamos sobre o chefe da abertura, mas devo dizer que este é um ponto em que God of War deixa a dever. Há uma boa quantidade de lutas contra trolls. Cada um tem um nome diferente, e acho que a Santa Monica gostaria que você os considerasse chefes, mas é basicamente a mesma luta com skins diferentes. No final das contas, acaba sendo apenas um inimigo maior e mais forte do que os normais, como acontecia com os ciclopes quando a série estava na Grécia.

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O primeiro Troll que você vai encontrar. Primeiro de muitos.

Tirando os trolls, há poucos chefes. E os que estão aqui são distantes e em escala muito menor do que eu gostaria. Muito pouco para uma série que ficou famosa por seus chefes enormes (e embora eu considere o terceiro jogo uma decepção, aquela luta com o Cronos foi o único ponto em que o episódio realmente atingiu seu potencial).

Não me entenda mal, os chefes são legais. São apenas poucos e pequenos. Aquele primeiro, cuja luta é tão impressionante, é até menor do que o Kratos. Lembra aquele vídeo da E3, no qual aparece a serpente gigante, e todo mundo achava que seria um chefe, e daí a viradinha é que ela era amiguinha? Isso foi legal na viradinha de um vídeo de divulgação, mas fica decepcionante quando todo bicho grande que você encontra é bonzinho.

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A serpente é um personagem importantíssimo no jogo.

Isso em parte é até bem-vindo. Em todos os jogos anteriores, Kratos era um genocida que matava todo mundo que encontrasse, mesmo quem estava praticamente indefeso (lembra do Ícaro?). O personagem precisava de novas cores, algo que fosse além da raiva e do genocídio. Então é legal que você encontre personagens que te ajudam e que você ajuda ao longo do jogo. Mas isso e os chefes não são coisas excludentes, e sinto falta de batalhas como o Colosso de Rodes, a Hidra, o Kraken, Poseidon e, claro, o Cronos.

NOVAS CORES PARA UM PERSONAGEM MONOCROMÁTICO

Kratos era totalmente apoiado em sua raiva. Isso funcionou bem no primeiro jogo, onde ele tinha uma história dramática mais relacionável. Depois disso, a partir de God of War II, quando o foco passou a ser na vingança contra Zeus, ele se tornou basicamente uma criança mimada e teimosa, que percebe que está fazendo besteira, mas não para.

Eu diria que este tratamento que deram ao protagonista foi o principal motivo para todo mundo achar que a série não tinha mais para onde ir, a não ser que mudasse completamente. Bom, o novo Kratos é aquela criança mimada depois que parou de fazer besteira e está tentando esquecer o que fez. Assim, ele foi de uma nota (raiva) para outra nota (arrependimento).

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Eu juro que não fui eu.
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Christopher Judge, o novo Kratos.

Isso foi refletido na mudança de ator. Sai Terrence C. Carson, que foi Kratos em todas suas aparições anteriores, e entra Christopher Judge.

Kratos está longe de ser um personagem desafiador – e eu nunca sou a favor de mudar um ator no meio de uma série – mas Judge faz um excelente trabalho.

Kratos de Carson praticamente apenas gritava. O de Judge quase só sussurra. Dá para perceber o quanto ele tenta engolir a raiva que o consumiu nos jogos anteriores, e a voz do novo ator é bastante parecida com o original. A ponto de, se você não sabe que mudou, talvez até ache que é a mesma pessoa.

UM KRATOS CONTIDO

Esta contenção da raiva foi refletida bastante no jogo. Não espere mais execuções como aquelas nas quais o espartano cortava alguém da cabeça à barriga e o presunto ficava em formato de Y balançando as pontas.

Ainda tem alguma violência. Talvez você considere muita. Mas é fato que o novo God of War, assim como o novo Kratos, é bem mais contido neste aspecto. Um bom exemplo é uma cena em que o personagem vai arrancar uma cabeça. Quando ele fez isso com Helios, vimos em primeiro plano a pele do pescoço do deus se rasgando. Agora isso é feito fora do quadro. Você vê a arma se aproximando e daí a câmera foca em algum ponto genérico do cenário. O novo God of War tem a mesma vergonha da sua violência que os anteriores tinham de suas cenas de sexo. E o sexo, aliás, foi totalmente eliminado. Afinal, seria estranho Kratos mandar o Atreus esperar no canto enquanto ele come algumas moças.

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Felizmente, os mamilos do Kratos continuam sendo exibidos em toda sua glória.

METROIDVANIA OU MUNDO ABERTO?

Esta é uma dúvida que o próprio jogo não responde. A influência de Darksiders é clara (curioso, uma vez que Darksiders foi influenciado por God of War). Como já falei neste preview, a maior parte do seu caminho é linear. Porém, assim como em metroidvanias, é comum você encontrar portas e baús que não consegue abrir com suas habilidades atuais. Você vai passar várias vezes em algumas dessas áreas, então vale a pena reexplorar algo que já explorou para achar novos mimos.

No entanto, há o Lago dos Nove, a área central e a parte realmente aberta do jogo. Trata-se de um lago, com várias ilhas. Você pode usar um barquinho para explorá-las e realizar sidemissions nos arredores. Estas sidemissions, ou favores, vão do pentelho “visite três ilhas para pegar itens e volte aqui” ao muito bom “explore aquele dungeon e me traga o que encontrar no final dele”. O funcionamento é bem semelhante àquela parte aberta de Uncharted: The Lost Legacy.

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Família que usa os músculos unida, permanece unida.

Este é meu principal problema com God of War. Embora você passe pelo Lago dos Nove muitas vezes durante o jogo, tem dois pontos da história em que novos locais estão disponíveis para explorar (quando você encontra o lago e outra vez mais para frente). O problema é que em cada uma dessas duas vezes, há muita coisa para explorar.

Eu acharia legal se, cada vez que passasse por ali, tivesse uma ou duas novas ilhas para explorar. Ao invés disso, o jogo concentrou dezenas de ilhas em dois momentos da história. Isso fez com que, quando eu chegasse nestes pontos, passasse uma tarde inteira com a história em standby enquanto ficava caçando tesouros. A diversão que viria com uma distração se tornou frustração pelo fato de que ela não acabava nunca.

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Eu coloquei a câmera nessa posição para ver se tinham colocado pelos no nariz do gigante. E colocaram!

Claro, é tudo opcional. Você pode jogar God of War como um jogo 100% linear (o Atreus te avisa quando você pode explorar ou seguir com a história) ou mesmo explorar até encher o saco e deixar o resto para depois. Mesmo jogando apenas a história, ele ainda é mais longo do que os anteriores. Mas eu, como um orgulhoso portador de TOC, não consigo jogar assim. Penso que se o timing fosse melhor e eles espaçassem as ilhas ao longo da campanha inteira e não concentrando tudo em dois pontos, o jogo ganharia bastante e provavelmente receberia cinco Alfredos.

RPG

Você acaba sendo bastante incentivado a explorar pelo fato de que o jogo é agora um RPG. Já expliquei bem como este aspecto funciona neste texto e ele é realmente light. Além disso, God of War faz um bom trabalho ao colocar inimigos próximos ao seu nível em seu caminho, com exceção de em alguns lugares em que ele claramente quer que você volte depois.

Há uma certa aleatoriedade no loot, no entanto, e isso nunca é bom.

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Eu fico meio tenso só de ler “chance de dropar”.

Felizmente, não há um número incontável de sidemissions. Há, no entanto, vários desafios opcionais, semelhantes aos kill with skill de Bulletstorm. São coisas como “prenda 20 inimigos na parede com seu machado”, que dão XP ao serem completadas. Também tem alguns objetivos à parte, como entrar em todas as câmaras secretas de Odin. Finalmente, você pode visitar dois outros reinos opcionais, mas eles são decepcionantes. Eu esperava dungeons bacanas em novos cenários, mas ao invés disso eles são uma arena com desafios arbitrários (tipo mate três inimigos quase ao mesmo tempo) e uma área procedural onde você pode fazer grinding com limite de tempo para pegar itens que possibilitam fazer armaduras de nível alto.

Por fim, pela primeira vez na série, há colecionáveis que só existem para justificar troféus relacionados. No caso, o jogo quer que você mate algumas dezenas de corvos que ficam espalhados pelo mundo, o que não acrescenta absolutamente nada ao jogo a não ser um troféuzinho para aqueles mais compulsivos que cacem todos.

O MUNDO NÓRDICO

Este novo God of War me lembrou o que eu falei sobre Devil May Cry 3 neste texto. Ele tem, sem dúvidas, os melhores gráficos da série. O nível de detalhes é impressionante e o jogo roda no PS4 Pro a 4K checkerboard com suporte a HDR (há também um modo desempenho, mas ele fica bem abaixo dos 60 FPS, então eu quase não usei).

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Este desenho no vaso me parece familiar.

No entanto, seu cenário é bem menos interessante do que a civilização grega. Sabe aqueles momentos inesquecíveis como você correr em uma espada segurada por uma estátua gigante da Atena? Não tem coisas assim na Escandinávia. O cenário é bem mais natural, então espere passar bastante por florestas e cavernas, mais ou menos como em um Uncharted.

Aliás, se prepare para muita caverna. Uma das áreas lineares mais extensas do jogo é justamente em uma caverna, e você passa por ali duas vezes na campanha.

Felizmente, se os cenários não são tão interessantes quanto os da Grécia, o level design é tão impressionante quanto sua narrativa em plano sequência. Não teve nenhum momento do jogo em que eu não estava me divertindo. Não há inimigos chatos de combater. Não tem aqueles puzzles pentelhos onde você tem que empurrar caixas enquanto inimigos infinitos te atacam. Neste aspecto, o jogo é bom praticamente por inteiro, o que o torna o único jogo da série a receber esta almejada alcunha.

Também vale destacar a trilha sonora, uma vez que a série tinha algumas das músicas orquestradas mais marcantes dos games. Aqui ela não é ruim, mas é sutil. Basicamente, você vai terminar o jogo sem lembrar de nenhuma melodia. Não há aquelas músicas épicas sincronizadas com batalhas. Na maior parte do jogo você ouve apenas os barulhos da natureza e o Atreus falando (e como ele fala!). Músicas tocam de vez em quando, mas ficam bem mais no segundo plano do que os fãs estão acostumados.

GOD OF WAR NÓRDICO

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Nem sempre o Kratos está por cima.

God of War é um excelente recomeço para a série e fico feliz ao ver que sua história está retomando o caminho originalmente planejado. Há várias sementes aqui que indicam futuras divindades para o Kratos exterminar depois de acabar com os deuses nórdicos. Eles também fizeram um excelente trabalho em mostrar como Odin e Thor são verdadeiros canalhas, algo que não foi feito com o panteão grego. Eu diria que, agora, o futuro da série é o mais promissor desde o final de God of War II. Vamos torcer para que ela continue neste caminho, ao contrário do que rolou a partir de God of War III.

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