Ghost of Tsushima passou, nas minhas expectativas, de um exclusivo mais ou menos genérico, para um que aguardava ansiosamente. Tudo por causa de um trailer, mais especificamente de uma parte de um trailer: o duelo que acontece por volta dos sete minutos no vídeo abaixo. E agora chegou a hora da nossa análise Ghost of Tsushima.
ANÁLISE GHOST OF TSUSHIMA
Ghost of Tsushima traz algumas coisas que eu procuro nos games já há algum tempo. Em especial, um jogo com temática ninja/samurai de alto orçamento sem monstros. A temática “guerreiros orientais” é relativamente comum nos games, mas todos os seus representantes, como Nioh, Sekiro e até mesmo Ninja Gaiden, seguem caminhos fantásticos. E em todos eles, eu considero que os pontos mais altos são os combates contra personagens humanos. Ghost of Tsushima não traz monstros, demônios ou Yokai. Seus inimigos são sempre outros guerreiros, ou animais, como cachorros e ursos.
Outra coisa que ele faz bem é finalmente passar a sensação de que você é um samurai pintudo e habilidoso. Todos os jogos que citei acima são incrivelmente difíceis. Assim, seu personagem é sempre frágil e morre adoidado. Jin Sakai, o protagonista de Ghost of Tsushima é tão poderoso que é capaz de se curar não com poções ou curativos, mas com pura força de vontade. Obviamente, ela é limitada, como se fossem poções, mas o efeito, com ele batendo no peito e soltando uns gemidos viris, é muito metal!
Isso não significa que o jogo não seja desafiador. Especialmente no começo, você vai morrer bastante, mas, ao contrário dos supracitados, aqui você se torna MUITO mais poderoso ao longo da campanha. Em especial quando destravar as quatro posturas.
POSTURAS? TIPO NIOH?
É, mas não. Em Nioh, as três posturas são estratégicas, com diferentes forças e velocidades. Aqui, a coisa é um tanto mais mastigada. Cada postura serve para lutar contra armas específicas. Por exemplo, no começo do jogo, os inimigos com lanças estavam tocando o terror em mim. Depois de destravar a postura apropriada, no entanto, eles se tornaram o tipo de inimigo mais fácil do jogo.
O combate é, de longe, o mais legal de Ghost of Tsushima. As posturas funcionam bem, e as animações são lindas e impactantes. Ele traz um pouco de Sekiro, no sentido de que você precisa “quebrar a guarda” dos inimigos antes de machucá-los. Porém, isso é feito de forma mais acessível. Você pode defletir os ataques, como em Sekiro, ou quebrá-los com seus próprios ataques. Exige bem menos do jogador e, dessa forma, é mais eficiente em passar a sensação de ser um samurai habilidoso.
Tudo culmina nos duelos, que são os chefes do jogo. Estas são batalhas de um contra um, que normalmente acontecem em lugares lindos e inspiradores. Para falar a verdade, os chefes não são tão diferentes uns dos outros, mas mesmo assim cada um deles me empolgava e me deixava embasbacado com a beleza dos cenários.
A BELEZA DE TSUSHIMA
É curioso que Ghost of Tsushima tenha sido lançado logo depois de The Last of Us Part II. Em determinados aspectos, TLOUII parece um jogo da próxima geração, pois é de uma virtuosidade técnica absurda. Ghost of Tsushima é muito mais simples. Há muito clipping, com os braços, espadas e capas se atravessando a toda hora. A animação facial é muito menos elaborada. Para completar, a imensa maioria das cutscenes simplesmente mostram os dois bonecos um na frente do outro enquanto os atores falam seus diálogos, praticamente sem animação. Apenas os pontos mais importantes da história são realmente animados como as cutscenes de TLOUII.
Por outro lado, se deixa a dever no aspecto técnico, artisticamente Ghost of Tsushima é ridículo de tão lindo. Seus cenários são cheios de campos floridos cujas flores ocupam tudo que os olhos conseguem enxergar (ou que o PS4 consegue renderizar). As cores são vivas e saturadas. O pôr-do-sol, em especial, é tão laranja e tão forte que não parece com nada que vemos na realidade. E eu amei!
Como você já deve saber, Ghost of Tsushima traz um modo opcional chamado de “Kurosawa”, cuja intenção é fazer o jogo parecer um filme de Akira Kurosawa. Em outras palavras, ele deixa preto e branco, coloca um pouco de granulado na imagem, e diminui a fidelidade do áudio para que tudo pareça um filme antigo. É incrível para mim pensar, como alguém que cresceu nos anos 90, que hoje, para um jogo ter cara de cinema, a gente precisa diminuir a qualidade dele. Confira abaixo duas imagens com modo Kurosawa ligado e desligado.
Particularmente, o que eu considero o mais especial em Ghost of Tsushima é seu uso de cores. Então não vi benefícios em ativar o modo Kurosawa, e o fiz em alguns momentos apenas por curiosidade. Fico feliz que seja algo opcional, permitindo que os jogadores liguem e desliguem quando desejarem.
O MUNDO ABERTO DE TSUSHIMA
Outro diferencial que me animava é que, até onde eu sei, Ghost of Tsushima é o primeiro jogo de samurai em mundo aberto. Sekiro, por exemplo, é aberto, mas aberto como um metroidvania, não como um mundo aberto. Porém, este acaba sendo o principal ponto negativo do jogo.
As fases de história de Ghost of Tsushima são excelentes. A gente já viu muito jogo de tiro (tipo Call of Duty) em que você faz parte de um exército em uma grande batalha. Porém, eu particularmente nunca tinha visto isso em um jogo de samurai, que tradicionalmente opta pelo estilo lobo solitário. Em alguns momentos dessa campanha, você faz parte de um exército de samurais invadindo um castelo controlado pelos mongóis. E é simplesmente fantástico. Em especial, crie um save manual antes de invadir o castelo Shimura, pois este é um dos momentos mais especiais dos videogames em 2020.
Há três tipos de missões. A história principal, as de personagens secundários, e as sidequests genéricas. As de personagens contam as histórias dos seus amigos, e cada um deles tem uma grande quantidade de missões para ver a história completa (de três a nove). Na melhor delas, você acompanha um sensei caçando uma ex-aluna que passou a ajudar os mongóis, mas todas são excelentes. Já as sidequests genéricas são histórias curtas mais padrão de jogos de mundo aberto. É aquela coisa de encontrar uma mulher chorando, ela dizer que o filho foi raptado pelos mongóis e você vai até o acampamento matar todo mundo e salvar o moleque. Não são especialmente ruins, mas a meu ver o jogo seria melhor se houvesse apenas as missões principais e as de personagens secundários.
AS ATIVIDADES DE MUNDO ABERTO
A coisa pega mesmo é nas atividades de mundo aberto. A única dessas que vale a pena são os altares, que são praticamente fases de plataforma, em que você deve escalar montanhas (em uma jogabilidade parecida com Uncharted). A segunda mais interessante é aquele básico Ubisoft de encontrar um acampamento inimigo e ter que matar todo mundo ali (ou em alguns casos, também pegar bandeiras e destruir equipamentos).
O que pega é o resto. A mais comum, por exemplo, é uma árvore brilhante onde mora uma raposa. Ao se aproximar, a raposa sai correndo e você deve segui-la até um altar (é diferente dos altares da montanha, estes só envolvem andar atrás da raposa). É o tipo de coisa que não acrescenta nada a não ser tempo de jogo. A recompensa poderia já estar na árvore, por exemplo. Para que seguir a raposa?
As outras atividades genéricas envolvem tomar banho em laguinhos de água quente, escrever haikais ou cortar bambus. Nenhum desses é realmente divertido. Porém, ao contrário das atividades opcionais em um The Witcher, elas não são tão opcionais aqui. Isso porque elas dão upgrades, como aumentar sua vida e sua força de vontade. Coisas que você quer ter. Então, se você deseja ter o melhor samurai possível, vai precisar limpar o mapa. Ou então jogar no easy.
Cada uma dessas atividades, quando concluídas, te dá 1/5 ou 1/7 de um upgrade. Acredito que, se cada um já desse um upgrade completo, e a quantidade de atividades opcionais fosse diminuída de acordo, o timing do jogo melhoraria horrores. É aquela coisa, um jogo de mundo aberto sempre exige muito tempo, e nem todo tempo que você investe nele realmente vale a pena.
ASSASSIN’S CREED
Muita gente, eu inclusive, gostaríamos de ver um Assassin’s Creed com temática samurai. Já que a Ubisoft não faz isso, a impressão é que a Sucker Punch resolveu fazer. Ghost of Tsushima lembra MUITO Assassin’s Creed, em especial lá na época do Assassin’s Creed III, quando a série ainda não era RPG, mas já era bem complexa.
Mesmo as missões têm muito daquele jeitão Ubisoft, com boa parte delas envolvendo simplesmente andar enquanto outro personagem fala; ou então seguir alguém sem ser visto.
Uma coisa que realmente pode deixar um jogo de mundo aberto especial é a locomoção. Spider-Man, por exemplo, não tem atividades secundárias tão boas, mas se pendurar pela cidade em teias é uma delícia. O próprio Infamous, jogo anterior da Sucker Punch, também acertava em cheio nisso, com seus heróis que planavam ou deslizavam em fios elétricos.
Ghost of Tsushima tem uma proposta mais realista. Não faria sentido Jin Sakai sair voando por aí. Ao invés disso, ele se move pelo mapa a cavalo, como um The Witcher, Red Dead ou Assassin’s Creed Odyssey. Não é ruim, mas também não é especial. O pecado do jogo, nesse aspecto, é o relevo de seu cenário.
A toda hora você está cavalgando rumo a um objetivo e vai encontrar na sua frente um precipício ou uma montanha. Para passar, precisa procurar algum lugar onde dê para escalar – o que nem sempre existe. Isso obriga o jogador a parar de se mover. Se Spider-Man ou Infamous se destacam pelo velocidade e facilidade com que você cobre grandes distâncias, aqui às vezes andar trezentos metros é um suplício. Especialmente se sua recompensa ao chegar do outro lado da montanha é a possibilidade de seguir uma raposa.
GUIADO PELO VENTO
Uma coisa que é ao mesmo tempo legal e chatinha é a forma que o mundo aberto te guia. Não há waypoints ou GPS. Você é guiado para o ponto que marcou no mapa através da direção do vento. Isso causa efeitos visuais e sonoros belíssimos, além de realmente parecer o tipo de guia natural que um samurai seguiria. Em matéria de game design, eu diria que é um compromisso entre o mundo aberto totalmente sem guias de um Breath of the Wild e um tradicional, em que você é perfeitamente guiado.
Na prática, o vento sempre te mostra a direção para o objetivo em linha reta. Então, se tiver montanhas ou precipícios no meio do caminho, você vai ter que se virar sozinho para chegar do outro lado. E isso, como falei acima, causa um freio no gameplay que não incentiva a exploração e locomoção.
O bicho também pega em objetivos mais específicos, como matar os últimos inimigos de um acampamento ou pegar bandeiras. Nesses casos, o vento te leva até o acampamento, mas encontrar o que deve fazer lá dentro é com você. Eu cheguei a ficar vagando a esmo por acampamentos bem grandes por vários minutos, sem nenhum avanço, até finalmente encontrar o elusivo objetivo que me permitia progredir.
HISTÓRIA
Apesar de Ghost of Tsushima ser um jogo focado na história, sua história é bem mais básica do que, por exemplo, a de The Last of Us Part II. Os mongóis invadiram a ilha de Tsushima antes de invadir o território principal do Japão. Jin Sakai e sua turminha do barulho têm como objetivo repelir os invasores.
O mais interessante da história é justamente o motivo do Ghost no nome. Samurais têm um código de honra muito restrito. Você sempre batalha seus inimigos com respeito, e dando a eles oportunidade de se defenderem. É um dos motivos, por exemplo, que eu gostava bem mais de Jiraya do que de He-Man quando era criança.
Quando o esqueleto raptava alguém, e pedia para o He-Man soltar as armas para que ele deixasse o raptado ir embora, o esqueleto nunca cumpria sua palavra. Nos tokusatsus eles SEMPRE cumpriam. E eu achava isso muito mais interessante. Honra é importante, é o que quero dizer.
SAMURAI OU NINJA?
Porém, Jin logo percebe que seu código samurai não vai dar conta da missão. Daí, ele passa a usar de furtividade e teatralidade (estilo Batman mesmo) para vencer e assustar os mongóis. No começo do jogo, quando ele ainda segue o código, eu achei refrescante eu poder invadir um acampamento entrando pela porta da frente, sem precisar planejar o ataque. Claro, você ainda pode jogar assim depois, mas quando o sistema de stealth passa a existir, parece desperdício não usá-lo. O conflito aberto acaba sendo para quando as coisas dão errado.
Tem até uma opção para entrar pela porta da frente e chamar os meliantes pro pau, o que gera um minigame chamado standoff em que você pode vencer de uma vez até cinco inimigos (dependendo da roupa que estiver usando e dos seus upgrades). Porém, se isso é perfeitamente válido no início do jogo, perto do final se torna extremamente difícil vencer esses duelos, a ponto de que eu simplesmente parei de tentar.
Particularmente, eu gostaria de ver Jin mais dividido antes de quebrar o código samurai. Ele aceita a situação muito rápido, já nas primeiras missões. Só me lembro de uma vez em que ele se recusou a atacar furtivamente, e isso foi na primeira missão. Considerando a importância que isso tem para a história e para o destino do herói, seria legal que houvesse um caminho mais desenvolvido antes de ele abrir mão da honra samurai.
Se a história não tem grandes surpresas, no entanto, ela traz um final simplesmente lindo, em todos os aspectos. A última missão, em especial. Não vou dar spoilers aqui, mas o visual, o contexto, o diálogo e as atuações na última missão me deixaram com um nó na garganta. E poucos jogos conseguem isso.
O FANTASMA DO MUNDO ABERTO
Ghost of Tsushima é o tipo de mundo aberto que eu gosto. Aqui você não precisa se preocupar com um milhão de armas e roupas. Até dá para trocar de roupas, mas elas têm funções específicas, como armaduras boas para stealth, para defesa, ataque, etc. Nada de estatísticas e loot.
Porém, ele acaba se perdendo em meio à necessidade de encher de conteúdo, se preocupando mais com a quantidade do que com a qualidade. Ghost of Tsushima tem missões excelentes, um combate realmente especial e uma temática que muito me agrada.
Porém, ele tem também uma quantidade pornográfica de pontos de interrogação no mapa, e poucas delas levam para atividades que realmente valem ser feitas. E, se não fosse pelos upgrades, eu não as teria feito.
Assim, ele é um bom jogo de mundo aberto, com muitos predicados, mas também com bastante encheção de linguiça. Não chega a atingir o ápice de um Spider-Man dentro do gênero, mas está sem dúvida acima da média.