Assassin’s Creed Odyssey é grande. Muito grande. Você pode achar que o universo é grande, mas isso não é nada perto do tamanho deste jogo. Bem-vindo à nossa análise de Assassin’s Creed Odyssey.
ANÁLISE ASSASIN\’S CREED ODYSSEY
Vamos começar com as informações obrigatórias que você provavelmente já sabe. Assassin’s Creed Odyssey é um RPG de mundo aberto e se passa na Grécia antiga, em uma época anterior ao jogo do ano passado, Assassin’s Creed Origins, que mostrou a origem da Irmandade dos Assassinos. Isso significa que ainda não existiam as duas facções que guerreiam desde o primeiro capítulo desta longeva saga. Mas então por que este jogo se chama Assassin’s Creed? Olha, esta é uma boa pergunta. Há, sim, algumas relações de sua história com o que viria depois cronologicamente (ou antes, considerando os lançamentos), mas é bastante leve e quase opcional.
A campanha de Assassin’s Creed Odyssey contém três histórias, mais ou menos independentes, mas também meio relacionadas. A primeira que você vai encontrar, e a mais longa, envolve a protagonista Kassandra ou Alexios – você pode escolher com qual dos dois jogar, mas a diferença se resume ao visual do personagem e ao ator que o dubla – em busca de sua família. Aparentemente, até os diálogos são os mesmos. Aqui, você vai se envolver com a origem da democracia e com pessoas que são contra a tendência do poder ser controlado pelo povo.
A segunda história que você vai encontrar envolve o Culto de Kosmos, uma organização secreta que visa controlar toda a sociedade grega. Eles têm muitos recursos e estão controlando os dois lados da Guerra do Peloponeso, histórico conflito entre as Cidades-Estado Atenas e Esparta. Embora isso não seja declarado em nenhum momento da campanha, eu deduzo que eles são uma versão embrionária dos templários.
Esta história é bem mais aberta. Você tem um mapa de alvos com dúzias de membros do Culto de Kosmos, e sua missão é matar todos eles. Alguns serão encontrados na história anterior. Outros você precisa caçar por conta própria, seguindo dicas como “o navio deste membro naufragou ao norte da ilha de Thera”. O Culto de Kosmos é basicamente uma lista de colecionáveis narrativos. A maioria deles, quando encontrados, pode ser simplesmente assassinada. Alguns têm diálogos. Risque todos os nomes da sua lista e você receberá uma conclusão relativamente reveladora para esta linha narrativa.
Por fim, a terceira história é a única que realmente liga Assassin’s Creed Odyssey aos jogos anteriores da série, e a única que se comunica com a linha narrativa do presente, estrelada por Layla Hassan, que apareceu pela primeira vez em Origins. Esta é uma história que eu comecei a desenvolver antes da hora (culpa da minha mania de explorar tudo assim que possível), e até fiz um texto sobre ela. Não vou falar muito do que ela envolve, pois é a mais legal, e vale ser vivenciada com todas as surpresas que guarda. Saiba apenas que ela começa quando você recebe uma missão cujo objetivo é ir até a ilha de Thera. Evite visitar esta ilha antes de receber esta missão.
AS ESTATÍSTICAS DO MEU GUARDA-ROUPA
Assassin’s Creed Origins já tinha dado passos largos na transformação da série em um RPG, mas Odyssey vira full–Witcher. Na verdade, este Assassin’s Creed ficou tão absurdamente parecido com The Witcher 3 que eu tenho que me segurar para não classificá-lo como um “Witcher genérico”.
As semelhanças vão muito além do gênero. Odyssey empresta muito da estética do jogo do Geraldão. Por exemplo, áreas de interesse aparecem no mapa como pontos de interrogação (o que já tinha em Origins). As escolhas de diálogos vêm em duas cores: branco para quando você pode escolher todas e dourado para quando elas avançam a história. Até coisas de gameplay, como o cavalo ficar mais lento dentro de cidades, Odyssey copia. Origins já era um jogo totalmente diferente dos anteriores da franquia, mas com Odyssey há uma ruptura total do que Assassin’s Creed representava. Se você conheceu e curtiu a série na época do Ezio Auditore, saiba que nada sobrou daquela época. Você ainda pode gostar de Odyssey, mas ele é bem mais próximo do que veríamos em um The Witcher 4 do que poderíamos esperar de um Assassin’s Creed 79.
Por que não chamá-lo de um “Witcher genérico” então? Porque, apesar de copiar descaradamente a estética e várias mecânicas do jogo da CD Projekt Red, a coisa aqui é muito caprichada. Muito bem-feita para que seja justo reduzi-lo a algo genérico. Provavelmente a forma mais justa de definir Assassin’s Creed Odyssey é como um “Witcher cover”. Um cover com categoria, tipo essas bandas como o Creedence Clearwater Revisited, mas ainda assim um cover.
Isso pode ser bom se você ainda não está de saco cheio do absurdo excesso de RPGs de mundo aberto dos últimos anos. Afinal, Assassin’s Creed Odyssey está lá em cima, entre os melhores e mais caprichados. Porém, não muda o fato de ser mais um exemplar no que atualmente parece ser o único gênero criado por editoras que têm um orçamento mais bombado (enquanto aquelas que têm um orçamento menor fazem apenas metroidvanias 2D).
sso também não é uma boa notícia caso você seja um adulto normal, que equilibra seu tempo de videogame com uma família e um trabalho. Assassin’s Creed Odyssey durou para mim 100 horas. 100 fuckin’ horas! Ele é simplesmente grande demais, longo demais. Tem muito de tudo. Muitas sidemissions, muitos membros do culto. Sem falar um mapa ridículo de grande. Com o retorno das navegações, quase metade do mapa é composto de água. Isso significa que ele é cheio de áreas vazias. Para ir de uma ilha a outra, basicamente você aponta o seu barco e tem que esperar três ou quatro minutos até ele chegar lá, sem fazer absolutamente nada.
Este é o principal problema de Odyssey: seu exagero. O jogo seria melhor com um mapa da metade do tamanho, metade das sidemissions e, especialmente, a eliminação completa das missões aleatórias e infinitas. Seu conteúdo tem qualidade. Uma qualidade impressionante, aliás, mas muito de uma coisa boa nem sempre significa algo melhor.
Chegou ao ponto de me deixar estressado quando eu chegava a uma nova região e meia dúzia de pontos de exclamação apareciam.
TEM UM PERSONAGEM CHAMADO TESTIKLES
Em geral, Assassin’s Creed Odyssey não é mais um jogo de stealth, mas um típico RPG de ação. Seus sistemas e mecânicas servem basicamente para você descer o sarrafo em todo mundo. Assim como já acontecia em Origins, a maioria dos inimigos não morre com um ataque furtivo. Para você mudar isso, precisa investir bastante na sua árvore de Assassino, que afeta o stealth (as outras duas são caçador, para arco e flecha; e guerreiro, para a porradaria).
Como eu gosto mais de Assassin’s Creed do que de Witcher, eu construí meu personagem desta forma. Basicamente, sempre que recebia uma roupinha ou uma arma com bônus assassino, eu a equipava. Quando cheguei ao nível máximo, estava ostentando uma adaga venenosa e um conjunto de roupas que aumentava meu dano assassino e de veneno.
Muitas das críticas da imprensa internacional se deram à velocidade dos level ups. Muitos apontaram que o jogo fica melhor se você comprar um boost de XP que custa dez dólares. Eu não comprei este boost e não senti esta necessidade, a não ser nas primeiras horas. De fato, os level ups são bem lentos (rola mais ou menor um por hora), e são necessários para adquirir algumas habilidades bem básicas, como assassinatos em grupos.
Por outro lado, eu atingi o nível 50, o máximo, com 50 horas de jogo e, como já falei acima, ele duraria 100 horas para mim. Este level cap me pareceu um tanto arbitrário, pois minha árvore de habilidades ainda estava relativamente vazia e tinha muitas coisas que eu queria adquirir quando os level ups pararam.
Mais estranho é eu ter chegado ao nível máximo na metade do jogo, em um RPG baseado em loot. Isso significa que durante metade da minha campanha, eu entrava no inventário apenas para destruir o que ganhava. Tire o loot e a progressão de um RPG baseado em loot e, bem, sobra apenas a história. Até porque o gameplay e as mecânicas deste Assassin’s Creed agora são bem mais simples do que na época do Ezio.
O combate, por exemplo, envolve basicamente martelar os botões de ataque, intercalando com alguns golpes especiais. O vencedor é determinado pelo nível, não pela habilidade. Não tem mais aquela necessidade de apertar os botões no ritmo correto. Já a escalada, principal característica da série, agora é feita apenas segurando para cima, sem precisar procurar por lugares que forneçam apoio.
Ao começar Assassin’s Creed Odyssey, você pode ter a impressão de ele ser mais complexo do que antes, mas quando você chega no nível máximo vê quão simplificado o gameplay foi. O que pode ser percebido como complexidade são basicamente as estatísticas de RPG e a necessidade de ficar a toda hora trocando de armas e armaduras baseado nestas estatísticas.
HEHE, TESTIKLES…
Pode parecer que estou criticando, mas o fato é que Assassin’s Creed Odyssey se dá muito bem no que se propõe a fazer. Ao jogá-lo, é bem claro que ele não foi criado para continuar os Assassin’s Creed clássicos, mas para fazer um concorrente ao The Witcher 3. E, dentre todos os covers de The Witcher 3 que foram lançados nos últimos anos, este é sem dúvida o mais bem-sucedido. Você pode inclusive argumentar que ele ultrapassa o jogo que o inspirou.
O único problema que eu tenho com ele dentro de sua proposta é o sistema de Mercenários. Basicamente, quando você faz algo ilegal, tipo roubar ou matar alguém (ou, em outras palavras, qualquer coisa que o jogo permite fazer), uma recompensa é colocada pela sua cabeça. Quanto mais arte você apronta, maior ela fica, e mais gente passa a te caçar. Para se livrar disso, você pode pagar (com dinheiro do jogo), o que é inviável, já que é caríssimo, dinheiro é coisa rara e você está sempre fazendo coisas ilegais. Ou então você pode ficar na sua até a recompensa sumir, o que também é inviável, já que demora muito e você não passa dois minutos de gameplay sem fazer algo ilegal.
No papel até é legal. Você, como um mercenário, também pode pegar contratos para matar os outros mercenários e faturar alto fazendo isso. Por outro lado, esta é uma mecânica permanente. Você está sempre sendo caçado e a maioria desses mercenários está um ou dois níveis acima de você. Na prática, eles são basicamente inimigos tradicionais com vida mais bombada e armas de veneno ou de fogo. Encarar um deles não é um grande problema no mano a mano, mesmo quando eles são de níveis superiores.
Porém, eles ficam O JOGO INTEIRO te caçando. E eles vêm direto na sua direção. Tente limpar uma fortaleza inimiga com quatro NPCs de nível acima do seu sempre na sua cola. Se você é avistado, é basicamente uma questão de fugir ou morrer.
O jogo não salva quando você está em uma área restrita, então um único deslize pode ser fatal e custar muito tempo de jogo. No final das contas, eu me acostumei a sair da área restrita, o que fazia o jogo salvar, sempre que era avistado, mas obviamente isso não era divertido.
Outro problema é se um mercenário te avistar na cidade. Ele vai te atacar, mas ao contrário dos Assassin’s Creed anteriores, se envolver em uma briga em público faz todos os NPCs te atacarem, não apenas os guardas. Isso envolve os personagens civis, os cachorros e até as galinhas. Sim, se um mercenário te atacar em uma cidade, as galinhas se viram contra você. Ou seja, é impossível vencer uma briga no mundo aberto, pois nunca para de vir inimigos. Você sempre precisa fugir.
Os mercenários literalmente não dão folga. Várias vezes eu estava lutando contra um chefe, uma batalha programada para ser um contra um, e eles apareciam. Mais de uma vez eu vencia o chefe e me via lutando e morrendo contra três mercenários que apareciam durante a luta, enquanto o inimigo principal ficava ajoelhado esperando o jogo me deixar falar com ele para continuar a história.
Isso tudo deixou de ser um problema quando cheguei ao nível máximo. Afinal, a partir daí os mercenários passaram a ser sempre do meu nível ou um ou dois níveis abaixo de mim. Porém, eu passei boa parte das minhas primeiras 50 horas querendo uma forma de desligar este sistema, que cria uma dificuldade aleatória e artificial.
NAVEGAÇÃO
Por outro lado, a navegação, uma mecânica que eu odiei em Black Flag e definitivamente não queria ver de volta na série, acabou sendo implantada de forma mais sutil. Sim, você precisa usar o navio para ir de uma ilha para outra, mas uma vez na ilha, dá para liberar um fast travel lá.
Há poucas missões que te obrigam a se envolver em batalhas navais e, como elas são raras, são até uma variação de gameplay bem-vinda. Em geral, os barcos são apenas uma forma de transporte. Como falei um milhão de parágrafos atrás, basta apontar para seu objetivo e esperar alguns minutos. Não é algo que melhora o jogo, mas é bem mais leve do que foi quando a série falava de piratas.
A jogabilidade dos barcos, incluindo as batalhas, é exatamente igual à que já conhecemos. Você deve enfraquecer o navio inimigo com tiros e então decidir se vai afundá-lo ou abordá-lo. Abordar envolve umas lutas corpo a corpo para limpar o navio e traz maiores recompensas. Basicamente, eu só abordava em lutas contra vários barcos, para ganhar tempo de respiro e recuperar saúde. No mano a mano, eu sempre optava por afundar de uma vez.
Eu sinceramente esperava que este fosse o principal problema de Odyssey quando fiquei sabendo que a mecânica de navegação estaria de volta, mas no final das contas a coisa foi muito mais leve e agradável do que esperava.
ME CONTE UMA HISTÓRIA
Assim como The Witcher, agora você tem opções nos diálogos. Às vezes as consequências são imediatas, tipo resolver um conflito na conversa ou na porrada. Outras podem acontecer horas depois. Um sujeito que você deixou viver pode reaparecer para matar um personagem importante, por exemplo.
Não acho que elas afetem profundamente a história principal, além da aparição ou não de algumas figuras-chave. Porém, quase todas as ilhas têm histórias paralelas que se desenvolvem ao longo de múltiplas missões e se concluem ali mesmo. Estas de fato têm conclusões bem diversificadas dependendo de suas ações e escolhas.
Isso envolve, claro, com quais personagens você vai desenvolver romances. Eu joguei Odyssey que nem jogo a vida real, pegando todo mundo que conseguia. Ao contrário de Witcher, todos estes romances são passageiros e não trazem nenhuma consequência para a história geral. Também ao contrário de Witcher, você não vê as cenas de sexo. No máximo um ou outro beijinho.
As histórias secundárias são bacanas, desde que você exclua aquelas missões infinitas. Tem uma sequência envolvendo “A Batalha das Cem Mãos” que é tão boa ou melhor do que boa parte das missões de história. Outro que sempre eleva a narrativa quando aparece é o filósofo Sócrates.
As missões do Sócrates envolvem dar sua opinião sobre assuntos morais, e fazendo suas ações refletirem isso. Como um bom filósofo, Sócrates não apresenta respostas, apenas faz perguntas. E além de o ator que o dublou o encher de carisma, o roteiro das falas do personagem é simplesmente fantástico.
Outro que se destaca é Alcibiades, uma proeminente figura histórica ateniense. No jogo, ele provavelmente é o único personagem tão tarado quanto a minha Kassandra, e também aquele com quem você tem possibilidade de dormir mais vezes. Está tenso com a história da sua família? Relaxe com Alcibiades, meu amigo. Sem dúvida, Alcibiades e Sócrates serão os personagens deste jogo dos quais eu mais vou me lembrar.
UMA VERDADEIRA ODISSEIA
Eu ainda teria mais a dizer sobre Assassin’s Creed Odyssey, mas já estou chegando às três mil palavras e não quero incutir no mesmo pecado do jogo, e fazer uma análise longa demais.
Permita-me, portanto, fazer um amigável resumo do que você precisa saber. Assassin’s Creed Odyssey é um excelente jogo, e merece ser jogado. Ele é claramente caro e caprichado em todos os seus aspectos. Ele também não é exatamente criativo. O fator único da série Assassin’s Creed ficou no passado, e este é basicamente um The Witcher 4.
Ele também exige uma dedicação absurda de tempo para ser devidamente usufruído. Tudo aqui é grande e abundante. O mapa é enorme e há missões em excesso. Felizmente, a qualidade da maioria de seu conteúdo também é alta. Se ainda há espaço no seu coração para RPGs de mundo aberto, este é um dos maiores e melhores disponíveis.
E que a flecha de Artemis me atire para o infinito e além.