A legalização das drogas

0

Hoje é um dia raro no DELFOS. Leitores desta coluna sabem muito bem que ela varia entre opiniões mais passionais e outras friamente calculadas, mas seja como for, uma coisa está sempre presente em todas as PD’s: uma opinião formada. Este não é o caso hoje.

Há tempos que eu quero abordar o assunto da legalização das drogas (e não tenho intenção de me limitar apenas à maconha, mas às drogas de uma forma geral, incluindo as que hoje são lícitas) por aqui, mas por mais que eu pense sobre o assunto, não consigo fechar uma opinião. Então pensei em fazer uma coisa diferente: apresento aqui alguns argumentos para a legalização e outros para manter proibido e depois a gente continua a PD nos comentários. Isso aí, normalmente eu prefiro deixar os delfonautas discutirem entre si, mas hoje pretendo me unir a vocês. Vamos conversar sobre o assunto e quem sabe a gente não acaba chegando a alguma conclusão? E mesmo que isso não aconteça, debater idéias é sempre positivo.

Quando eu quero formar uma opinião sobre a legalização ou proibição de algo, a primeira coisa que tento decidir é se isso se encaixa no espaço público ou privado, o que já foi amplamente explicado quando falamos sobre a descriminalização do aborto. Isso para mim costuma ser um argumento irrefutável. Se você quer viver num país livre (e acredito que você quer), algo que faz parte do espaço privado não pode ser proibido. Ponto. O governo não pode ditar o que você faz com a sua vida pessoal. Se você não entende o que é isso, não lembra do texto supralinkado, não leu, não quer ler e tem raiva de quem leu, dou aqui uma explicação resumida.

A idéia de um país livre é que você faça o que quiser com a sua vida, desde que ela não afete negativamente os outros. Portanto, se você quiser fazer troca de casal, passar o final de semana jogando algum MMO ou se encher de drogas até morrer, ninguém tem nada com isso. A vida é sua e não interessa se outras pessoas podem condenar moralmente o que você faz, a lei não pode proibir essas coisas. O Estado tem que ser laico e amoral (o que é diferente de imoral). Cabe a você decidir se quer fazer algo ou não, não ao governo. O aborto, por exemplo, se encaixa aí, pois quem passa por isso não é um criminoso nem um perigo para a sociedade.

Agora que temos isso explicado, voltamos às drogas. Antes de mais nada, acredito que seja relevante para a discussão dizer que não uso drogas ilícitas nem lícitas. Aliás, ao contrário da maioria das pessoas, nem álcool me apetece. Eu não gosto de cerveja, vinho ou a maior parte das bebidas. Champagne é uma das poucas que me agradam e, tirando isso, acredito que só goste daquelas mais doces, como licores, amarulas e afins. E como dificilmente tenho acesso a elas (até porque também não me preocupo em comprá-las e normalmente prefiro um suco ou refrigerante), eu quase nunca ingiro álcool. Isso é relevante, pois talvez se fosse usuário de algo, teria uma opinião diferente ou mais forte sobre o assunto.

Se pensarmos na discussão do espaço público/privado, acredito que a primeira conclusão a que chegaremos é que as drogas se encaixam no privado. Eu nunca vi um usuário de drogas como um criminoso, pois ele não fez nada de errado para ninguém além de si mesmo. E ele deve ter o direito de fazer mal para si mesmo (assim como eu devo ter o direito de comer quanto bacon eu quiser, mesmo que isso suba meu colesterol). Dane-se se fulano quiser se entuchar de drogas até sofrer uma overdose. Isso é problema dele e das pessoas que gostam dele e eu não estou nem aí para isso – e o governo também não deve estar. Na verdade, na minha forma sempre radical de ver as coisas, é positivo quando um imbecil morre de overdose acidental, já que isso é o cúmulo da burrice e, considerando que burrice é a pior característica humana (como dizem os satanistas, é uma pena que não seja dolorosa – embora, nesse caso, seja fatal), quanto menos burros tivermos, melhor.

Além disso, legalizaria o trabalho dos traficantes ou, em outras palavras, os traficantes de drogas não seriam mais os criminosos violentos, mas donos e pessoas que trabalham em farmácias, bancas de jornal, bares ou qualquer outro lugar que tenha permissão legal hoje de “traficar” cigarros e álcool.

Tive um professor que dizia que era 100% a favor da legalização de todas as drogas e 100% contra o uso de todas elas. Eu semi-concordo com ele. O problema é que, muitas vezes, o uso de drogas atravessa o espaço privado e começa a afetar outras pessoas. Daí a nossa discussão fica complicada.

Uma opinião que mantive durante muito tempo é que todas as drogas que não afetam o comportamento deveriam ser legalizadas. Não sou um grande conhecedor dos efeitos das drogas, mas não me lembro de nada além do cigarro que não afete o comportamento de forma alguma. Sob esta lógica, o álcool deveria ser proibido (quantas pessoas morrem por motoristas embriagados?), assim como qualquer outra que deixe o usuário “doidão”.

Contudo, não tenho mais essa opinião. Até porque, se o cara tiver o bom senso de usar as drogas na sua casa ou na casa de amigos (e só sair dali depois de o efeito passar), não tem nenhum motivo para isso ser ilegal. O problema é que seres humanos, em especial os brasileiros, não têm essa noção. E eles incomodam os outros.

Quem nunca foi incomodado por um bêbado em lugar público? Que indivíduo não-fumante não se incomoda com a fumaça de um cigarro? E quantos fumantes realmente têm essa noção e fazem o possível para não incomodar os outros? Quando alguém começa a tossir ou se reclama da fumaça, o comportamento padrão de um fumante é bem semelhante ao dos headbangers. O cara fica bravo e protesta, ao invés de perceber que está invadindo o espaço de outra pessoa, pedir desculpas e se afastar (ou até mesmo apagar o cigarro). Afinal, é imbecil dizer “os incomodados que se mudem”. Se você está incomodando alguém, VOCÊ tem que fazer algo a respeito, não a pessoa incomodada que está na dela. E além de a fumaça incomodar, acaba prejudicando a saúde dos outros também, que a inalam passivamente. Ou seja, mais um motivo para os fumantes precisarem de um semancol que a maioria infelizmente não tem e nem quer ter.

E como sabemos que quem bebe e fuma cigarros no Brasil não tem esse tipo de semancol, por que daríamos o voto de confiança para pessoas que fumam maconha ou usam outro tipo de droga? Se legalizarmos, o que aconteceria é que as pessoas iam parar de usar essas drogas escondidos e íamos começar a ver o uso delas por aí, em locais públicos. Ou seja, pessoas iam ser obrigadas a fumar maconha passivamente (o que já acontece em shows hoje) e a ter que aturar as atitudes afetadas pelas outras drogas (como acontece hoje com o álcool). E isso não é legal. Isso ultrapassa o espaço privado da pessoa que quer se drogar e começa a prejudicar pessoas que não têm interesse nisso.

Isso poderia ser resolvido caso o povo fosse mais educado e tivesse esse tipo de consciência, mas convenhamos, isso não vai acontecer tão cedo. Não nesse inferno em que a gente mora, pelo menos. Mesmo com leis contra fumar em lugares públicos ou dirigir bêbados, os imbecis continuam fazendo essas coisas, então de nada adiantaria fazer mais leis nesse esquema para as outras drogas. E enquanto não acontecer de o brasileiro ser mais educado, talvez seja melhor manter as drogas na ilegalidade. Ou não, sei lá.

Como resolver esse dilema? Não sei. Por isso não consegui formar uma opinião ainda sobre esse assunto. Eu acredito piamente que um indivíduo pode fazer o que quiser com a sua saúde, ou seja, se quiser usar drogas, dane-se. Não é problema meu. Mas como freqüentemente hoje em dia, cigarros e álcool acabam se tornando meus problemas mesmo que eu não os use, parte de mim prefere que não apenas as outras se mantenham ilegais, como mesmo essas que hoje são lícitas sejam proibidas. Afinal, eu não posso ser obrigado a inalar a fumaça da droga de outras pessoas. Isso é errado e os não-fumantes são obrigados a tolerar não apenas a fumaça, mas as atitudes imbecis da maioria fumante que não está nem aí para isso. E eu não quero me matar. Pelo menos não com cigarro ou álcool. O bacon está aí para isso, afinal de contas. E ninguém é obrigado a inalar passivamente o colesterol do bacon quando o estou comendo.

É engraçado, eu comecei esse texto sendo mais a favor da legalização, mas agora que o estou terminando, estou pendendo ao contrário, mesmo que não seja uma opinião 100% formada. E você? O texto termina aqui. Agora vamos discutir. O espaço para comentários é todo nosso. Mas se quiser fazer constar sua opinião, seja civilizado.

Curiosidade:

– Uma vez uma amiga comentou comigo que o suicídio era ilegal. Ou seja, segundo ela, se um cara tenta se matar e sobrevive, ele vai preso. Não sei se isso é verdade, mas se for, é mais uma daquelas coisas estúpidas que só devem acontecer no Brasil. Afinal, alguém que está insatisfeito com a própria vida deve ter o direito de acabar com seu sofrimento. O governo não tem nada com isso. Nem eu, nem você! 😛

Galeria

Galeria