Se você não estava vivo ou era jovem demais em 1999, quando o Matrix original saiu nos cinemas, é difícil explicar a ruptura que ele causou na cultura pop. Da noite para o dia, porradarias e tiroteios em todas as mídias ficaram mais estilosos e mais inteligentes. Na minha longeva vida nerd, eu nunca vi este tipo de impacto acontecendo, nem antes nem depois. Assim, é uma sensação um tanto estranha para mim escrever esta crítica Matrix Resurrections.

MATRIX E O DELFOS

Matrix foi um filme tão importante na minha vida que nós já publicamos muitas matérias aqui no DELFOS (divirta-se com os links ao final do texto), mesmo sem ter nenhum novo filme lançado desde que o site existe. Eu cheguei até a escrever uma crítica para Matrix Revolutions quando ainda era um jovem foca, mesmo o filme tendo saído alguns meses antes do DELFOS nascer.

O impacto do primeiro filme foi tão grande na cultura pop como um todo que a expectativa para Matrix Reloaded era palpável. Você pode sentir que todo mundo está falando de Homem-Aranha Sem Volta Para Casa (e está mesmo), mas Matrix Reloaded foi na época pré-redes sociais um evento que simplesmente não era comum. Os prédios da Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, estavam estampados com fotos enormes de Neo, Morpheus e Trininy, algo que nunca mais vi acontecer. E, quanto maior a expectativa, maior a queda.

Pois é, se você viveu a época deve se lembrar o quanto os nerds em geral ficaram decepcionados com Matrix ReloadedMatrix Revolutions. Para mim, particularmente, Reloaded está entre as maiores decepções culturais da minha vida. A ponto de que fui assistir a Revolutions sem nenhuma expectativa. E posso dizer o mesmo de como estava me sentindo ao sair de casa para ver Matrix Resurrections.

CRÍTICA MATRIX RESURRECTIONS E A SINOPSE

Aqui conhecemos Thomas Anderson (Keanu Reeves, o Ted!). Ele é um game designer genial que, em 1999, criou um jogo chamado Matrix que impactou além da sua mídia. O jogo virou uma trilogia, e então ele jurou que tinha terminado a história, e não voltaria para aquele universo.

Crítica Matrix Resurrections, Matrix Resurrections, Keanu Reeves, Warner, Matrix, Delfos

Porém, a Warner Bros., dona da marca Matrix, o comunica que fará um Matrix 4 com ou sem sua participação. Agora cabe a ele e a sua equipe descobrir como continuar uma história encerrada sem pontas em aberto, e mesmo o que deveria ser dito nessa nova continuação.

CRÍTICA MATRIX RESURRECTIONS E A SINOPSE ESTENDIDA

Tudo que falei acima de fato está no filme. E se você nunca ouviu falar de Matrix, o que eu duvido, talvez seja melhor parar de ler por aqui. Continua comigo? Então deduzirei que você sabe que Thomas Anderson é Neo, o salvador que acabou com a guerra de séculos entre humanos e máquinas.

Crítica Matrix Resurrections, Matrix Resurrections, Keanu Reeves, Warner, Matrix, DelfosA metalinguagem do primeiro ato é bonitinha, mas é óbvio para qualquer um familiar com a marca que não ia ficar por aquilo mesmo. É claro que Thomas Anderson será acordado da Matrix, verá como o mundo real avançou desde a sua suposta morte em Matrix Revolutions e fará de tudo para acordar sua companheira de apresuntamento falso, a Trinity (Carrie-Anne Moss).

A JOGADA MARVEL: TUDO QUE VOCÊ VIU ANTES ERA MENTIRA!

Matrix Resurrections tem um objetivo e um objetivo apenas: apagar Matrix Reloaded e Revolutions da cronologia. Resurrections é um soft reboot, mas ele não conta uma nova história levando em conta o que rolou antes, como God of War de PS4. O que ele faz é levar em conta o que aconteceu antes, mas com o claro objetivo de fazer um retcon e colocar tudo mais ou menos no mesmo ponto que estava no final do Matrix de 1999.

Não à toa, o final é intencionalmente parecido. Não apenas na história, mas também na estética e na escolha da canção que toca durante os créditos. Matrix Resurrections quer que você esqueça que ReloadedRevolutions aconteceram, para assim poder fazer dois novos filmes contando a mesma história. E olha, como alguém que se decepcionou absurdamente com Reloaded, eu entendo a vontade de apagá-lo da cronologia. Mas não acho isso legal. Afinal, os filmes aconteceram. E encerraram a história supostamente da forma que as criadoras queriam.

Isso é algo comum em grandes marcas cuja propriedade não está com os criadores originais. É fácil citar os vários soft reboots de O Exterminador do Futuro, por exemplo. E é uma boa comparação. Afinal, O Exterminador do Futuro 3 tentou fazer a mesma coisa que Matrix Revolutions: basicamente inventar uma desculpa de porque a solução redondinha anteriormente apresentada não deu certo – e daí poder continuar fazendo filmes para sempre. Em algum momento da minha vida eu já achei isso legal. Hoje acho meio pentelho. Isso é o equivalente a uma morte horrível para uma franquia que um dia foi autoral, e acho mais respeitoso simplesmente fazer um reboot/remake total da história, contando tudo do zero.

MATRIX COMPLICATIONS

Gostaria inclusive de saber a opinião das Wachowskis sobre tudo isso. E imagino que não deve ter sido muito tranquilo, já que apenas Lana Wachowski voltou para a direção e o roteiro. Até onde sei, é a primeira coisa profissional em que as irmãs se separam, tendo assinado tudo em conjunto desde que começaram a carreira em Hollywood. E o começo do filme, em que os personagens citam a Warner pelo nome, falando como ela faria uma continuação “com ou sem o criador”, demonstram que mesmo Lana carrega algum ressentimento com isso.

Apesar de todas as minhas críticas ao caminho seguido aqui – o que gera uma discussão mais ampla sobre o desrespeito das corporações com as pessoas que criam cultura pop e suas obras – a verdade é que Matrix Resurrections é um filme divertido.

CRÍTICA MATRIX RESURRECTIONS É UM FILME DIVERTIDO

Você pode argumentar que um dos motivos que tornou Reloaded tão fraco foi sua verborragia. Sua insistência constante em mostrar sua inteligência. Não é esse meu problema com ele, mas Matrix Resurrections está mais próximo do filme de 1999 nesse aspecto.

Há filosofia e algumas discussões interessantes sobre temas como livre arbítrio, mas ele nunca chega ao nível de pedantismo da famigerada cena com o Arquiteto. Temos até um “arquiteto” aqui na história, interpretado por Neil Patrick Harris, de How I Met Your Mother, mas ele é muito mais claro em suas opiniões e motivações.

Crítica Matrix Resurrections, Matrix Resurrections, Keanu Reeves, Warner, Matrix, Delfos

As cenas de ação também continuam estilosas. Eu gosto muito do estilo das Wachowski, e mesmo sem Lilly, Lana conseguiu fazer um filme belo e estiloso. Resurrections não causa a ruptura que o original causou, mas isso já poderíamos dar como esperado. Afinal, assim como o game Doom, o primeiro Matrix não criou nada. Pelo menos não esteticamente. Ele se apropriou da estética tradicional dos filmes de ação chineses, mas a trouxe a um público que não estava tão familiarizado com essa linguagem, popularizando-a no mainstream. Sim, exatamente como Doom e os jogos em primeira pessoa.

Assim, Matrix deu ao cinema moderno de ação a sua cara atual. E Resurrections não reinventa essa roda. Em 1999, Matrix era muito mais bonito e estiloso do que qualquer outro blockbuster da época. Hoje, não há um grande abismo em estilo entre ele e Homem-Aranha Sem Volta Para Casa, para manter a comparação apenas nesses blockbusters que encerram 2021.

CRÍTICA MATRIX RESURRECTIONS: DUAS HORAS E MEIA QUE PASSAM RÁPIDO

O principal ponto que preciso fazer aqui para demonstrar quão divertido é Matrix Resurrections é quão rápido o tempo passou. Estamos falando aqui de um longa de duas horas e meia, mais longo que todos os anteriores. E, mesmo assim, quando percebi que a história caminhava para seus finalmentes, pensei “ué, já?”. E não deu outra, já era o clímax do filme.

É justo esperar que Matrix Resurrections seja tão impactante ou tão bom quanto o Matrix de 1999? Imagino que não. Assim como também não era justo esperar isso de Reloaded. Por outro lado, assim como O Exterminador do Futuro 3 foi feito para apagar a conclusão da história feita no segundo filme, Resurrections só existe para apagar as duas continuações de quase 20 anos atrás. E isso não é um objetivo legal.

Embora O Exterminador do Futuro seja a melhor comparação, eu não conseguia parar de pensar no Homem-Aranha. E não no Sem Volta Para Casa, mas no fato de que a Marvel queria apagar o casamento de Peter com a Mary Jane e achou que o herói fazer um pacto com o diabo seria mais aceitável do que divorciar o casal. Já dizia um outro filme de super-heróis: ou você morre herói, ou vive o suficiente para se tornar um vilão. E eu gostaria muito de saber como Lana Wachowski se sente apagando sua própria obra.

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