Eu entrei tarde na onda do Crash Bandicoot. Como na época do PS1, eu tinha parado de jogar videogames, não curti os jogos durante seus lançamentos originais. Muito tempo depois, joguei o Crash of the Titans no PS2. E eu sei que o estilo era diferente, mas gostei muito. Só fui realmente me envolver com os jogos originais com o lançamento da coletânea Crash Bandicoot N Sane Trilogy. E vou dizer, eu me apaixonei. Gostei tanto dos três jogos incluídos ali que esta tardia continuação se tornou um dos jogos mais esperados de 2020 para mim. E finalmente chegou a hora da nossa análise Crash Bandicoot 4: It’s About Time.

ANÁLISE CRASH BANDICOOT 4

Eu esperava muito de Crash Bandicoot 4. E talvez minha expectativa fosse até injusta. Afinal, os jogos originais foram criados pela Naughty Dog, um dos estúdios mais talentosos da indústria. E Crash 4 é obra da muito menos tremendona Toys for Bob. Além disso, a história não favorece esse tipo de continuação tardia, que continua os clássicos ignorando tudo que veio depois. Veja Sonic 4, por exemplo, que é quase o mesmo caso de Crash 4.

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O Crash está ansioso para ler minha opinião sobre o jogo novo dele.

Pois eu preciso começar falando o óbvio: Crash 4 é realmente uma continuação dos clássicos. Não é apenas um pacote de fases baseado no que foi construído para a coletânea. Ele mantém a fórmula e é imediatamente reconhecível, mas também acrescenta muitas novas mecânicas e possibilidades, além de expandir consideravelmente os personagens jogáveis.

JÁ ERA HORA DE NOVAS MECÂNICAS

Começando pelo começo: agora Crash e Coco, os protagonistas, são capazes de dar pulos duplos, o que já aumenta consideravelmente suas agilidades. Mas não para por aí. Ambos são capazes de correr pelas paredes e de surfar em cabos no estilo Ratchet & Clank. E isso são só as habilidades básicas.

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Agora Crash corre pelas paredes.

As maiores mudanças vêm das máscaras que são coletadas ao longo das jornadas. Elas trazem habilidades que devem ser usadas para progredir em partes específicas das fases. Seus poderes possibilitam coisas como câmera lenta ou alternar entre dimensões no estilo Guacamelee. Tudo isso torna Crash 4 um jogo ao mesmo tempo familiar, mas com muitas e saborosas novidades, como uma boa continuação deve ser.

PERSONAGENS SECUNDÁRIOS

Outra novidade interessante é que, além de Crash e Coco, tem um punhado de coadjuvantes que podem ser usados em fases específicas. Cada um deles controla de formas bem diferentes, sendo praticamente pequenos jogos à parte. Minha favorita é Tawna.

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Arrisco dizer que gostei mais da Tawna do que do Crash e da Coco.

Ela é bem parecida com os outros bandicoots, mas é mais capaz. Em outras palavras, ela faz tudo que Crash e Coco fazem, mas é capaz de pular entre paredes e usar um gancho estilo Batman, que funciona tanto como um ataque à distância quanto como uma ferramenta de locomoção. Eu sinceramente gostaria que o jogo tivesse mais fases com Tawna.

Os outros dois personagens secundários controláveis já são bem mais diferentes dos protagonistas, e não tão legais, mas possibilitam variações interessantes de gameplay. Cada personagem secundário tem uma única missão de história dedicada a ele, e as outras são opcionais, e seguem a seguinte fórmula.

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Pausa dramática para falar da fórmula.

Nessas fases, você começa jogando com um dos secundários até eles causarem algo inesperado que aconteceu em uma fase pela qual você já passou. Tipo um navio explode do nada em uma fase de história? Essas fases opcionais mostram qual personagem causou a explosão e como. E isso é super legal.

O lado ruim é que, depois da cena em questão, você é obrigado a jogar de novo tudo que aconteceu depois daquela cena, em uma versão ainda mais difícil da fase original. Porque uma coisa que Crash 4 realmente precisa é de mais dificuldade e conteúdo requentado. Comecemos por esse último.

CONTEÚDO REQUENTADO

Eu diria que esse é um problema dos jogos de plataforma em geral, mas Crash 4 repete muito seu conteúdo. Além desses casos dos personagens secundários, que são o uso mais interessante de repetições, tem MUITA coisa chata que você deve fazer se quiser cemporcentar o jogo.

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As fases invertidas modificam o visual com filtros interessantes.

Desde o primeiro jogo sempre teve a possibilidade de rejogar as fases como time trials, e isso continua aqui. Mas além disso, todas as fases têm versões invertidas. Isso é algo bem comum em jogos de corrida, mas é meio que a mesma coisa aqui. O que era direita agora é esquerda. Para colocar um tempero especial, essas versões têm filtros que podem deixar a fase mais bonita, como a imagem acima, ou mais difícil, como iluminação limitada e monocromática.

E daí tem as fases de flashback. Quase todas as missões de história têm fitas VHS em determinados pontos, que só podem ser coletados se você chegar até lá sem morrer. Caso vença o desafio, ganha acesso a uma fase especial. Tem literalmente dezenas dessas, e todas acontecem no mesmo cenário, e envolvem descobrir o caminho correto pulando entre caixas. O problema é que elas são muito repetitivas e monótonas, além de difíceis demais. Como respondem por quase metade das fases disponíveis no jogo, acaba sendo um excesso desnecessário, mais ou menos como os cometas em Super Mario Galaxy 2.

DIFICULDADE

Meu principal problema com Crash 4, no entanto, foi sua dificuldade. E sim, eu sei que a série Crash é famosa pela dificuldade. No entanto, eu senti que o pessoal da Toys for Bob resolveu focar por demasiado nisso. Apesar da fama, eu terminei todos os jogos da coletânea numa boa, sem nunca ficar frustrado, tenso ou de saco cheio. Além disso, consegui fazer 100% não no jogo inteiro, mas na imensa maioria das fases. Isso não aconteceu em Crash 4.

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Tem partes, especialmente nas telas “bônus”, que eu literalmente não sei como progredir.

A primeira fase de Crash 4 já me chamou a atenção por quantas vezes morri nela. Ela deve ter uma dificuldade equivalente a uma fase que, nos outros jogos, estaria na segunda metade da campanha. E daí em diante não tem uma curva de aumento de desafio, mas uma ladeira extremamente íngreme. Lá pela quarta ou quinta fase, Crash 4 já está ultrapassando os momentos mais cascudos dos três primeiros jogos, e isso nunca para de aumentar.

Ao terminar a campanha, eu não senti que tinha jogado um novo jogo do Crash 4, mas uma coisa masocore, estilo Celeste. Quer um exemplo, olha o vídeo abaixo. Para sua conveniência, eu já o configurei para começar num checkpoint especialmente cascudo, mas se não começar lá, vá direto para 5:40.

Essa fase não foi criada para divertir. Ela não representa bom level design. Ela parece ter sido feita para virar memes. Não à toa, o troféu conquistado quando você termina o jogo é mais raro do que muitas platinas.

PARQUE DE DIVERSÕES

Você sabe, eu sempre digo por aqui que as fases de um bom jogo de plataforma são como navegar por um parque de diversões. E definitivamente não é divertido para mim ficar repetindo o mesmo checkpoint dúzias de vezes até decorar o caminho e a movimentação das plataformas.

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Sai da frente, marsupial passando!

Sem exagero, nas últimas fases eu estava morrendo cerca de 40 vezes POR FASE. Isso é simplesmente demais para mim. Terminar uma fase não me deixava animado para jogar a próxima, mas me dava vontade de parar. E eu vi gente, como o review do Kotaku, onde o cara disse que morria mais de cem vezes em cada estágio. Eu definitivamente não continuaria jogando se esse fosse o meu caso.

ACESSIBILIDADE

Dito isso, o jogo até tem algum cuidado em se manter acessível, e em permitir que o jogador continue avançando. Morrer muitas vezes no mesmo checkpoint (de cinco para cima), começa a dar colheres de chá. Coisas como renascer com pontos de vida e até checkpoints extras no meio do caminho. E sim, essas são coisas que a série Crash sempre teve, mas aqui são realmente necessárias. A ponto de que o jogo já seria bem melhor se você pudesse ativar essas ajudas por conta própria, e jogar o tempo todo com todos os checkpoints e pontos de vida (mas isso não existe até o momento).

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É impossível não lembrar de Ratchet & Clank nesse cenário!

Ele vai além disso, no entanto. Uma coisa bem legal e bem útil é a opção de ter sempre um círculo abaixo dos seus pés. Isso ajuda MUITO para calcular os pulos mais exigentes. A dificuldade em julgar a profundidade é uma reclamação antiga em plataformas 3D, e isso, se não resolve totalmente o problema, diminui consideravelmente a frustração.

Outra coisa bacana é que você pode jogar no estilo clássico, com limites de vidas. Se acabar as vidas, você volta para o começo da fase. Ou então pode eliminar essa limitação completamente, e voltar sempre do mais recente checkpoint.

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Mesmo em 2D, o círculo ajuda bastante a acertar os pulos mais exigentes.

Mas de novo devo explicar como isso é literalmente necessário, dada a dificuldade de Crash 4. Nos três primeiros, mesmo com limite de vidas, eu passei literalmente o jogo inteiro com 99 vidas, pois morria muito menos do que aqui. Morrendo 40 vezes por fase, como aconteceu comigo nesse? Essas 99 vidas iriam embora rapidinho, e eu teria desistido do jogo bem rápido.

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A batalha contra Neo Cortex seria quase impossível sem checkpoints.

Isso também se reflete nos chefes, que têm vários checkpoints durante as batalhas. A questão é que essas lutas são tão difíceis que, sem esses checkpoints seriam quase impossíveis. Eu sinceramente acho difícil que teria tido paciência de passar da luta contra Neo Cortex se não tivesse checkpoints a rodo.

MAIS CELESTE 2 DO QUE CRASH 4

E essa foi a minha experiência. Ela foi marcada muito mais pela frustração de Celeste do que pela diversão e o sorrisão que os jogos originais de Crash colocaram na minha vida. E é claro que é assim. Já falamos várias vezes por aqui da tendência atual de os jogos serem cada vez mais difíceis.

É inocência minha pensar que Crash 4, lançado em 2020, seguiria a proposta diversão descompromissada de um jogo lançado em 1996, ao invés de a punição e frustração de um game moderno. Você sabe, esse afastamento dos jogos da diversão pura é algo que me deixa extremamente chateado, mas Crash 4 não é o culpado por isso. Ele está apenas seguindo a tendência da indústria.

https://delfos.net.br/super-mario-galaxy-de-cabeca-fria/

Ainda assim, fiquei com a sensação que estava jogando um daqueles milhões de clones de Dark Souls que não entenderam nada do jogo original e resolveram focar única e exclusivamente na dificuldade e na frustração e repetição que isso causa.

Pelo menos sempre teremos a Nintendo. Afinal, por mais que tome decisões estranhas e aparentemente aleatórias, seus jogos continuam sendo focados única e exclusivamente na diversão. E, na utopia da minha cabeça, é assim que sempre deveria ser.