Os Miseráveis, ou Les Misérables, como é mundialmente conhecido, é um livro muito famoso que talvez tenha ficado ainda mais famoso – ou pelo menos mais popular – ao ser transformado em um musical. E este musical até já virou um filme estadunidense de alto orçamento.
Assim, você pode pensar que este novo filme francês homônimo no mínimo contaria a mesma história. Não é o caso. Pelo que pude constatar, ele tem este nome por sua história se passar próxima a onde o livro foi escrito, e também representar, de certa forma, conflito entre classes. É, porém, uma obra totalmente nova.
Não é o primeiro nem o último caso de uma nova obra cultural que pega emprestado o nome de outra anterior. Fãs do bom e velho rock pauleira devem se lembrar que o Blind Guardian já lançou um álbum chamado A Night at the Opera. Neste exemplo, no entanto, eu diria que é bem difícil alguém em busca do clássico A Night at the Opera do Queen comprar por engano o disco do Blind Guardian.
Já no cinema é outra coisa. Trata-se de uma mídia que fica incansavelmente contando sempre as mesmas histórias. Assim, se você vê um filme chamado Os Miseráveis (ou Romeu e Julieta, ou Dom Casmurro), é de se esperar que é uma nova recontagem da história clássica. Assim, muita gente pode sair bastante decepcionado de uma sessão deste filme do Ladj Ly.
CRÍTICA OS MISERÁVEIS 2019
Longa introdução finalizada, vamos finalmente à crítica Os Miseráveis 2019 propriamente dita. Aqui acompanhamos um trio de policiais. Dois deles estão na mesma posição há dez anos, mas o terceiro é um novato que acaba de ser acoplado à brigada.
Os dois macacos velhos não são exatamente corruptos, mas abusam de sua autoridade com frequência. O novato, claro, quer fazer o trabalho da polícia com educação, gentileza e de acordo com as leis.
Do outro lado da sociedade temos a comunidade, composta basicamente de pessoas negras. Tem o “prefeito”, que recebe dinheiro do governo para manter a paz, e tem um grupo de muçulmanos, em sua maioria criminosos reformados, que vêm recrutando cada vez mais jovens para a sua religião.
Neste cenário, o roubo – ou seria rapto? – de um filhote de leão, pertencente ao circo local, é o estopim que inicia a história toda.
DIA DE TREINAMENTO ENCONTRA TROPA DE ELITE
Como base de comparação, eu diria que Os Miseráveis 2019 se encontra tematicamente entre Dia de Treinamento e Tropa de Elite. Narrativamente, porém, ele puxa bem mais para a tensão do primeiro do que para o humor do segundo.
As coisas realmente ficam tensas por aqui. Ao mesmo tempo, trata-se de um filme lento, que desenvolve sua história sem pressa. Ele demora bastante para mostrar onde está querendo chegar, mas eventualmente chega, e daí a coisa engrena.
O filme trata de temas bem sérios, como disputa entre classes/raças/religiões, abuso de autoridade e mesmo até que ponto os profissionais da lei são responsáveis pela violência que deveriam combater. E faz isso bem, com uma profundidade respeitosa à importância de seus temas.
O miolo saboroso é, no entanto, sanduichado por um começo lento e um final deveras apressado. Este é mais um daqueles filmes que buscam um final aberto, mas têm a ideia errônea de que para isso basta cortar sua última cena antes de ela terminar. É uma postura preguiçosa, que acaba empurrando os 100 minutos anteriores para baixo e, no fim das contas, tirando metade de um Alfredo da nota final.
Ainda vale a assistida, mas você vai sair com a impressão de que assistiu a meio filme.