Embora eu tenha deixado de acompanhar as HQs do Homem-Aranha do universo regular da Marvel (a Terra 616) há muito tempo, lá pela época da famigerada Saga do Clone, continuei acompanhando sua versão Ultimate. Desta forma, testemunhei a morte do Peter Parker daquele universo, o surgimento de Miles Morales e sua jornada para se tornar o novo Homem-Aranha.
E continuei lendo suas histórias até a despedida de seu criador, Brian Michael Bendis, quando este resolveu, após décadas de serviços prestados, trocar a Marvel pela Distinta Concorrência.
E Miles foi um dos grandes acertos recentes da Marvel, um garoto negro, de ascendência latina, mais jovem até do que Peter era quando vestiu o uniforme pela primeira vez. Com ele, novamente tínhamos um Homem-Aranha adolescente, agora modernizado, com problemas aos quais toda uma nova geração poderia se relacionar. O personagem fez tanto sucesso que, mesmo quando a Marvel resolveu encerrar seu universo Ultimate, salvou Miles passando-o para seu universo regular.
Agora, com Homem-Aranha no Aranhaverso, Miles tem a chance de conquistar toda uma parcela do público que nunca leu suas aventuras pela nona arte. E não é uma tarefa nada difícil. Afinal, o filme é a melhor coisa que a Sony fez relacionada ao escalador de paredes desde o já longínquo Homem-Aranha 2 de Sam Raimi.
DOES WHATEVER A SPIDER CAN
A trama da animação é uma adaptação livre da origem de Miles nos quadrinhos da linha Ultimate, misturada ao conceito do Aranhaverso, Homens-Aranhas de diferentes Terras paralelas que precisam se unir para combater uma ameaça em comum
Enfim, vemos o garoto sendo picado pela aranha radioativa, descobrindo seus poderes e, sem tempo para aprender a usá-los, tendo de assumir o manto de Homem-Aranha na sua Nova Iorque para deter uma ameaça que pode destruir não só o seu mundo, mas os milhares de universos alternativos existentes.
Claro, dada sua inexperiência, ele precisa de um tutor, e o encontra na figura de um Peter Parker envelhecido e barrigudo de outra Terra que vai parar no mundo de Morales por acidente.
Muitos elementos das HQs estreladas por MM estão presentes, como seus pais, a Academia de Visões do Brooklyn e o tio Aaron, o qual o sobrinho que o idolatra não sabe que é o criminoso Gatuno.
Para quem conhece suas histórias, é um deleite acompanhar esta adaptação animada e rever seus primeiros passos para envergar o pesado manto outrora usado por Peter Parker. Para quem não conhece, todo um novo mundo acaba de ficar à sua disposição.
THWIP!
Visualmente, a animação é simplesmente de cair o queixo. É um dos desenhos mais bonitos que já vi. Ele simplesmente é um gibi em movimento, não há forma melhor de definir.
Os desenhos são todos pontilhados, como os gibis antigos eram colorizados, algo próximo de hachuras. É simplesmente muito bonito. Os cenários são tão caprichados e cheios de detalhes que sempre há alguma coisa para admirar.
E mais, em vários momentos ele apresenta recordatórios, balões de pensamento, onomatopéias e efeitos diversos (como as típicas linhas em volta da cabeça que representam o sentido de aranha em ação) e divisão de quadros como painéis de um gibi. Nesse sentido, ele é uma versão ainda mais trabalhada daquela montagem quadrinística que todo mundo gosta do Hulk do Ang Lee.
O design dos personagens ficou muito bom e outra grande sacada foi mudar o estilo de animação para cada versão diferente do Homem-Aranha que aparece. Assim, o Homem-Aranha Noir é desenhado em preto-e-branco, a versão japonesa é feita com traços típicos de anime e por aí vai. E tudo isso combina muito bem à estética geral da animação.
EU NÃO TENHO UM JIPE NEM UM AVIÃO
Há também um monte de easter eggs e referências do universo aracnídeo espalhadas por todo lado, coisas que agradam todo mundo, desde quem só conhece o herói pelos filmes até o fanboy mais hardcore.
E claro, muito do filme é centrado na jornada de Miles para ser digno do nome e do uniforme de um dos heróis mais queridos da cultura pop. Sob este viés, o filme é uma gigantesca homenagem ao legado de Peter Parker e à velha máxima aprendida com o tio Ben de que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
E vem também muito humor, outra máxima do personagem que está no ponto aqui, especialmente na versão mais velha de Peter que vira uma espécie de tutor acidental de Miles e tem todo o típico senso de humor patenteado do Homem-Aranha acrescido de um certo cinismo que só os anos a mais podem dar. A relação entre os dois é muito boa.
EU CHAMO ISSO DE TRECO
A trama em si talvez seja o ponto mais baixo da película, visto que não é exatamente algo tão criativo assim. Na verdade, é algo que vira e mexe acontece nas HQs. Mas todo o clima de que isso é um gibi animado contribui para que essa trama típica, ao invés de se tornar um ponto fraco, acabe fazendo todo o sentido no contexto da animação.
Ela é como um daqueles eventos envolvendo os diversos títulos do personagem, algo que você lia numa tarde durante o lanche. O filme tem esse sabor, uma HQ com gostinho de passado, mas com personagens e situações modernizadas, uma perfeita matinê quadrinística, com direito até a terceiro ato totalmente lisérgico, com o maior jeitão das tramas mais piradas dos quadrinhos, o que casa muito bem com uma aventura animada.
AMIGÃO DA VIZINHANÇA
Caso o Peter live action de Tom Holland continue sob supervisão da Marvel, a Sony ao menos achou um caminho para lá de promissor para continuar explorando o universo relacionado do teioso, com inúmeras possibilidades. Vamos apenas fingir que Venom nunca existiu…
Assim, Homem-Aranha no Aranhaverso corresponde às mais altas expectativas. Eu sei que a minha estava assim quando fui assistir e saí mais do que satisfeito, com um sorrisão na cara.
Sem contar o deslumbre visual que por si só já é mais que suficiente para merecer ser visto na tela grande do cinema. Ainda bem, ele não é apenas estética, tendo também muito coração, humor e aventura, todos elementos essenciais para uma boa história do cabeça-de-teia, quer ele se chame Peter Parker ou Miles Morales.
CURIOSIDADE:
– Há uma cena pós-créditos. É hilária e relacionada a alguém que eu gosto tanto que quase pulei da poltrona de empolgação.