O delfonauta dedicado sabe que eu sou um grande fã dos point and clicks lançados pela Lucasarts nos anos 90, e também que considero que este gênero envelheceu muito mal. Pois como alguém com essas opiniões, eu fico bem feliz em ver que o estilão vem evoluindo em jogos mais modernos. Ainda que, no caso de Forgotton Anne, esta evolução venha através de uma mistura de dois jogos dos anos 90.
LUCASARTS + FLASHBACK
Forgotton Anne é, em seu coração, um point and click. No entanto, suas mecânicas em muito se assemelham às minhas primeiras lembranças de jogos de plataforma com gráficos poligonais. Pense em jogos como Prince of Persia (o primeirão) e, principalmente, Flashback.
Forgotton Anne tem gráficos sensacionais com estética de animês e animação fenomenal. Isso não significa que ela está a 60 fps. Aliás, se eu fosse chutar, diria que está a 24 fps, o mesmo utilizado em animações para cinema, pois esta é a cara do jogo. Cada frame é cuidadosamente desenhado a mão e com muito capricho.
Isso significa que, assim como em Flashback e Prince of Persia, os movimentos são lindos, mas são durões. Girar de um lado para o outro, por exemplo, deve levar cerca de um segundo. Pular, escalar e todos os demais movimentos possíveis são igualmente demorados graças à sua animação cuidadosa.
Assim, embora tenha, sim, influência de jogos de plataforma, Forgotton Anne é mais deliberado e lento do que um Super Mario. Além disso, a mecânica de plataforma envolve pular e segurar nas beiradas, exatamente como nos dois clássicos citados.
AS COISAS ESQUECIDAS
O forte do jogo, no entanto, não é seu lado de plataforma. O que temos aqui é uma bela fábula, cheia de personagens adoráveis e um humor muito simpático.
A história se passa em um mundo habitado por objetos perdidos. Sabe as meias, canetas e clipes que você perde no dia a dia? Pois é, elas são teleportadas para o mundo de Forgotton Anne, onde ganham vida e sonham com o dia que vão voltar a cumprir sua função. Um sapato esquecido, por exemplo, anseia pelo dia em que poderá novamente sentir um pé. Estes objetos animados são chamados de Forgotlings.
Você controla Anne que, ao lado de Bonku, são os dois únicos humanos dessa terra. Bonku está prestes a concluir a obra de sua vida, uma ponte que vai possibilitar que ele, Anne e alguns objetos escolhidos retornem para o nosso mundo.
Porém, há uma rebelião de alguns forgotlings que querem impedir que a tal ponte seja construída. No início do jogo, os rebeldes fazem um grande ataque. Anne, que tem a função de enforcer (algo tipo um policial), tem como objetivo encontrar os culpados pelo ataque e garantir que eles não atrapalhem mais.
Ao ler esta sinopse, você já deve ter uma boa noção do caminho que a história vai seguir. Porém, é tudo feito com tanto capricho e tanto charme que, mesmo sem surpresas, é um prazer chegar lá.
POINT AND CLICK
Você tem o poder de matar instantaneamente qualquer forgotling (embora o jogo não permita fazer isso com frequência), mas este não é um jogo de ação. Não há combate, ou morte. Você basicamente navega pelos cenários (onde entra o lado de plataforma), encontra personagens e conversa com eles.
No caminho, há vários puzzles. Se nos point and clicks clássicos, os quebra-cabeças envolviam pegar itens e usar nos lugares certos, aqui eles são mais tradicionais. Basicamente, envolvem a transmissão de energia de um ponto a outro, ou levar bolinhas em um tabuleiro para o lugar certo.
São raros os casos de desafios que não se encaixam nestes dois. Perto do final do jogo, há um envolvendo elevadores que é bem interessante. Isso não significa que Forgotton Anne é chato. Mesmo em momentos de simples locomoção, o jogo se dá bem, muito por causa do seu visual impressionante. Durante todo meu tempo com ele, eu mal podia acreditar quão bonito ele era. Eu realmente me senti no controle de um desenho animado. Além disso, há partes bem divertidas mesmo sem desafio, como uma emocionante perseguição pelos telhados da cidade.
A história é totalmente falada, e cada um dos objetos tem uma voz tão doce e adorável quanto seus designs. Tirando a abertura e alguns momentos pontuais que duram poucos segundos, tudo é contado através da câmera lateral tradicional de jogos 2D. Há alguns movimentos estilosos, especialmente zoom, para dar um sabor mais cinemático à coisa toda, mas dificilmente há mudança de ângulo.
PERSONAGENS INESQUECÍVEIS
O que você mais vai lembrar do jogo, no entanto, são seus personagens. Assim como nos clássicos da Lucasarts, há uma mistura entre nonsense e fofura que muito me agrada. O destaque vai para o inspetor Magnum, um revólver que é fã da sua personagem e que é totalmente trigger happy. E assim como nos melhores animês (é impossível não lembrar do estúdio Ghibli), há uma saudável dose de filosofia e diálogos inteligentes ao longo de toda a narrativa.
Para ser sincero, eu comecei a jogar Forgotton Anne esperando um jogo de plataforma mais tradicional, e admito que me decepcionei ao ver que era algo mais narrativo. Felizmente, não demorou para ele me conquistar totalmente, e me deixar com bastante dificuldade para parar de jogar, ainda que ele salve com frequência.
FORGOTTON ANNE
Com uma duração que fica entre as seis e oito horas, devo dizer que o achei um pouco longo demais. O fato de sua história não ser exatamente única ajuda no fato de ele parecer se arrastar um pouco. Tem momentos que você sabe que estão chegando muito antes de eles acontecerem, e mesmo assim demoram pra caramba para rolarem, por exemplo.
A movimentação também pode ser um tanto dura para jogadores mais jovens acostumados com jogos de plataformas mais rápidos. Se você jogou e gosta de Flashback e Prince of Persia, no entanto, isso não será um problema.
O mais importante é que este é um daqueles raros jogos que, como em Monkey Island ou outros clássicos, cada personagem encontrado é um deleite e uma novidade por si só. Isso o torna altamente recomendável para qualquer pessoa que curta games como uma mídia narrativa.