Deus da Carnificina

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O delfonauta dedicado sabe que eu não vou com a cara do Roman Polanski. Afinal, ele estuprou uma criança, foi condenado e fugiu antes que pudesse ser preso.

Deus da Carnificina é sua obra mais recente, na qual o polêmico cineasta se arrisca justamente no meu gênero preferido: filmes levados por diálogos. Sinopse curta: quatro pessoas passam 80 minutos conversando em uma sala de estar.

Quer saber mais? O filho de Jodie Foster com John C. Reilly foi agredido em um parque. Eles resolvem chamar os pais do agressor (Christoph Waltz e Kate Winslet) para uma conversa civilizada, na tentativa de resolver o problema. Obviamente, a coisa vai acabar ficando tensa.

Na divulgação geral do filme, e da peça de teatro que o inspirou, é dito que o menino sofreu bullying. Não é bem o caso. Foi uma discussão verbal que se tornou física. Isso faz toda a diferença, afinal, em bullying existe claramente uma vítima e um vilão. Uma briga tem dois lados, e é possível que a parte que saiu machucada seja a vilã.

Isso dá uma tridimensionalidade ao tema, pois não dá para dizer que um dos moleques é claramente o vilão, mas acredito que a história renderia mais se fosse de fato um caso de bullying. Dá para explorar muitas nuances quando se está discutindo sobre uma criança que nenhuma pessoa sã defenderia. Será que os pais defenderiam?

Enfim, isso é hipotético, então vamos falar sobre o filme em si. E é um excelente filme, amigo delfonauta. Talvez até o melhor de Roman Polanski, que aqui dá um show na direção.

Os atores também merecem ser aplaudidos de pé. Durante boa parte do filme, a conversa é perfeitamente civilizada, e você percebe os sentimentos reais deles não pelo que eles falam, mas puramente pela atuação. Uma dica é olhar sempre para os personagens que não estão falando. Acredite, você vai se impressionar com a qualidade desse quarteto e com a forma que eles conseguem deixar suas distintas personalidades e opiniões claras apenas pelo olhar ou pela linguagem corporal.

Christoph Waltz, que se tornou um queridinho dos delfonautas depois de Bastardos Inglórios, talvez seja justamente o que menos se destaque aqui. Não porque sua atuação esteja ruim, longe disso, mas porque seu personagem é o que tem menos cores e nuances. O cara é um grandessíssimo filho da p$#@ e não esconde isso desde sua primeira fala. Todos os outros vão se revelando conforme o filme se desenrola, e então acabam tendo muito mais espaço para brincar com suas emoções.

Durante mais da primeira metade do filme, estava decidido a presentear Deus da Carnificina com o Selo Delfiano Supremo. O único problema que tenho com o longa nessa parte é o incessante celular do Christoph Waltz. Sim, obviamente isso terá um papel na história e no desenvolvimento da conversa, mas cada vez que o cara atende o telefone, o assunto principal para, e dá aquela sensação de “pausa para os comerciais”.

Infelizmente, ao contrário do que se pode esperar, conforme a tensão cresce, o filme diminui. Acontece que os pais acabam saindo do tema principal e entrando em coisas nada a ver. Começam a falar sobre casamento, sobre charutos e coisas assim. Invariavelmente, o negócio vai totalmente para um lado “meninos X meninas”, o que considero muito menos interessante e relevante do que o tema em pauta na discussão. E é uma pena, mas eles não chegam a voltar ao assunto até o repentino final, que também é outro ponto bem fraco. Esse terceiro ato não é ruim. Mas os primeiros 40 / 50 minutos são tão absurdamente sensacionais que dá uma boa esfriada na empolgação inicial.

Ainda assim, Deus da Carnificina é um filmão, e representa um gênero com poucos representantes. Se você também é fã de filmes focados em diálogos, não tem desculpa para perder.

DICA DELFIANA:

– E se você é fã do gênero, outro que não pode perder é Amargo Reencontro (Tape no original). São três pessoas conversando em um quarto de hotel. O diretor é o Richard Linklater (aquele de Escola de Rock e Antes do Amanhecer) e o elenco conta com Uma Thurman e Ethan Hawke.