Dream Theater – A Dramatic Turn of Events

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Antes de mais nada, devido aos atuais acontecimentos cercando o Dream Theater, é impossível fazer uma crítica mais concisa, menor e mais direta, que seja exclusivamente sobre o novo álbum. Comparações em situações como essa são inevitáveis. Se você acompanhou a “novela Portnoy”, sabe do que estou falando.

Ao terminar de ler este texto, provavelmente irei ler comentários do tipo “fã old school hardcore que diz que na sua época era melhor”. Sorry, guys, mas tudo que coloco neste texto é como me sinto. Poderia fazer de outra forma para evitar esses comentários, mas não estaria sendo honesto.

O fato é que com A Dramatic Turn of Events, nova bolacha do Dream Theater, estou com a toalha na mão. No próximo álbum talvez a jogue, talvez não. Por isso o disco mais importante da carreira da grande banda de metal progressivo é o próximo, não este.

Mas como, cara-pálida?

MINHA RELAÇÃO COM A BANDA

Conheci o Dream Theater em 1992, eles estavam na turnê do Images and Words. Fiquei estupefato, para dizer o mínimo, com o som dos caras. Imediatamente fui fisgado e, ouvindo apenas um trabalho, os elegi a minha banda favorita de todos os tempos.

Ouvi o When Dream And Day Unite e, mesmo com a diferença de vocais, também fiquei surpreso ao constatar que nenhuma banda naquela época fazia aquele som. E não me venham falar de Yes e King Crimson como antecessores da coisa. O som de John Petrucci e companhia é bem diferente, embora tenha influência desses dois gigantes. Já ouvia as duas, mas não tinha me fisgado como o Dream Theater. Nas duas, sentia falta de algo que poderia colocá-las em um patamar maior para mim. E esse algo achei no Dream Theater.

A cada álbum lançado, um orgasmo diferente – mesmo no tão criticado e hoje mais aceito Falling Into Infinity – e foi assim durante muitos anos em que eu mostrava o som para outras pessoas e ouvia coisas como “do que diabos ele está falando?”.

Essa minha visão praticamente divina do trampo dos caras continuou até o Six Degrees Of Inner Turbulence. Até ali, ainda eram pra mim a maior banda de todos os tempos (na verdade, o Queen está acima, mas é que os ingleses são hour-concours no meu coração).

Aí veio o Train of Thought e um sinal amarelo foi aceso. O disco é muito bom, mas a falta de solos – para o “padrão Dream Theater de qualidade” – e uma verve mais new metal fizeram com que ele fosse mais difícil de descer. Havia alguma coisa estranha. Algo inexplicável.

E veio um disco após o outro depois desse. E os problemas, que eu não conseguia identificar, foram aparecendo cada vez mais até chegar ao inexplicável Systematic Chaos, o ponto mais baixo até então.

Com Black Clouds & Silver Linings houve uma leve melhora, mas longe do suficiente. E com o recém-lançado A Dramatic Turn of Events houve nova melhora em relação ao anterior, embora não o suficiente para ganhar um meio Alfredo a mais. E é ele que me dá todas as informações de que preciso para entender o que está acontecendo com esses caras.

FEELING. NADA MAIS QUE FEELING

Eu tenho um amigo e ex-patrão que curte metal e afins e sempre criticou o Dream Theater pela falta de feeling em suas composições. Eu sempre discordei. Sempre achei que a banda equilibrava de forma épica o feeling e a técnica. Cada nota, cada riff, cada solo me faziam sentir coisas inéditas até então e, eles tocavam de forma tão complexa que julgava impossível para meros seres humanos. Tocar habilmente uma guitarra de forma insana, Yngwie Malmsteen já havia demonstrado ser possível. Assim como o Steve Vai e o Joe Satriani. Mas juntar caras desse mesmo nível ou maior em uma única banda era insano demais.

A cada dois anos, um disco novo, alegrias novas, novas reações. E esse ciclo continuou por muito tempo. Até que veio o malfadado Train of Thought. E, como salientei antes, os álbuns continuaram vindo, cada vez piores. Fiquei triste por ver como a banda tinha piorado tanto. E aí veio a novela Portnoy, que culminou na saída do mestre das baquetas e mais novelas decorrentes dessa saída.

Mas eis que A Dramatic Turn of Events e o próximo e – obviamente – ainda sem título – é que vão dizer quem tinha razão. Para quem não lembra, para Portnoy, a banda deveria ter um período de descanso, uma pausa. Um período grande para “recarregar as baterias”. Petrucci, James LaBrie, Jordan Rudess e John Myung não partilham da mesma opinião. Ali eu comecei a sentir o que eu acho que está acontecendo com eles.

Não há mais liga entre os membros da banda. Não rola mais aquela garra, aquela vontade de compor, de viver o dia a dia juntos. É isso, as músicas de Train of Thought em diante não tinham mais feeling. Era um monte de boas ideias no meio de outras medíocres e entediantes. Agora eu concordo com o meu amigo e ex-patrão.

Em entrevistas, Petrucci e companhia insistem em dizer que agora estão renovados, “livres do controle de Portnoy”. Lances ditatoriais à parte – se é que chegava a esse nível – agora é a hora do vamos ver. E por que isso acontece? Porque A Dramatic Turn of Events merece mesmo o nome que tem, e isso não tem nada a ver com a saída de Portnoy, como o nome sugere, mas por algo que talvez os membros remanescentes nem tenham percebido.

UMA VIRADA DE EVENTOS DRAMÁTICA… MAS NÃO TÃO DRAMÁTICA

O novo trabalho do Dream Theater demonstra um feeling maior do que os dois últimos álbuns. Reflexo, provavelmente, dos membros sentirem que tiraram um peso das costas quando mandaram Portnoy embora. Na primeira audição, não tinha ouvido nada diferente dos últimos álbuns. Na segunda audição, o feeling – ao menos o pouco que tem – começou a transparecer para mim. Na terceira audição, prestei mais atenção na complexidade das composições e é aí que voltou a ficar ruim. Hoje, por “culpa” do próprio Dream Theater, que Elevou as regras do jogo a outro patamar, há 9723754217312 bandas que fazem coisas mais complexas do que as que estão neste álbum.

As linhas melódicas na guitarra de Petrucci estão comuns até demais, com alguns lampejos de sua outrora incrível criatividade. Surpreendentemente, o baixo de Myung aparece um pouco – perto dos quatro últimos trabalhos, onde quase sumiu de vez, o que é lamentável para quem ouviu a época de Images and Words, Awake e Scenes From A Memory.

LaBrie, tão criticado por alguns – e eu não sou um deles, sempre curti o cara – já teve dias melhores em suas linhas vocais. Rudess é o mais esforçado, mas na vontade de mostrar novas ideias, há passagens em que simplesmente não há qualquer sentimento, onde parece que ele usa os dedos a esmo para parecer que está tocando alguma coisa.

Mike Mangini, o novo baterista, acredito que não pode ser julgado. Segundo consta, 90% da bateria e percussão do álbum foi criação dos outros membros da banda, de modo que ele só contribuiu com leve alteração nessa criação dos caras.

A primeira faixa, On The Backs of Angels, começa promissora, um resgate à época clássica da banda, mas não vai além disso. Isso mesmo já é muito, se comparado, mais uma vez, aos trabalhos mais recentes. Há até um ou outro pedaço – bem rápido, diga-se de passagem – que incomoda pela falta de feeling, mas no geral ela é até boa.

Build Me Up, Break Me Down renova as esperanças. Lembra muito novamente a época clássica, como uma mistura de composições tiradas do Awake com o Six Degrees Of Inner Turbulence. É uma das canções onde LaBrie parece ter ainda o fogo dos velhos tempos. Não curto muito as partes eletrônicas demais, talvez tenham exagerado. É legal nos trabalhos paralelos de LaBrie, tanto no solo quanto com o Mullmuzzler (banda paralela dele), mas não para o Dream Theater. O refrão é uma das partes que poderiam ter mais força, mesmo porque a estrofe anterior a ele parece ter mais força e, quando uma estrofe é mais forte que o refrão é porque tem algo errado.

A terceira, Lost Not Forgotten é outra que começa bem, em teclados até um pouco inspirados. E é só isso. Quando entra o peso, e logo depois os teclados, você fica com uma cara de “o que diabos acontece aqui?”. Depois disso, há uma base pouco antes de LaBrie entrar que parece melhorar a canção, mas que é muito comum, muito feijão com arroz para ser do Dream Theater.

Na sequência, This Is The Life resgata sensações do When Dream And Day Unite com seu dedilhado inicial, mas logo é quebrado por uma linha melódica bonita, mas que talvez não coubesse ali. Talvez em outra canção, mas não nessa. LaBrie começa bem, a banda parece entrosada em uma linha de raciocínio mais leve e bem cadenciada. Porém, algo acontece no meio e o trem desgoverna. Em algum momento, alguém parece perceber e a coisa, depois de muito tempo, volta a entrar nos eixos, tornando a faixa boa, mas que poderia render mais.

A quinta música, Bridges In The Sky, tem um início diferente, com um mantra de meditação e uma águia de fundo. Depois um coro característico de bandas de outros subgêneros de heavy metal. Não tem cara de Dream Theater. Parece comum demais, nada que outras dezenas de bandas já não tenham feito. Aliás, parece sobra do Six Degrees Of Inner Turbulence, como se fosse algo do tipo “não sabemos o que fazer, vamos usar algo que não usamos em outro disco”. Os vocais de LaBrie não contagiam, prejudicando ainda mais a composição, ainda mais sabendo que ele pode mais do que isso. A parte do solo não está exatamente ruim, mas não acredito que possa colocar um sorriso no rosto do ouvinte.

A sexta, com o nome de Outcry, faz esquecer completamente a faixa anterior logo em seu começo. Ela tem uma introdução, um desenvolvimento e uma cadência melhor. Aliás, melhor do que a maioria das canções desse álbum, mas está longe de ser a perfeição de músicas do início da carreira deles. E quando uma canção que é uma das melhores de um álbum não chega perto do que já foi feito por eles anos atrás, é mais um indício de que algo está realmente errado. Outcry mostra que aquela chama ainda existe entre os integrantes, mas que precisa mesmo de uma recarregada nas baterias.

Far From Heaven é o nome mais irônico, pois ilustra justamente a fase atual do grupo. É provavelmente a balada – se é que o Dream Theater faz baladas – mais sem graça de toda a carreira do grupo. Wait For Sleep e Space-dye Vest ainda são exemplos de “balada” (e ênfase nas aspas aqui) muito mais cativantes do que essa composição, que mal possui alma. Há um suspiro de alma ali, mas algo quase asmático.

Breaking All Illusions tem um início que lembra muito os tempos áureos desse quinteto, embora não tenha gostado muito de algumas passagens de teclado. A bateria parece um pouco contida, provavelmente porque o resto dos integrantes não tem a familiaridade com o instrumento que Portnoy tem, mesmo que Mangini tenha alterado levemente alguma coisa para parecer mais natural. Quando a linha-base da melodia começa, lembra coisas legais do Falling Into Infinity e LaBrie vem inspiradíssimo nos vocais. É de longe a melhor composição de todo o álbum.

Encerrando a bolacha, Beneath The Surface traz o momento de maior feeling do trabalho, desejando que todo o sentimento colocado nesta música estivesse no resto do álbum. Há uma linha geral aqui, como antes, diferente do que fizeram neste e em alguns dos álbuns mais recentes, onde atiraram para tudo quanto é lado. Poderia facilmente fazer parte de álbuns como Falling Into Infinity, Scenes From a Memory ou Six Degrees Of Inner Turbulence. É o melhor momento de LaBrie e Rudess, com toda a certeza.

OS ALFREDOS E PORQUE ESSA COMPARAÇÃO É IMPORTANTE

Pra mim, os álbuns do grupo poderiam ser classificados da seguinte forma:

Velha fase:
When Dream and Day Unite – 5 Alfredos
Images and Words – 5 Alfredos e Selo Delfianus Supremus
Awake – 5 Alfredos e Selo Delfianus Supremus
A Change Of Seasons – 5 Alfredos e Selo Delfianus Supremus (julgando apenas a música-título, já que o resto são covers ao vivo)
Falling Into Infinity – 5 Alfredos
Scenes From a Memory – 5 Alfredos e Selo Delfianus Supremus
Six Degrees of Inner Turbulence – 5 Alfredos e Selo Delfianus Supremus

Nova fase:
Train of Thought – 3 Alfredos e meio
Octavarium – 3 Alfredos e meio
Systematic Chaos – 2 Alfredos (estou de bom humor)
Black Clouds & Silver Linings – 3 Alfredos e meio
A Dramatic Turn of Events – 3 Alfredos e meio

Vamos ver bem: estamos falando de uma banda que conseguiu emplacar 5 Alfredos com o Selo Delfianus Supremos em três álbuns seguidos, e depois com dois álbuns seguidos. E ainda um deles sendo com apenas uma música, melhor do que 90% dos álbuns de qualquer banda antes dessa música ser lançada. Em sete álbuns, cinco Selos Delfianus Supremos. Isso é de respeito!

Agora, na nova fase eles sequer chegaram a quatro Alfredos. Tem ou não tem algo errado?

Antes a mídia e as pessoas sequer sabiam que eles existiam. Hoje, são aclamados pela crítica, pela mídia e por várias pessoas. É curioso uma banda ser aclamada justamente durante sua pior fase.

Eis que o próximo álbum se torna importante. É nele que Mangini provavelmente participará das composições e com certeza estará mais do que entrosado com o resto dos integrantes. E é nesse ainda inédito álbum que veremos se seus integrantes se sentem renovados, já que a composição já havia começado antes da escolha do novo baquetista (sim, “baquetista” mesmo, gosto de inventar coisas diferentes). Se depois do próximo álbum, a cotação alfredística continuar nesse mesmo padrão, aí sim jogo a toalha para os meninos de Berkeley.

A Dramatic Turn of Events é apenas uma introdução à nova situação deles. Vamos torcer para ser uma fase positiva.