5 coisas que você não sabia sobre cinema

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Nesses anos envolvido com o mundo do cinema através do DELFOS, em conversas com profissionais da área, acabei descobrindo algumas coisas que as pessoas ignoram e, em geral, atribuem motivos errôneos para elas acontecerem. Dessa forma, achei que daria uma matéria interessante explicar os reais motivos por trás de algumas coisas estranhas do mundo cinematográfico. Vamos nessa:

1 – SÓ O PRIMEIRO FINAL DE SEMANA IMPORTA

Com certeza o auspicioso delfonauta já percebeu como os estúdios costumam divulgar o faturamento da primeira semana de seus filmes e pouco se importam com o que vem depois, certo? Mas por que diabos isso acontece?

O que a lenda urbana diz: Que os estúdios são fãs da filosofia do QueenI want it all and I want it now ou, na nossa língua, eu quero tudo e eu quero agora.

A realidade: O acordo que as distribuidoras e estúdios costumam fazer com as redes de cinema é deveras curioso. Normalmente, na primeira semana, as distribuidoras ficam com uma parte erótica do faturamento (o normal é 75%, mas alguns filmes malvados e hypados, como Star Wars: Episódio I, chegam a exigir 90%) enquanto os cinemas ficam com as migalhas restantes. A partir daí, a porcentagem vai mudando, normalmente diminuindo em 10% por semana. Em outras palavras, quanto mais tempo o filme ficar em cartaz, melhor é para o cinema, e pior para o estúdio, que prefere ter uma nova estreia de sua autoria a cada semana.

Isso explica: Muitas coisas.

– O preço absurdo de ingressos, pipocas e afins, além de as malditas propagandas antes de o filme começar. Pense que, se um ingresso de cinema hoje custa cerca de 20 reais, apenas cinco lulas dessa quantia iriam para a rede. O pobre Cinemark e seus congêneres precisam conseguir recuperar o dinheiro de qualquer forma que puderem. E eles fazem isso como qualquer empresa normal faz: aumentando o preço e repassando o custo para o consumidor final – você. É por isso também que as sessões costumam ter mais de 20 absurdos minutos de propaganda antes da projeção começar, sem contar os trailers.

– Você certamente já percebeu que alguns cinemas menores que estão constantemente em dificuldades financeiras, como o Belas Artes de São Paulo, costumam passar os mesmos filmes por muito, muito tempo. Como eles não têm cacife para bancar a estreia de um blockbuster por semana, essa é a forma que arranjaram para se manter em funcionamento. E ganham um benefício não planejado de ficar com status de cinema cult.

– A oferta de filmes é muito superior à demanda. Ou vai dizer que você, amigo delfonauta fã da sétima arte, consegue assistir tudo que sai de interessante na telona? Caramba, graças ao DELFOS eu vou ao cinema três a quatro vezes por semana, e mesmo assim tem um monte de coisa que me interessa e que não consigo ver. Os estúdios fazem essa quantidade absurda de filmes para obrigar as redes de exibição a manter alta rotatividade e, dessa forma, seus lucros estariam sempre maximizados. Uma nova estreia toda semana substituindo a da semana passada significa pegar sempre a maior fatia do bolo.

Minha opinião: Particularmente, não acho que essa forma de negócios esteja intrinsecamente errada. Afinal, os estúdios investem algumas centenas de milhões de Clintons para produzir suas obras e a propriedade intelectual é, de fato, deles. As redes de exibição apenas exibem os filmes, o que tem um custo bem menor e nenhum trabalho criativo. Tendo dito isso, talvez fosse possível chegar a um outro modelo de negócios que fosse mais justo e não prejudicasse tanto o consumidor. Mas isso dificilmente vai acontecer, pois os estúdios são os maiores beneficiados com esse modelo e têm o poder para obrigar os exibidores a aceitar. Afinal, estes dependem dos filmes para se manterem ativos. Seria legal que funcionasse da mesma forma em outros campos, não é mesmo? Já pensou se a maior parte da renda de um disco ou de um livro/gibi fossem realmente para os autores?

2 – AS MALDITAS LEGENDAS BRANCAS

Todo mundo já ficou bravo com isso. O filme está lá, num diálogo tremendão e importantíssimo para a trama, mas a imagem é clara demais e as malditas letrinhas somem. Até o terceiro Austin Powers já tirou sarro disso. Eu mesmo já reclamei disso em alguns textos antigos aqui no DELFOS, quando ainda não sabia o motivo. Mas por que diabos isso acontece?

O que a lenda urbana diz: Brasileiro faz tudo nas coxas mesmo. Será que eles não percebem que o troço ficou ilegível?

A realidade: O processo de legendagem “queima” as legendas diretamente nos negativos do filme. Em outras palavras, é um processo de descolorização e, portanto, neste processo não é possível mudar as cores ou usar contornos para melhorar a legibilidade. Até existe outra forma de legendagem para que as legendas sejam de outras cores, mas a colorização dos negativos é consideravelmente mais cara do que a descolorização. Tão cara, aliás, que torna o processo quase inviável.

Isso explica: Porque as legendas na TV, DVDs, VHSs e afins são amarelas ou têm contornos e no cinema são sempre brancas. Em alguns casos (como em filmes nacionais com trechos falados em outras línguas), a legenda pode ser colocada digitalmente durante o processo de edição e, nesse caso, ela pode ter as melhorias supracitadas, normalmente disponíveis apenas em outras mídias.

Esse processo é feito para traduzir para o próprio país em que o filme foi feito e as legendas ficam marcadas no filme como acontece com os créditos iniciais, por exemplo. Um exemplo disso na prática é Ensaio Sobre a Cegueira. Isso significa que, se essa mesma versão for enviada para exibições internacionais, as pessoas do país receptor vão ver duas legendas ou então aqueles quadrados pretos horríveis tampando as originais e a parte da imagem do filme ocupada por elas. Isso era muito comum até os anos 80. Hoje, para evitar essa mutilação, é costumeiro a equipe de edição fazer uma versão internacional, sem essas legendas, e outra nacional.

Obviamente, é inviável os criadores do filme fazerem a tradução e a legendagem para todos os países aonde o filme será lançado (esse trabalho é normalmente feito pela distribuidora local), e é por isso que só temos legendas amarelas em obras nacionais ou com participação brasileira.

Minha opinião: Esse ainda é um problema grave hoje, mas no futuro só vai melhorar. Quando saiu Star Wars: Episódio III, só existiam umas duas salas digitais em São Paulo. Hoje existem tantas que isso nem é mais diferencial e você normalmente nem sabe se está assistindo a uma cópia digital ou não. Conforme o cinema digital se popularizar, o processo de legendagem poderá ser o mesmo usado para os DVDs/Blu-Rays e, nesse caso, pode ter certeza que as legendas terão contornos para permitir uma perfeita legibilidade.

3 – AS MALDITAS LEGENDAS ELETRÔNICAS

Se o amigo delfonauta realmente é um fã de cinema, sem dúvida já frequentou os festivais anuais que rolam nas grandes cidades brasileiras. E, se faz como a maioria de nós, que aproveita esses festivais para ver filmes que não terão lançamento comercial nem por aqui e nem na Argentina, sem dúvida já viu aquelas legendas luminosas vermelhas, que ficam fora da tela, muitas vezes sem sincronia (a sincronia é feita ao mesmo tempo que a projeção, por um operador que costuma ficar atrás da última fileira, e qualquer errinho ou falta de atenção do sujeito faz a legenda aparecer fora de hora). Às vezes é pior ainda. Não só você tem que acompanhar as legendas que ficam fora da tela, como o filme traz legendas em inglês na própria tela. Se você já esteve nessa situação, deve saber quão inconveniente isso é. Mas por que diabos isso acontece?

O que a lenda urbana diz: As legendas eletrônicas são usadas quando o filme não vai estrear no Brasil ou ainda vai demorar muito para estrear e, por causa disso, a distribuidora não teve tempo de terminar o trabalho de legendagem.

A realidade: Na verdade não tem nada tem a ver com a estreia ou não do filme em nossos territórios, mas com a cópia enviada. Muitos desses filmes de festival são completamente indies, não raro feitos por um cineasta no quintal da própria casa (o que nada tem a ver com a qualidade da obra ou com o talento do sujeito, como quem frequenta esses festivais bem sabe). Dessa forma, muitos deles simplesmente não têm dinheiro para fazer 666 cópias e enviar para o mundo inteiro. Eles até gostariam, mas as restrições financeiras e a ausência de um contrato de distribuição fazem com que os festivais sejam a única forma de mostrar seu trabalho para um público maior.

Assim, normalmente a cópia enviada ao festival é “emprestada” e deve ser devolvida da mesma forma que veio. No item anterior, aprendemos que o processo de legendagem queima o filme. Em outras palavras, é irreversível e inutilizaria aquela cópia para ser mostrada em qualquer outro lugar do mundo. A única solução então é usar uma legendagem “externa”, que fique fora da imagem.

Algumas vezes vemos essas legendas eletrônicas em filmes que nem são assim tão indies, mas o motivo é o mesmo. Significa apenas que a cópia que você está assistindo é uma cópia de festival, de propriedade dos autores, e deve ser devolvida da mesma forma que foi entregue. No caso de um lançamento comercial ser feito pouco depois, a distribuidora já terá suas várias cópias, e essas estarão legendadas normalmente.

Isso NÃO explica: As legendas em inglês, que muitas vezes fazem duplinha com as legendas eletrônicas em português. De fato, não explica. Por isso mesmo que vou explicar agora. Nesses casos, o autor considerou ser mais viável ele mesmo fazer a tradução de sua obra para o inglês e usar essa cópia para os festivais. Nem todas as línguas são tão fáceis para se encontrar tradutores como o inglês, o francês ou o alemão. Alguns tradutores são realmente raros e normalmente esses são os casos em que a cópia de festival vem legendada em inglês. Assim, o responsável pela tradução no país de exibição vai fazer o trabalho a partir da versão em inglês enviada pelos autores.

Minha opinião: Assim como no tópico anterior, conforme o cinema digital for popularizado, isso deve melhorar. Afinal, quando o cineasta enviar sua cópia digital, ele não ficará sem sua cópia original, então os responsáveis pelo festival poderão legendar o filme normalmente (de preferência com contornos para perfeita legibilidade).

4 – O QUE DIABOS FAZ O PRODUTOR?

Todos já vimos em anúncios de cinema coisas como “do produtor Jerry Bruckheimer” e muitas vezes essas coisas confundem as pessoas. Muita gente acha que Distrito 9 é dirigido pelo Peter Jackson e O Albergue é dirigido pelo Tarantino, apenas para citar dois exemplos de produtores sendo confundidos com os diretores. E isso é feito intencionalmente, já que os anúncios são criados com esse intuito, sobretudo quando os produtores são diretores famosos e os diretores são estreantes ou desconhecidos, como nesses casos citados. Mas o que diabos faz o produtor?

O que a lenda urbana diz: O produtor é quem coloca o money, money, money, cash, cash, cash no filme. Na real, esse é o papel do produtor-executivo, que normalmente cuida basicamente do lado legal e empresarial do negócio, sem direito de intervir criativamente.

A realidade: O produtor é o responsável por coordenar todos os processos do filme, desde contratar o diretor, angariar fundos, aprovar roteiros, além de ir atrás de tudo que seja necessário para a filmagem. Por exemplo, se o roteiro exige um helicóptero explodindo (e nós sabemos que qualquer roteiro decente exige isso), é a equipe do produtor que tem que arranjar o helicóptero e os explosivos. Ele é o grande chefão do filme e o responsável por trazer lucro para os estúdios, e por isso tem a pintudice necessária para interferir em tudo, muitas vezes arruinando todas as boas ideias da equipe criativa. Aliás, é a equipe de produção que leva o Oscar de melhor filme.

Isso explica: Um montão de coisas.

– Porque a gente sabe que um filme de determinado personagem de gibis, por exemplo, está sendo feito antes mesmo de ter um diretor ou roteirista. Isso significa que um produtor se interessou pela ideia e comprou os direitos.

– A onda de remakes, continuações, prequências e adaptações que vivemos no cinema mainstream de hoje. Os custos para lançar um filme estão cada vez maiores e por isso os produtores preferem investir em algo que já deu certo antes. Afinal, eles não são artistas, o negócio deles é encontrar ideias rentáveis e torná-las realidade. Dessa forma, a maioria deles não tem vontade de realizar projetos autorais próprios, por exemplo.

– No início do século 20, quando o cinema surgiu, todo o poder estava nas mãos dos produtores. Lá pela metade do século, os estúdios tiveram vários problemas que não serão explicados aqui para não sair do foco (mas que você pode descobrir facilmente com uma busca na Wikipédia) e o controle criativo foi para a mão dos diretores. No final dos anos 70 e início dos 80, com o surgimentos dos blockbusters (cujos grandes responsáveis foram George Lucas e Steven Spielberg), o controle voltou para os estúdios e, consequentemente, para os produtores. Hoje vivemos uma era em que os maiores diretores, como o Zack Snyder, nada mais são do que funcionários de produtores cuja função é fazer blockbusters da melhor forma possível para trazer dinheiro. Dessa forma, o único respiro de criatividade que sobrou em Hollywood está no cinema indie, onde diretores normalmente desconhecidos do grande público, mas com seguidores fiéis, conseguem realmente criar algo.

Minha opinião: Os produtores pintudões de hoje em dia simplesmente arruinaram o cinema, fazendo um monte de filmes iguais uns aos outros, com historinhas e fórmulas clichês e completamente desprovido de histórias criadas especificamente para a mídia. O último grande filme criado especialmente para o cinema de que me lembro foi Matrix e aí já vão mais de 10 anos.

Felizmente, os grandes estúdios encontraram uma forma de possibilitar que alguns cineastas criem algo: a criação de estúdios “indies” dentro dos majors. Por exemplo, a Fox tem a Fox Searchlight, que nada mais é do que uma subdivisão que permite que filmes sejam feitos com menos dinheiro e, portanto, com menos intervenção dos engravatados e mais autoria do diretor. Portanto, sempre que você encontrar algum “subtítulo” abaixo do nome do estúdio conhecido, já sabe o que significa. Existem também subdivisões com intenção semelhante, mas focadas em filmes de terror ou filmes B. No caso da Fox, este “estúdio” é a Fox Atomic.

5 – ATORES COMO PRODUTORES-EXECUTIVOS

Isso é interessante. Todos nós já vimos casos como Hugh Jackman sendo produtor-executivo de X-Men Origens: Wolverine, apenas para citar um exemplo. Mas será que nesses casos o ator realmente faz a função de um produtor-executivo, aquela que você aprendeu no tópico anterior? A resposta é simples: às vezes. Mas às vezes não. E nesses casos, o que diabos ele faz?

O que a lenda urbana diz: Que se você puxar a descarga três vezes e chutar o vaso sanitário com força, a loira do banheiro aparece.

A realidade: Essa é uma forma de aumentar o pagamento para o ator, ao mesmo tempo diminuindo o que o estúdio tem que pagar para ele. Sim, eu sei o que você está pensando. “WTF?”, certo? Mas é bem mais simples do que parece.

Suponhamos que o cachê de determinado ator seja 10 milhões de dólares. Daí o produtor, sagaz que só, chega pra ele e diz: “Ei, determinado ator, esse filme vai ser um sucesso. Por que você não investe metade do seu pagamento nele?”. Para melhores resultados, você deve imaginar que o produtor dizendo isso tem chifrinhos, pele vermelha e rabo com ponta em forma de lança.

O determinado ator, claro, acha uma boa ideia. Dessa forma, ele recebe apenas os cinco milhões de cachê, e no contrato dele consta que a outra metade foi investida no filme. Assim, quando o filme sair e faturar pelos tubos, ele vai ganhar uma parte do lucro. E essa parte, é claro, costuma ser bem maior do que o valor investido. Todo mundo fica feliz. O ator que ganhou mais, o produtor que pagou menos, e o delfonauta que finalmente teve esse paradoxo esclarecido.

Isso explica: O misterioso caso dos atores como produtores-executivos, ora pois. Quando os atores começaram a ter salários astronômicos, seus cachês passaram a responder por uma porcentagem muito alta da verba disponível para fazer o longa, muitas vezes inviabilizando a produção. Chegou ao ponto de os produtores terem que escolher se preferem ter determinado ator ou um helicóptero explodindo. Como nenhum filme é realmente bom sem helicópteros explodindo e nenhum filme faz sucesso sem rostos famosos, os produtores se viram em uma situação do tipo “se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”. E assim chegaram à terceira opção: a de pagar mais para o bicho, ao mesmo tempo em que comem ele. Ou algo assim, acho que me perdi na metáfora.

Minha opinião: Esse é o tipo de informação inútil que não faz diferença nenhuma para o espectador e serve apenas de curiosidade para iniciar conversas com garotas em baladas. Todos sabemos que a coisa que essas minas mais pensam é no papel do produtor-executivo, certo?

Se você quer saber mais sobre cinema, aguarde, pois semana que vem sai aqui mesmo no DELFOSMais 6 coisas que você não sabia sobre cinema”. Se você está chegando atrasado, seja bem-vindo. E leia a continuação, Mais 6 coisas que você não sabia sobre cinema, neste link.

Dependendo da repercussão, isso pode virar uma série e fazermos textos com as coisas que você não sabia sobre games, música, literatura, etc. Então se você gostou e quer ler outras, não deixe de indicar para os amigos (tem um botão chamado “indique” aí embaixo exatamente para essa função), e você também pode linkar essa matéria em blogs, Orkut, Facebook e afins. =)

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