Delfos Debate: O jornalismo e o diploma

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Nas últimas semanas, os círculos jornalísticos brasileiros entraram em polvorosa com a decisão do STF de que o diploma de jornalismo não é mais obrigatório para o exercício da profissão. Muitos espernearam, outros tantos concordaram e alguns argumentos interessantes surgiram, ou foram inspirados, por essa discussão.

Falando como um jornalista recém-formado, que pegou o diploma quentinho outro dia mesmo, não vejo, honestamente, nada de mais nisso. Grande coisa. Então não é preciso mais um pedaço de papel para trabalhar com comunicação de massas. O que vou fazer? Ficar bravinho porque passei quatro anos na faculdade e agora qualquer um que simplesmente estiver a fim de entrar no ramo pode ser um concorrente direto?

Essa parece ser a noção geral que a maioria tem do que vai acontecer, mas creio estarem enganados e, a meu ver, essa decisão não altera a profissão e seu mercado de trabalho em absolutamente nada. E pretendo explicar o motivo pelo qual acho isso nos próximos parágrafos.

Para começar, no último ano de faculdade (e apenas no último) tive aula de legislação jornalística e, bem, basta dizer que já antes dessa decisão do STF era possível fazer um registro profissional de jornalista sem ter o diploma. Claro, era reservado a casos especiais e possuía certas restrições que não se aplicavam a quem tinha o canudo, mas tecnicamente falando, pessoas com esse tipo de registro não deixavam de ser jornalistas. Estavam exercendo a profissão e não possuíam diploma. E, que eu saiba, ninguém gerou uma discussão ou uma polêmica por causa disso. Talvez porque só quem conhecesse a lei do jornalismo soubesse disso e, portanto nunca chegou a um âmbito tão grande quanto a decisão recente, que ganhou as manchetes dos principais veículos de comunicação de nossa terra verde e amarela.

Agora vou falar um pouco de minha experiência na faculdade. Honestamente, tudo que aprendi e me fez crescer em termos de técnica e estilo não veio dela, veio do trabalho prático. Aprendi muito mais sobre os meandros da profissão quando fazia parte da equipe fixa do DELFOS do que em quatro anos de curso superior.

Sim, o jornalismo tem algumas regrinhas, fórmulas e coisas do tipo. Mas não é preciso um curso de quatro anos para aprendê-las. Não estamos tratando de física quântica. Se você for um bom observador e um leitor costumeiro, basta ler os principais jornais e revistas do país com atenção e você logo vai perceber o padrão tedioso e o estilo “linha de produção” do jornalismo de massa brasileiro.

Não estou entrando na discussão do jornalismo imparcial, estou me referindo aqui apenas às regras de redação empregadas por estes veículos. Uma vez percebida a fórmula, não é preciso grande esforço para aplicá-la à sua própria escrita. Se você quer aprender a escrever, lamento informá-lo, mas não é na faculdade que isso vai acontecer. No máximo você será apresentado a diferentes estilos de escrita possíveis, mas se já não tiver um bom domínio do português e de organização de ideias no papel (ou na tela do computador), esse conhecimento não irá lhe adiantar de nada.

E outra, se o seu interesse for outro que não o jornalismo político, provavelmente você será negligenciado, ou ao menos foi assim comigo e com o Corrales na PUC de São Paulo. Havia muitas discussões sobre o jornalismo político, seus meandros, sua ética. Para quem queria se aventurar nessa seara, o curso deve ter sido bom. Para nós, voltados ao jornalismo cultural, restou chupar o dedo e ir aprendendo as manhas por conta própria. Até os trabalhos acadêmicos eram vistos de outra forma se fossem sobre entretenimento e não debate político (tipo: ficou bom, mas você devia ter escolhido uma pauta melhor). Agora, pior que ser ignorado, só mesmo ser tratado como inferior. E era exatamente isso que acontecia com o jornalismo esportivo (e os interessados nesse campo), vistos como a piada da profissão, o fim da linha para aqueles preguiçosos que só gostavam de assistir a jogos de futebol ou que não tinham talento. Triste isso, não? Nelson Rodrigues deve estar se revirando no túmulo até agora.

Mas àqueles preocupados que isso possa levar ao fim do curso superior de jornalismo, esqueçam. Isso não vai acontecer. Para qualquer emprego a que se concorra, quem tiver mais credenciais para mostrar no currículo leva vantagem. Exemplo: hoje em dia não basta falar inglês fluente, isso já virou pré-requisito. Você tem de saber também espanhol, e quem dominar ainda um terceiro idioma sai na frente.

Da mesma forma, a quem você acha que as empresas vão dar preferência: a quem tem um diploma do campo ou a quem não tem? Basta ver quando um grande veículo anuncia uma vaga em suas fileiras. Praticamente todos eles dão preferência a quem tem também MBA àqueles que só possuem curso superior. Para fazer um MBA, você precisa fazer faculdade. Se você fez uma de, digamos, arquitetura, bom pra você, mas estará em desvantagem contra quem cursou jornalismo e, supõe-se, já está em contato com a profissão. Logo, nada muda.

Aqueles que não têm diploma porque não puderam pagar uma faculdade, não conseguiram cursar uma pública ou simplesmente não quiseram fazê-la por seja lá qual motivo, mas querem ser jornalistas, vão ter a oportunidade de lutar por isso, o mesmo se aplicando a quem quer mudar de área (ou seja, tem diploma de outro curso). Mas o caminho mais seguro e garantido para entrar no meio, ainda é através do diploma da área. Então, é seguro dizer que os profissionais diplomados não perderam prestígio, como se acredita. Eles continuam na dianteira.

Outra coisa que muito se fala é se a não obrigatoriedade do diploma não traria muitas pessoas despreparadas para atuar no campo, sem falar em gente que, por não ter uma formação adequada, cometeria atos antiéticos e por aí vai.

Bom, meu amigo, você pode ter um certificado universitário do curso que for, mas isso não significa que você está preparado para o campo, que é um bom profissional e é o melhor no que faz. Vejamos uma pérola de sabedoria do mestre Jerry Seinfeld. Em um dos episódios, durante uma apresentação, ele fala de médicos, de como as pessoas sempre indicam seus médicos como os melhores. E os piores, ele pergunta, onde estarão? Porque alguém obrigatoriamente se formou em último lugar.

Então aquele cara que passou quatro anos na faculdade fumando maconha no pátio (oi, PUC!) ao invés de assistir aula, mas por alguma razão, geralmente chamada de QI (e não me refiro ao quociente de inteligência), consegue um emprego, mas continua com a mesma mentalidade retrógrada possui validação só porque tem um pedaço de papel?

Isso quer dizer que alguém que aprendeu por conta própria, na prática, ou que veio de outro campo não pode ser melhor que esse cara? Claro que pode, então não há por que restringir. Caso ele erre, as consequências serão menores. Não é como a medicina, ele não vai matar ninguém, no máximo vai ganhar apenas um belo de um processo nas costas para ficar mais esperto no futuro.

O que, convenhamos, não é exclusividade dos não diplomados. Sim, muitos com diploma de jornalismo diariamente violam o código de ética do campo, e pior, com plena consciência disso. Muitas vezes com o respaldo das próprias empresas onde trabalham. Então não será por causa desses novos profissionais que o campo irá piorar, ele já está ruim pela conduta questionável de muitos dos veículos que dominam a grande mídia. Nesse sentido, é seguro dizer que tudo vai continuar na mesma.

Uma das discussões mais interessantes da faculdade era justamente se blogueiros poderiam ser considerados jornalistas. Se blogs pequenos, de pessoas sem formação na área, poderiam ser considerados fontes de informação válidas e confiáveis. Muito se discutia, muitos argumentos surgiam e nunca se chegava a nenhuma unanimidade, ou mesmo a nenhuma conclusão.

A meu ver, a situação de agora não é tão diferente assim. Os problemas do jornalismo brasileiro continuarão, pois são de ordem maior do que a questão do diploma, que não vai desaparecer. Se você tiver um, não o queime de raiva, pois ele ainda lhe dará vantagem. E no fim das contas, desde que se faça um bom jornalismo, importa a formação acadêmica da pessoa? Eu acho que não.

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