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Na segunda metade do século XX, o mundo literário se viu balançado por autores novos, cujas obras despertaram um certo “interesse adormecido” pela leitura. Afinal, tudo o que é “tido como novidade” cai fácil na boca do povo. “Tido como novidade” pode ser empregado quando o assunto são as aventuras do professor de simbologia Robert Langdon. O protagonista de Anjos e Demônios e do best-seller (e põe best-seller nisto!) O Código da Vinci ficou famoso por conta das polêmicas religiosas provocadas pelo escritor Dan Brown.
Àqueles familiarizados com as “teorias de conspiração” e lendas acerca do Vaticano, a(s) obra(s) de Brown não são o Terceiro Segredo de Fátima. De qualquer forma, os livros são como um bom disco dos Ramones: de digestão e extremamente agradável.
O caldo desandou, porém, quando a história do Santo Graal foi parar nas telonas. Estilisticamente falando, Dan Brown pode não ter reinventado a roda, mas O Código da Vinci é denso o suficiente para que um David Fincher (diretor dos bombásticos Seven e O Clube da Luta) tocasse o projeto. Mas, a opção pelo blockbuster convencional e burocrático é muito mais atraente ($$$), e o carregador de pianos Ron Howard foi escolhido como diretor do (desastroso) filme.
Um tal de Khaled Hosseini se fez conhecer através de O Caçador de Pipas. Ao contrário de Dan Brown, Hosseini conseguiu algo mais do que uma literatura – por assim dizer – fast food.
A epopéia dos garotos Amir e Hassan se confunde com os trinta conturbados últimos anos da história de seu país, o Afeganistão. Felizes e sonhadores, assistiam à exaustão – repetindo fala por fala – ao clássico Sete Homens e Um Destino. Após um campeonato de pipas, Amir começa seu caminho de covardia, arrependimento e redenção. Hassan, por outro lado, é vitima de sua própria etnia (os Hazara, na época, considerada uma casta inferior). Mas sua postura é de uma comovente resignação, e o adjetivo que melhor o define, com certeza, é dignidade.
David Benioff roteirizou a história, e Mark Forster (diretor do superestimado e choroso Em Busca da Terra do Nunca) assumiu as rédeas da adaptação cinematográfica. Talhado de forma portentosa, O Caçador de Pipas – o filme – encerra um conjunto de equívocos que começam na abertura: exagerada, clichê e destoante da atmosfera dramática que permeia o longa.
Se no papel, Hosseini emociona e destila os mais nobres valores, a contraparte filmada nada mais é do que um longa-metragem burocrático e pretensioso. Não tem aquela sensação de soco no estômago, que certas passagens do livro magistralmente passam ao leitor.
Ponto para Harry Potter, caro delfonauta! A cada filme, a franquia melhora. Sem a menor pretensão artística, os livros e os filmes do bruxinho são diversão e ponto. Nada de Tom Hanks ostentando aquele mullet ridículo, ou o roteiro confuso d´O Caçador de Pipas. Sim, para que a metragem do filme não cansasse o público (cada vez mais superficial), muitos detalhes do livro de Hosseini, alguns CRUCIAIS, foram arbitrariamente suprimidos. O resultado é um desastre, mas talvez surja um DVD “versão estendida” no fim do túnel.
Francis Lawrence, o homem que destruiu Constantine, pôs as mãos na mais recente adaptação de Eu Sou a Lenda, terceira adaptação de I Am Legend, do escritor Richard Matheson. Muito se falou em uma seqüência que custou cinco milhões de dólares, mas o que se salva é o esforço do protagonista Will Smith. O filme até começa bem, mas desce a ladeira desenfreadamente.
Filmar obras concebidas para o papel não é novidade em Hollywood, ou onde quer que haja cinema. Tremendões como Alfred Hitchcock e Stanley Kubrick já o fizeram, e já em 1922, o alemão F. W. Murnau teve uma baita dor de cabeça por conta de um certo clássico: Nosferatu. A história do filme, um dos expoentes do expressionismo, é simplesmente uma adaptação não-oficial de Drácula.
A viúva do escritor Bram Stoker entendeu a jogada. Nomes dos personagens foram alterados, detalhes mexidos aqui e ali… e voilà: um Drácula para as telonas, a custo zero em direitos autorais. Mas a senhora Stoker não deixou por menos, entrando com um mandado judicial que quase eliminou o filme para sempre. Por sorte, nem todas as cópias foram destruídas (conforme ordenou a lei), e a sétima arte é mais rica com a existência de Nosferatu.
Ainda falando de horror, há uma dicotomia quando o assunto engloba O Exorcista e O Iluminado. Rodado em 1973, o clássico de William Friedkin teve o roteiro escrito pelo próprio autor do livro homônimo, William Peter Blatty. No segundo caso, o genial Stanley Kubrick pegou a obra de Stephen King e fez um filme de terror tão tétrico quanto cerebral – proeza conseguida com O Exorcista também.
O “mestre” (nem tanto) do terror se indignou ao ver que Kubrick havia promovido mudanças (leia-se melhorado) na história e fez beicinho em resposta ao cineasta. A urucubaca foi das brabas, já que o cineasta e a atriz Shelley Duvall concorreram ao famigerado Framboesa de Ouro em 1980. Mas o tempo fez justiça: o filme de Kubrick é hoje considerado um clássico. Já a mini-série produzida pelo próprio Stephen King para adaptar a história para a TV na década de 1990 não teve a mesma sorte.
O Exorcista é um exemplo de fidelidade à fonte. E rendeu, além de muita polêmica e três seqüências medíocres, os Oscars de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som. Mas ainda concorreu em mais oito categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz (Ellen Burstyn), Melhor Ator Coadjuvante (Jason Miller), Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair), Melhor Edição, Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte. Quer mais? Ganhou quatro Globos de Ouro: Melhor Filme – Drama, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair). Recebeu ainda outras três indicações a esse prêmio: Melhor Atriz – Drama (Ellen Burstyn), Melhor Ator Coadjuvante (Max Von Sydow) e Melhor Revelação Feminina (Linda Blair).
Transpor um livro ou HQ para a telona é uma tarefa inglória. Os envolvidos na produção têm que contar com a boa – ou má – vontade do autor, a pressão dos fãs e por aí vai. Em meados dos anos 90, a escritora Anne Rice demonstrou seu descontentamento com a escolha de Tom Cruise para o papel do vampiro Lestat, em Entrevista com o Vampiro. Depois do filme pronto, a mesma se retratou publicamente. Ainda que Tom Crise tivesse falhado, a obra (dirigida por um inspiradíssimo Neil Jordan) jamais se igualaria em ruindade à seqüência A Rainha dos Condenados.
O segredo de filmar uma obra literária está no talento dos envolvidos. Mas não é só isso: se o diretor e sua equipe tiverem apoio do estúdio, o projeto tende realmente a decolar. Isso já foi provado por A + B, e Christopher Nolan que o diga. Batman Begins deu certo e The Dark Knight promete ainda mais – sem falar em 300 e no recente 30 Dias de Noite, que estão muito acima da mera competência.
Agora, no meio desta confusão toda, ficam as adaptações de jogos. Mortal Kombat e a trilogia Resident Evil são de lascar! Street Fighter é uma piada de péssimo gosto. Bloodrayne e Alone In The Dark estão entre os piores filmes da história, e Doom quase chega lá… confesso que gostei de Silent Hill. Mas, no quesito “filme baseado em jogo”, ainda está por vir uma obra digna de se tornar clássica.
Antes que os fãs da trilogia O Senhor dos Anéis me mandem e-mails ameaçadores, a trilogia comandada por Peter Jackson é hors concours. Tolkien será eternamente grato.