Eu já falei muitas vezes aqui: não aguento mais mundo aberto. Atribuía esta minha posição a muitas coisas, entre elas o excesso de jogos no estilo e até mesmo minha idade. Pois agora é hora de calar minha boca enquanto escrevo esta análise Wavetale. Este se tornou o jogo de mundo aberto que mais me divertiu desde Miles Morales, o que deixou algo bem claro para mim. Eu não estou de saco cheio de mundo aberto…

MAS EU ODEIO O EXCESSO DOS MUNDOS ABERTOS MODERNOS

Também já falei por aqui que a movimentação é o mais importante em qualquer mundo aberto. E este é um dos motivos que torna os games do Homem-Aranha tão legais. Porém, em 2022, este não é o foco dos desenvolvedores. Para eles, mundo aberto serve para estender um game quase infinitamente a baixíssimo custo. É aquela história de ter uma campanha de 10 horas, daí enchem de sidequests e pontos de interrogação no mapa e cráu! Temos 500 horas!

Games como God of War Ragnarok não se tornam melhores ou mais divertidos por trazerem áreas abertas. Isso simplesmente aumenta uma lista de afazeres que te faz passar mais tempo com o jogo. Mas não é tempo de qualidade. Entra Wavetale, que fez tudo certinho, e assim fez com que este estilo de design o tornasse melhor, não pior.

ANÁLISE WAVETALE

Análise Wavetale, Wavetale, Zoink, Thunderful, Delfos
Surfe pelas águas!

Obviamente, não tenho isso como fato. Mas imagino que quando Wavetale começou a ser planejado, os desenvolvedores da Zoink e da Thunderful sabiam que queriam criar um jogo de mundo aberto. Então a primeira coisa que criaram foi a movimentação da protagonista.

Ela surfa e corre pelas águas. Ela voa (plana, na verdade). Até desliza por toboáguas e usa um gancho estilo Batman. Esta é a ideia correta. Ao pegar a personagem, e começar a brincar com ela, você já vê o potencial de Wavetale, mesmo que o mundo ainda não exista. E daí, claro, vem a criação do mundo, tendo em mente que deve ser um playground para incentivar o jogador a brincar com seus poderes.

PARALELAMENTE

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O mundo é mágico! Vamos explorar! Voando!

Paralelamente, imagino que quando planejaram God Of War (2018), eles tinham como missão vinda “de cima” deixar o jogo mais aberto. Não era natural para o personagem ou para a narrativa. Daí só enfiaram um barquinho lá e gravaram dúzias de conversas para passar seu tempo enquanto você rema de um ponto de interrogação para o outro.

Criatividade não é só tirar coisas do bumbum e torcer para darem certo. Há um processo criativo, algo que justifica algo ser do jeito que é. A decisão de se um jogo vai ou não ser mundo aberto, assim como tantas outras, deve ser criativa e ter motivação certa, não uma diretriz determinada pela equipe de marketing em busca de tempo de engajamento.

O MUNDO É SEU PLAYGROUND

Depois que você tem essa base, essa movimentação bacana, que torna um prazer simplesmente explorar o mundo, todo o resto se torna mais fácil. E vou dizer, Wavetale não faz nada de especial além da base. Suas missões e sidequests são todas do tipo “encontra meu livro” ou “acione três geradores”. Porém, a movimentação é muito agradável, então o contexto ou a história acabam sendo menos importantes.

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Outra coisa que é vital para o aproveitamento do jogo é que Wavetale não tem ambição de ser o último jogo que você vai jogar na vida. Muito pelo contrário, aliás. Dá para começar e terminar no mesmo dia, fazendo todas as sidequests. Assim, ele termina muito antes de ficar cansativo. Quando os créditos subiram, eu ainda estava tendo prazer com o jogo. Isso é totalmente o oposto do que senti quando joguei Assassin’s Creed Odyssey e pensei que ele era infinito.

Esta sensação, as famosas “500 horas de conteúdo” tem muito mais me estressado do que me dado prazer. Jogar algo desse tamanho vira trabalho. Eu passo o dia jogando, das 8 da manhã às 8 da noite, e sinto que a história quase não avançou, que eu só tirei algumas missões de um quest log quase infinito. É a mesma sensação de trabalhar em uma linha de montagem que nunca termina. Isso também é muito diferente de como eu me sentia antes na série, tipo em Assassin’s Creed II, em que eu fazia todas as missões com prazer, porque o jogo não durava tanto a ponto de encher o saco. Mas considerando o gênero e estilo de gameplay, talvez uma melhor comparação com Wavetale seja Bowser’s Fury.

ANÁLISE WAVETALE: PLATAFORMA 3D EM MUNDO ABERTO

A sensação de jogar Wavetale é bem parecida com a de Bowser’s Fury. Claro, este é um jogo independente, muito mais simples tecnicamente e com orçamento mais baixo. Mas o funcionamento é mais ou menos o mesmo.

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Em Wavetale, há algumas ilhas. Embora o mapa seja contínuo, sem carregamento entre elas, cada ilha e a região ao seu redor é como uma fase. Em geral, a história faz você passar por todo o playground, normalmente escalando. As sidequests, coletadas pelo caminho, costumam incumbí-lo de encontrar itens e retorná-los para os NPCs. Nenhuma delas é grande coisa, mas não são intrusivas e acabam servindo para incentivar uma exploração mais minuciosa. Afinal, se você encontrou o anel de noivado que o sujeito te pediu, por que não devolver a ele e pegar sua recompensa?

Como o jogo é curto e as sidequests não vêm de baciada, eu até tentei cumprir todas. Só não fiz 100% porque não consegui achar todos os itens e, como estava jogando semanas antes do embargo (esta análise foi escrita em 30/11/2022), não havia guias para me ajudar. Mas é bem provável que volte para o meu save neste final de ano para terminar o que faltou e, quem sabe, platinar.

NARRATIVA NA ANÁLISE WAVETALE

A história de Wavetale é bem típica de videogame, colocando os heróis contra uma corrupção que está infectando o mundo. Nada de mais. Porém, quase toda a história é contada através de cutscenes animadas e faladas, inclusive algumas bem longas. Há pequenas partes que são apenas escritas, mas o grosso é mais tipo um desenho animado.

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Claro, não espere de Wavetale a ténica de um Ratchet & Clank. O visual aqui é um low-poly tecnicamente bem simples, mas com um estilo atraente. Os personagens são bonitinhos e a maioria dos atores está bem.

Só é curioso quão cru o jogo é, considerando sua simplicidade gráfica. Quem manja mais da parte técnica de um videogame sabe o que significam termos como screen tearing (quando aparece um rasgo na imagem) e draw distance (quando detalhes do cenário vão aparecendo enquanto se aproximam). E mesmo quem não conhece os termos, já viu esses problemas, que estão bem presentes aqui. Além disso, há constantes quedas de framerate. É curioso, pois Wavetale tem uma versão nativa de PS5, e definitivamente não parece pesado demais nem para o PS4.

MISSÕES BEM FEITAS

Apesar do contexto narrativo ser quase uma desculpa para brincar, a boa notícia é que as missões de Wavetale são bastante lúdicas. Normalmente seu objetivo é chegar na parte de cima de uma estrutura, mas o caminho até lá é sempre – e todo mundo junto agora – uma delicinha. A coisa sempre envolve pular, voar, se pendurar e até passar por tobogãs que lembram bastante os trilhos dos jogos 3D do Sonic.

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Os tobogãs fazem as vezes dos sempre divertidos trilhos.

Assim, a parte de level design dos desafios de plataforma é muito legal, não deixando nada a dever aos campeões do gênero. Tem combate também, mas antes de eu me aprofundar nisso, vou fazer mais um intertítulo que o Zuckerberg tá reclamando.

PÔ, ZUCKERBERG!

O combate, ao contrário da movimentação, é bem básico. Há poucos tipos de inimigos e em geral você apenas aperta quadrado até vencer todo mundo. É suficientemente fácil e pontual para não encher o saco ou ser intrusivo no que o jogo realmente faz de bom, que é o pula-pula. Acaba servindo mais como um limpador de paladar entre duas sequências de plataforma.

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Tem até alguns poucos chefes mas, ao contrário do que costumamos ver por aí, apesar de ser dificuldade única, é tudo muito fácil. A protagonista recupera vida automaticamente e mesmo o último chefe não parece ser capaz de atacar rápido o suficiente para evitar que você se cure. O resultado foi que eu fui até o fim sem morrer nenhuma vez. E tudo bem, Wavetale é, por design, um jogo de baixo stress.

Tem até uma opção de acessibilidade chamada “vidas infinitas”, o que me fez torcer o nariz, pois você sabe que eu sou contra vidas limitadas. Porém, eu não morri nenhuma vez na campanha e não vi nenhum sinal de que realmente dá para levar um game over, então acredito que esse “vidas infinitas” deve se referir à barra de vida. Tipo, deve ser literalmente uma opção de invincibilidade. Legal que está aqui, para quem precisar, mas se for isso seria interessante deixar o texto mais claro, para o jogador saber o que está ativando.

ZOINK

Zoink é uma desenvolvedora que eu considero muito simpática. Gosto do visual de seus jogos e dos personagens que cria. E já resenhei vários de seus jogos. Mas convenhamos que eles nunca fizeram algo realmente bom, pelo menos não que eu tenha jogado. Em geral são jogos nada, ou divertidinhos, mas nada especiais.

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Assim, é com prazer que digo que Wavetale é provavelmente o melhor jogo no qual a empresa trabalhou que eu tenha jogado. Temos aqui um game redondinho, que sabia o que queria ser desde o início e construiu todas as plataformas necessárias para alcançar a qualidade almejada. E talvez tão importante quanto isso, não se perdeu tentando expandir a campanha além de seus limites, o que certamente teria deixado a experiência toda muito mais repetitiva e menos aprazível.

Então termino esta resenha dizendo que se você também está cansado dos excessos dos mundos abertos modernos, mas gostou do gênero em algum momento do passado, vale dar uma chance. Wavetale pode ter sido feito especialmente para você.