Um tema comum nas minhas resenhas de filmes nacionais é reclamar do fato de que quase nenhum sai da trinca nordeste/favela/ditadura. Assim, antes de mais nada, permita-me elogiar Um Lobisomem na Amazônia que não tem absolutamente nada de nenhum desses temas. Ok, cá entre nós, para sair do Brasil estereotipado, eu não faria um filme na selva, mas convenhamos: isso é preferível a mais um longa discutindo diferenças sociais. E, na defesa dele, a selva é realmente essencial para a história, especialmente para a identidade de seu vilão.
O vilão em questão é um cientista louco que, como todo cientista louco que se preza, gasta seu tempo isolado da sociedade criando monstros e mulheres gostosas. Apesar de ele aparecer logo no início, o nome dele é um imenso plot point a ser revelado próximo ao final, então não vou revelá-lo aqui.
Paralelamente a isso, um grupo de jovens bonitos, maconheiros, tarados e roqueiros (ok, talvez não roqueiros) vão passar uns dias na selva. Lá, eles começam a tomar drogas (ou nem tanto, já que é o Santo Daime), a fazer sexo e a morrer. Sim, amigão, Um Lobisomem na Amazônia é a versão brasileira de Sexta-Feira 13, inclusive respeitando a máxima “se transou, tem que morrer”. E, assim como o filme do Jason, ele não se leva nem um pouco a sério.
O problema é que várias dessas piadas parecem estar fora de lugar. A hora que o Nuno Leal Maia fala pro presunto que se levantou “fica morto aí, po**a” parece completamente fora de contexto, já que esse é o único zumbi do filme – e ele obedece ao Nuno. O.o
A fita tem todos os problemas típicos do gênero, como os personagens mal desenvolvidos e péssimas atuações (especialmente por causa dos diálogos mal escritos – como já disse aqui: ninguém fala desse jeito – e do já tradicional padrão Globo de atuação brasileiro). Porém, tem várias mulheres bonitas e sem roupa, e isso sempre garante uns Alfredinhos a mais. Até o CD com imagens distribuído na cabine teve que ser garimpado para encontrar algumas imagens sem pessoas peladas que pudessem ser publicadas aqui.
Como fã do gênero, contudo, eu estava pré-disposto a ignorar tudo isso e, para falar a verdade, até me diverti bastante durante boa parte da projeção. Gostei da tal identidade do vilão, que se encaixou bem no personagem e ri bastante em várias cenas.
Porém, algumas coisas pareciam tão forçadas que tive que diminuir a nota. Por exemplo, referências a Psicose, O Iluminado e Nosferatu já são onipresentes no gênero. E o diretor Ivan Cardoso ainda optou por usar exatamente as cenas mais referenciadas de cada um desses filmes. Sério que alguém ainda aguenta um ataque no chuveiro, por exemplo?
Além disso, tudo tem uma cara muito forte de filme B. E não me refiro aos filmes B por estética de tempos recentes, mas à época em que filmes B eram realmente ruins. A maquiagem dos monstros parece algo que você veria na Noites do Terror do Playcenter. E isso é algo que mereceria uma atenção maior do orçamento e qualquer fã do gênero preferiria maquiagens decentes a atores globais. Até porque, cá entre nós, globais não são conhecidos pela capacidade de atuação ou por melhorarem as obras em que trabalham. Na verdade é exatamente o contrário.
O que mais me incomodou, no entanto, foram algumas falhas feias de roteiro. Por exemplo, a Natacha (é assim que aparece escrito nas legendas) num momento parece hipnotizada e abraça o vilão e na cena seguinte já solta os prisioneiros? E, se o vilão fala apenas em espanhol, por que todos os monstros falam em português? Se seu único convívio social é com seu “criador”, provavelmente falariam a mesma língua, não?
Esses são apenas alguns dos problemas de roteiro que me incomodaram e diminuíram a nota. No final das contas, embora não seja nenhuma obra-prima, é legal ver um filme nacional diferente, que se arrisca num gênero tão pouco navegado por aqui (não me lembro de nenhum outro relevante além da obra de José Mojica Marins) e que está entre os nossos preferidos. Dessa forma, ver isso no cinema é uma oportunidade imperdível para fãs do gênero.
Curiosidades:
– Ivan Cardoso dirigiu alguns outros filmes de terrir em sua carreira, dos quais o mais famoso é O Segredo da Múmia, de 1982 que eu, infelizmente, ainda não assisti.
– Ele também fez um documentário chamado O Universo de Mojica Marins. Adivinhe do que se trata.
– Sidney Magal faz uma ponta como um sacerdote inca cantante. (!) WTF!?
– Reparou que o filme é de 2005? Pois é, mas só vai estrear agora. Viva o mercado cinematográfico tupiniquim!