The Godfather

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Os tempos estão mudando, e isso é uma constatação que está ficando cada vez mais evidente. Ao menos no mundo dos jogos eletrônicos. Não faz muito que eu mantinha essa mesma opinião inflexível de que jogos e filmes, sob hipótese alguma, devem se misturar. É preciso perdoar meu ceticismo após, passado tanto tempo, ainda ter de acompanhar tamanha torrente de jogos sendo vomitados no mercado todos os anos em companhia de filmes blockbusters com o mesmo nome. O resultado não costuma variar muito – tome The Da Vinci Code como exemplo. Ou, mais recentemente, o fantástico Piratas do Caribe, que virou um game tão medíocre que vem a ser um perfeito exemplo do que não deve ser feito em um título de respeito.

Contudo (é aqui que mordo minha língua), os dois últimos anos fizeram-me erguer uma única sobrancelha para a mudança bem-vinda – e inesperada – que parece estar tomando forma no mercado. Excelências como The Chronicles of Riddick, Lord Of The Rings: Battle for Middle-Earth ou The Warriors não me deixam alternativa se não apresentar um olhar menos inquisitório para esse gênero tão decadente que é o das adaptações. Embora que, muito timidamente, alguns títulos decididamente bons tenham migrado das telas de cinema para as televisões e monitores, e mostrado, portanto, que já é hora de admitir que estive errado esse tempo todo: a cooperação entre Hollywood e a indústria de jogos eletrônicos pode sim render bons frutos. Frutos que merecem os lugares de honra entre os grandes chefões dessa indústria.

Falando em chefões, cheguei, enfim, ao ponto em que queria chegar e também ao que me levou à frase que iniciou essa análise. Estou falando de The Godfather e da conclusão de que os tempos estão realmente mudando para nós, jogadores. The Godfather não é apenas a adaptação de uma das maiores obras cinematográficas do histórico hollywoodiano (O Poderoso Chefão), mas também a constatação de tudo o que falei no parágrafo anterior: o cinema pode render jogos realmente bons!

Tramas adjacentes, extorsões e… GTA?

The Godfather apresenta uma história secundária à que vimos na obra original. Essa história pode ser vista como um complemento aos eventos ocorridos durante toda a trilogia. O jogador irá encarnar em um personagem que não fez parte dos filmes, mas que, ainda assim, foi uma peça fundamental para o desenvolvimento da história.

No início do jogo, você irá criar o seu próprio personagem usando ferramentas de criação muito parecidas com as que a EA oferece em seus jogos de esporte. Então espere uma criação minuciosa, na qual é possível modelar mesmo os detalhes mais singelos, atribuindo mais personalidade ao seu modelo. Feito isso, você pode partir para o pontapé inicial, onde presencia a morte de seu pai por uma “família” rival. O tempo então avança, e após um pedido de sua mãe para que Don o acolha na família, você passa por um treinamento e começa sua jornada como um membro dos Corleone.

O jogo se passa na Nova Iorque dos anos 50, e tem todo o seu ambiente dividido entre cinco grandes demarcações territoriais de organizações criminosas distintas (essa soou bonito!), que não compartilham nenhuma simpatia entre si. Você vai extorquir comerciantes, aceitar missões opcionais e fazer seu caminho através das missões principais que fazem a trama desenrolar. Muitas dessas missões são tiradas diretamente do filme, mostrando qual o seu envolvimento na história original. A trama de The Godfather é certamente um de seus aspectos mais bem produzidos e gratificantes, mesclando muito bem os novos acontecimentos mostrados no jogo com os momentos mais marcantes da obra de Francis Ford Copolla.

Em sua parte de narrativa linear, você se verá no meio de situações que aparecem no filme, como levar Don ao hospital ou ajudar a presentear o diretor racista com a cabeça de cavalo, sem nunca roubar ou adulterar a cena. Porém, logo após as primeiras missões, para desespero do Corrales, o jogo assume uma característica nada linear e Nova Iorque se abre como um leque permitindo-lhe que a explore em seu próprio ritmo.

Passadas essas primeiras missões e as cenas não-interativas, a primeira surpresa fica por conta da similaridade inegável com o clássico GTA. Roubar veículos, atropelar pedestres distraídos, fugir da polícia, atirar em civis, perder a consciência e despertar nas portas de um hospital… até mesmo o radar usado em The Godfather foi emprestado de GTA. Sendo assim, não há como negar: esta é uma cópia de tudo o que foi visto na franquia do crime organizado mais popular da indústria. Mas não me entenda mal. Não é como se a versão interativa do chefão da máfia não tivesse os seus próprios méritos e momentos de originalidade, pois, em parte, são eles que dão personalidade ao jogo.

Em suma, seu papel aqui é o de extorquir comerciantes com taxas de proteção, assim como ganhar reputação por seus atos nas ruas, aumentar sua influência e seguir as missões principais para que o enredo se desenvolva. Há centenas de prédios comerciais espalhados pelos cinco territórios do jogo (Little Italy, Brooklyn, Midtown, Hell’s Kitchen e New Jersey), muitos dos quais servem de fachada para atividades ilegais. E persuadir esses senhores do comércio a lhe darem dinheiro em troca de segurança é facilmente uma das partes mais interessantes do game.

Não é preciso dizer que, como o bom e típico mafioso linha dura que você é, essa persuasão não acontece em uma conversa civilizada entre cavalheiros apreciadores de chá com biscoitos, mas de uma maneira, digamos, sem muitos rodeios. Você entra em uma loja e conversa com o dono (que geralmente não está disposto a colaborar), e se uma simples conversa não se mostrar suficientemente satisfatória, é sempre possível recorrer aos velhos métodos, como quebrar a caixa registradora com a cabeça do responsável pelo estabelecimento, por exemplo, e assim fazê-lo ver as coisas sob seu ponto de vista.

Claro que extorquir um comerciante não significa apenas entrar em sua loja e fazer o infeliz molhar as próprias calças. Cada comerciante tem a sua fraqueza específica. Alguns temem por suas integridades físicas enquanto outros temem por seus clientes. Ver suas lojas destruídas também pode afetar os mais materialistas. Eles têm um medidor de estabilidade psicológica onde uma barra vermelha indica até onde você pode seguir com sua demonstração de amizade antes que as vítimas virem cães raivosos e providenciem um final trágico ou uma fuga vergonhosa de sua parte. A situação também pode ficar tensa para você, caso o estabelecimento escolhido já esteja sob a proteção de uma outra família, pois mafiosos irão aparecer se perceberem alguma atividade estranha.

Uma vez assumido o controle de alguma casa comercial, o protagonista passa a receber um cheque semanal e, mais importante, ter acesso a todas as portas antes trancadas. Como a maioria das casas comerciais possui atividades ilegais em seus porões, esse acesso é fundamental para o completo controle da cidade.

Violencia gratuita

Um dos aspectos de méritos próprios do título da EA é o combate, onde GTA nunca brilhou. E o combate de The Godfather está realmente divertido. Há uma enorme variedade de ações, seja de combate corpo-a-corpo, manejando armas de fogo, ou com execuções típicas de gêneros stealth (como Splinter Cell ou Hitman). De fato, o combate do jogo, especialmente o corpo-a-corpo, é nitidamente a parte mais divertida.

Como não poderia deixar de ser, você é um verdadeiro selvagem e todas as suas ações serão carregadas de uma violência espantosa. Chame de sadismo se isso limpar a sua consciência, mas não há nada mais revigorante do que desferir uma boa joelhada no estômago de um rival, fazendo-o cair indefeso, para então o derrubar de vez com um chute no rosto, imobilizá-lo com um pé sobre seu peito e apertar o gatilho de uma espingarda apontada para a sua cabeça, mandando-o para o inferno mais cedo do que o agendado. E isso foi apenas um exemplo.

É possível usar coquetéis molotovs para transformar seus inimigos em tochas humanas, esmagá-los com bastões ou chaves-de-fenda, estrangular, aplicar potentes cabeçadas, atirá-los através de vitrines, chocar crânios contra paredes, empurrá-los para que caiam no chão e surrá-los quando ainda estiverem caídos, quebrar pescoços, derrubá-los sorrateiramente e toda uma sorte de ações físicas sempre com a mesma brutalidade indiferente. Aqui, o cenário é uma arma, e maltratar seus rivais, uma arte. Como eu disse, quando o assunto é combate, seu personagem é um verdadeiro selvagem.

Com uma arma de fogo em mãos, o jogo se torna mais simples, ainda que eficaz. É possível fixar a mira em um alvo (o que pode ser frustrante se seus inimigos estiverem entre civis), ou passar para um modo de mira livre. No segundo caso, os controles não são diferentes de um shooter tradicional, onde um analógico comanda a movimentação do personagem e o outro, a da mira. Você pode se esconder atrás de paredes durante um tiroteio, se inclinar para ver o que está além de um corredor ou agachar-se por trás de carros ou caixas para tomar fôlego e analisar a situação antes de continuar. Afinal, a cautela nesses momentos é imprescindível, pois algumas de suas missões são bastante intensas e difíceis. E saber que você está sozinho contra uma tropa de mafiosos espumantes não ajuda em nada.

Não é apenas o combate corpo-a-corpo que supera a ação de GTA, mas a precisão nos combates com armas de fogo também é imensamente superior, pois permite um maior controle sobre o que você está fazendo. Poder eliminar os inimigos de uma única vez, com tiros certeiros na cabeça, ou atingi-los nos braços e joelhos exemplifica o controle e a precisão à qual estou me referindo aqui. Aliais, o jogador é recompensado com pontos de reputação (que funcionam como os pontos de experiência de RPGs) por qualquer tipo de morte especial, como estourar o joelho de um coitado que teve a infelicidade de se meter em seu caminho. Ao fazer isso, ele cai sobre o joelho ferido e fica inteiramente vulnerável, dando espaço para que você aproxime-se e dê cabo do seu sofrimento com uma variada gama de movimentos de execução – devastadores, como manda o padrão.

Entretanto, nem tudo é um mar de rosas. Os controles, tanto do combate corporal quanto daqueles envolvendo armas de fogo, são difíceis de aprender e requerem algum tempo, prática e paciência para que o jogador esteja devidamente familiarizado. Também não funcionam tão perfeitamente quanto deveriam. Acredito que sejam, na maior parte do tempo, satisfatórios, mas se tornam um pesadelo quando a curta distância. Mudar a mira de um inimigo para um outro no meio de uma multidão, por exemplo, é muito problemático. Assim como o é mudar do modo de armas para o de combate corporal rápida e eficientemente no meio de um confronto. A mecânica usada no lançamento dos coquetéis molotov também é bastante falha. É extremamente difícil fazer um bom lançamento com eles e é comum que a área de danos que as explosões causam não atinjam apenas os seus inimigos, mas chamusquem igualmente as suas próprias sobrancelhas.

O arsenal de The Godfather é satisfatoriamente numeroso e foi tirado do próprio filme, com revólveres .38, pistolas, magnuns, espingardas de cano longo, coquetéis molotov, dinamite e algumas outras armas da época. Todas podem sofrer até dois upgrades, o que as torna ainda mais interessantes. Além de poder comprá-las, você pode “pegar emprestado” toda e qualquer arma que cair no chão e pode carregar consigo quantas puder achar.

Gráficos

Graficamente falando, The Godfather tem os seus momentos de grandeza, como o nível de detalhes dos modelos, (que estão impressionantes) ou a animação deveras competente e convincente, que faz uso da tecnologia de motion-capture (captura de movimento) e atores reais. O motivo pelo qual as lutas que vemos no jogo parecem tão brutais e reais é porque foram cuidadosamente coreografadas pelo campeão canadense de luta livre, Paul Lazenby. Já a belíssima atuação dos personagens, assim como a dublagem em si, foi notavelmente executada pelo elenco original do filme (com a exceção de Al Pacino, que não cedeu ao contrato da EA). A lacuna formada pela ausência da dublagem de Al Pacino e de sua versão poligonal é dura e compromete o clima que a EA tenta recriar – principalmente para os fãs – mas assim mesmo, cada personagem é uma cópia fiel e perfeitamente animada de sua contraparte na vida real, o que torna toda a experiência mais autêntica e aumenta ainda mais a sensação (e satisfação) de fazer parte da família Corleone.

A cidade está viva e bem povoada, com carros e pedestres sempre circulando em fluxo constante. Houve atenção aos detalhes, o que embelezou ainda mais o grande cenário onde o jogo se passa, como fumaça saindo de bueiros ou papéis soltos sendo carregados pelo vento. O efeito de partículas está bem feito e as explosões são convincentes e bonitas.

O nível da inteligência artificial também está tremendão. Desde os inimigos, que se escondem atrás de abrigos protetores e respondem fogo com fogo imediatamente, aos cidadãos comuns que demonstram diferentes reações e diálogos dependendo da influência de seu personagem. Sua reputação e influência também refletem diretamente em seu sucesso com as damas e essa foi uma sacada bacana dos desenvolvedores.

Há alguns pontos em que o jogo peca terrivelmente, no entanto. Um deles é a grande reciclagem de cenários. Praticamente todos os interiores de prédios compartilham a mesma aparência, o que mancha o brilho do jogo, tornando-o um tanto quanto cansativo aos olhos com o passar do tempo. As ruas da cidade também estão muito homogêneas, de maneira que os prédios e becos fazem com que o jogador se perca dentro delas.

Nova Iorque é um mapa aberto, e quase não há necessidade de carregar os dados do disco ao explorar esse mapa, o que é muito bom e serve de consolo. Mas isso não impede que os pop-ups aconteçam ou que a taxa de quadros por segundo – que já não é das melhores – caia consideravelmente de tempos em tempos. As texturas em todas as plataformas são bem definidas, mas as da versão para PC levam vantagens sobre as demais.

Os efeitos sonoros são de primeira. Certamente um trabalho exemplar, seja com os diálogos do elenco original, ou com os belos efeitos capturados da explosão de uma espingarda, por exemplo. Mas não são só as armas que soam bem. Tudo aqui soa perfeitamente como esperado, como os vidros se estilhaçando, os socos arrebentando narizes, as perseguições de carros e tudo mais. Tiro meu chapéu para a equipe de som responsável por este trabalho. Mas como nada neste ou em nenhum outro mundo é perfeito, a trilho sonora apenas cumpre com o seu papel de estar presente, tornando-se repetitiva após algumas horas.

Superando as expectativas

The Godfather não é o jogo mais bonito desta geração. Tem gráficos belos e uma animação respeitável, mas existem alternativas muito melhores nesse quesito. Tampouco é o jogo mais original com o qual você vai topar, já que praticamente toda a sua mecânica foi emprestada de outros jogos, como o mapa aberto e o desenvolvimento não-linear de GTA, o sistema de luta (mais simplificado) de Fight Night ou a mecânica de extorsão e intimidação de NPCs que nitidamente tomou como borrão as torturas apresentadas em The Punisher.

Mas por que a falta de originalidade deveria ser considerada um ponto negativo, afinal? The Godfather é divertido e executa muito bem (na maior parte do tempo) tudo aquilo a que se propõe. Quando um game baseado em uma franquia tão popular quanto a do Poderoso Chefão começa a tomar forma, não recebe todo o crédito que merece. Pelo contrário, os olhares críticos não perdoam as imperfeições e os fãs da obra original que serviu de roteiro, caem em cima exibindo os dentes trincados. Tudo isso serviu para fazer de The Godfather uma surpresa realmente agradável e um alívio para os jogadores que não suportavam mais ver as transições verdadeiramente criminosas entre Hollywood e a indústria de jogos eletrônicos.

The Godfather é uma experiência longa (de 15 a 40 horas) e recompensadora, apesar de suas falhas. Mesmo sofrendo com as inevitáveis comparações feitas pelos fãs, não decepciona quem viu a obra cinematográfica e nem quem ainda não a viu. Os problemas com os controles e a pouca variedade de missões alternativas podem intimidar alguns jogadores, mas todo o resto compensa mais do que muito bem. Então não perca tempo e entre para a família Corleone. É só clicar aqui, onde tem um negócio que você não pode recusar.

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