Uma discussão comum em anos recentes é se os adventures modernos, que contam uma história interativa, como os da Telltale, são realmente jogos. Não é uma discussão muito produtiva (no final das contas, dane-se se são jogos ou não), mas The Council consegue pegar a fórmula da Telltale e criar algo novo, que sem dúvida alguma é um jogo. E que jogo, meu amigo.
Quando eu resenhei Heavy Rain, disse que ele era a evolução dos adventures, o que o tempo provou ser verdade. Pois após jogar The Council, digo que ele é não necessariamente uma evolução, mas uma nova e interessante forma de se contar uma história interativa.
FAMILIAR, PORÉM NOVO
O gameplay é bastante familiar para quem acompanha o gênero. Você toma decisões em diálogos, explora cenários e resolve puzzles. A novidade é que tudo o que você pode fazer depende da construção do seu personagem até aquele momento, como em um RPG.
Suas habilidades iniciais são determinadas pela classe que você escolhe no começo da aventura. São três classes: diplomata, detetive e ocultista. Eu sei, ocultista parece o mais trüe e interessante, mas na prática é o menos útil. Enquanto o diplomata brilha nas conversas e o detetive é melhor na investigação, as habilidades do ocultista focam em coisas como arrombar cadeados.
Escolher uma classe não limita suas habilidades, apenas determina o preço de cada uma delas e com quais você vai começar. Ao longo do jogo, você vai subindo de nível e ganhando skill points que podem ser alocados para melhorar o que você já sabe ou adquirir novos conhecimentos. Neste primeiro episódio, eu escolhi ser diplomata, mas ao final dele já tinha todas as habilidades destravadas, embora todas no nível um.
MUITAS POSSIBILIDADES, TÃO POUCO TEMPO
Permita-me dar um exemplo de um puzzle que rola logo no começo do jogo. Ao chegar na ilha onde a história se passa, seu objetivo é “ir até a mansão ou procurar pistas”. Na doca, tem uma porta trancada. Um ocultista pode simplesmente arrombar. Caso você tenha escolhido outra classe, vai precisar solucionar o problema analisando o cenário.
Um detetive vai ter mais facilidade para fazer isso, pois sua skill tree permite reparar coisas que os outros deixam passar. Porém, mesmo um diplomata pode resolver o problema com um pouco mais de esforço, e encontrar a chave que abre a porta. Ou então você pode simplesmente ir para a mansão, o que deixará seu personagem com menos informações e itens, mas que avança a história imediatamente.
Há vários outros detalhes que colocam o jogo próximo de um RPG. Por exemplo, o que em outras histórias interativas são chamadas de capítulos, aqui são chamados de quests. Na prática, é meio que a mesma coisa, com a diferença de que é ao final de um quest que você ganha XP e skill points. Ou seja, é sua chance de fazer upgrades.
Usar uma de suas habilidades custa “pontos de esforço”, a interpretação de The Council para a tradicional Mana. São os losangos que você vê no canto inferior esquerdo das imagens desta matéria. Se não tiver pontos suficientes, não pode usar uma ação, então é de seu interesse usá-los parcimoniosamente. Como em um bom RPG, ações mais difíceis exigem mais pontos, e há itens que dá para usar para recuperar pontos ou conseguir usar uma ação sem gastá-los.
BOSS BATTLES
Uma grande surpresa de The Council é que ele tem chefes, chamados de confrontos. São diálogos importantes nos quais você tem um objetivo e seu sucesso ou falha vai determinar o resto da história.
Parece complicado, mas não é, além de ser muito interessante. Um confronto tem um número específico de pontos de diálogo (na parte de cima e central da imagem, este tem três passos). Você tem um limite de falhas, chamados de blunders (na imagem acima, restam duas). Seu interesse é chegar no passo final, com blunders sobrando, pois se você falhar na última escolha, poderá tentar de novo, como um checkpoint. A derrota só vem se você gastar todos os seus blunders e daí você vai ter que lidar com isso no resto da história.
É possível usar suas habilidades para resolver a situação. Selecionado na imagem acima, está a opção que usa a skill “diversion“. A dificuldade mostra quantos pontos de esforço escolher aquilo vai custar (no caso, dois pontos). Isso dá a The Council uma profundidade estratégica que não existe em um jogo da Telltale, por exemplo, além de torná-lo mais um game e menos uma história interativa pura.
A HISTÓRIA
Normalmente nos meus textos sobre adventures modernos, eu costumo falar bastante da história, já que você já sabe como eles funcionam. O que mais destaca The Council de seus concorrentes, no entanto, são suas mecânicas, e por isso falei tanto delas até aqui, sem desenvolver tanto a parte da história. Isso não significa que a história é ruim. Pelo contrário.
Você controla um nobre chamado Louis de Richet, que faz parte de uma sociedade secreta ao lado de sua mãe. O problema é que sua mãe desapareceu ao visitar uma ilha particular onde alguns dos membros mais ilustres da sociedade se reúnem para decidir o caminho que a história do mundo vai seguir. Daí você é convidado para ir até lá ajudar a resolver o caso.
PESSOAS REAIS
Dentre os personagens com os quais você vai interagir estão figuras históricas bem conhecidas, como George Washington e Napoleão Bonaparte. The Council acontece em 1793, bem na época da Revolução Francesa e o jogo consegue fazer um trabalho melhor contextualizando a política e o cenário histórico da época do que Assassin’s Creed Unity, por exemplo.
Os personagens são muito bem desenvolvidos, e alguns deles são bem intrigantes. Elizabeth Adams, filha secreta (e provavelmente fictícia) do vide-presidente dos EUA, por exemplo, estrela os melhores e mais tensos momentos deste episódio, a ponto de eu ter feito uma busca na internet para aprender mais sobre ela, caso ela fosse real.
A história também coloca pinceladas mitológicas e sementes paranormais, embora neste primeiro episódio opte por deixar em aberto se este realmente será um caminho seguido pela história ou se tudo será explicado cientificamente.
Para completar, este episódio tem quatro finais que leva a história a caminhos bastante diferentes. Isso me faz pensar e torcer para que, ao contrário da Telltale, aqui realmente seja possível cada jogador ver uma história completamente diferente. Capaz de eles darem para trás e tudo continuar da mesma forma para todos no segundo episódio, o que seria compreensível (é complicado criar vários bons roteiros para que as pessoas vejam apenas um). Porém, se conseguirem esta façanha, The Council pode entrar para a história como o primeiro drama interativo realmente adaptável às escolhas do jogador.
PROBLEMA TÉCNICO GRAVE
Meu tempo com The Council infelizmente não foi totalmente positivo. No final do primeiro quest (que acontece uns 90 minutos depois do início do jogo), seu personagem é levado para o seu quarto. O problema é que o cenário não foi totalmente renderizado para mim.
Aonde está branco na imagem acima, deveria ter um corredor, pelo qual eu deveria andar. O problema é que o jogo salvou a cena desta forma, e mesmo eu fechando e abrindo o programa, continuou igual. Fui obrigado a apagar meu save e jogar tudo de novo. Save corrompido é basicamente o pior que pode acontecer em um game, e aconteceu aqui. A partir daí, sempre que avançava um pedaço da história, saía para o painel do PS4 para fazer backup do save e evitar ter que jogar tudo de novo. Felizmente, não tive mais problemas na segunda jogada.
FORMATO EPISÓDICO
Tirando o problema técnico, minha única picuinha real com o jogo é o fato de ele ser episódico. O primeiro episódio saiu agora, dia 13 de março, mas o segundo sequer tem uma data aproximada para lançamento, e acho difícil que saia em menos de dois meses. Além disso, tem casos de jogos episódicos como Blues & Bullets, que nunca foram terminados, então comprar um passe de temporada completo para algo assim é sempre um risco.
Entendo os motivos mercadológicos. Por um lado, as vendas de um episódio financiam os seguintes. Além disso, um cliffhanger bem colocado pode deixar os fãs curiosos e falando sobre o jogo, mantendo-o como um assunto comum entre gamers não apenas nas semanas seguintes ao lançamento, mas por cerca de um ano (tempo que a maioria dessas histórias leva para serem totalmente lançadas).
Particularmente, eu não gosto de ver uma história em pedaços nem na TV. Agora mesmo, estou esperando a temporada atual de The Walking Dead terminar para ver tudo de uma vez. E pior do que ver um episódio por semana é ver um a cada dois ou três meses. Neste tempo, eu esqueço boa parte dos detalhes, isso quando não esqueço a história inteira.
Em alguns casos, como aconteceu com Hitman, eu simplesmente abandonei o jogo entre episódios e dificilmente vou conseguir tempo para voltar a ele algum dia.
THE COUNCIL
Não acho que isso vai acontecer com The Council. Verdade seja dita, eu me interessei muito mais por ele do que por Hitman e estou doido para ver o caminho que a história vai seguir.
Eu adoro histórias interativas, e The Council conseguiu misturar bem a emoção de um adventure moderno com as mecânicas de um jogo tradicional. Se você é fã de games, de história interativa e de adventures, modernos ou antigos, acredite em mim, você quer jogar The Council.