Shadow Warrior é um jogo de tiro lançado em 1997, época na qual personagens como o Duke Nukem e os quadrinhos da Image estavam dominando o mercado. Era uma era mais inocente, cheia de machos alfa que fazem piadas sexuais e humor de banheiro em todas as oportunidades. Em 2013, o jogo foi revivido pelas mãos da Flying Wild Hog. O que vamos falar hoje é sua continuação, que acabou de sair para os consoles e que já está nos PCs há alguns meses.
Ele indubitavelmente traz aquele sabor anos 90 que anda tão em falta na cultura pop de hoje em dia. Eu posso não achar engraçado o nome do protagonista Lo Wang (pinto baixo, em tradução livre), mas não posso negar que passei boa parte da minha campanha sorrindo. O humor não acerta sempre, mas quando acerta é engraçado ou no mínimo divertido. Em um momento, o herói pode fazer uma referência a Rage Against The Machine, enquanto no seguinte você encontra um biscoito da sorte com uma frase do Douglas Adams.
ARMAS A RODO
A primeira coisa que vai chamar a atenção, no entanto, não é o humor, mas o visual. Pela calopsita da nossa senhora de compostela, como este jogo é lindo. Tecnicamente, talvez jogos como Horizon: Zero Dawn sejam superiores, mas vou dizer que não me lembro de ter visto um jogo esteticamente mais apurado do que Shadow Warrior 2.
As cores são vivas e belas. Os inimigos explodem em faíscas e sangue. O negócio tem um apelo visual digno dos arcades dos anos 90, quando os jogos disputavam para chamar mais a atenção, algo que vem sendo perdido nas últimas décadas, com seus jogos verdes, marrons e azuis.
Verdade, os cenários não são especialmente variados, e existem apenas dois tipos. Uma cidade futurista e um cenário tipicamente japonês, com cerejeiras e cachoeiras. Um beijinho de esquimó para a delfonauta que adivinhar qual eu gostei mais (atenção: promoção válida apenas para delfonautas femininas). A trilha sonora também se destaca, com sutis músicas de estilo oriental quando tudo está calmo, descambando para um empolgante heavy metal quando a ação corre solta.
A ação é rápida e empolgante. Eu a colocaria em um meio termo entre Serious Sam e o mais recente Doom. Não há coberturas, você vai ficar frequentemente se movendo, e o fato de que boa parte das suas armas é de ataque corpo a corpo faz com que seja comum você encarar seus desafetos de pertinho.
Há armas de fogo também. Na real, há armas a rodo, de vários tipos, mas eu acabei gostando mais de usar espadas e motosserras, pois são bem menos comuns nos games do que metralhadores e afins.
As motosserras merecem destaque. Elas dão uma travadinha quando você atravessa o corpo dos inimigos, como se estivessem tendo dificuldade para cortar os ossos. É deliciosamente sádico. Também gostei muito das escopetas. Escopetas são um tipo de arma que eram muito comuns nos FPS dos anos 90, mas conforme o gênero foi abrindo mão da movimentação constante em nome de mira e de coberturas, perderam espaço para metralhadoras e snipers.
Fazia muito tempo que eu não pegava em um jogo uma dessas escopetas que dá gosto atirar, cujo tiro faz miséria com os idiotas que acharam que podiam sair na mão com você. Shadow Warrior 2 tem escopetas que fazem jus às de Doom, que talvez sejam as mais famosas dos games.
PODERES MÍSTICOS
Além dos tiros, há também poderes místicos, que usam uma barra de Chi. Dois deles são muito úteis: cura e invisibilidade. O primeiro é essencial para se manter vivo, uma vez que você toma dano o tempo inteiro. Eu achei logo nas minhas primeiras horas um amuleto que possibilitava que eu me curasse sem gastar Chi. O lado negativo é que ele fazia com que os medikits (a única forma de sarar instantaneamente) se tornassem inúteis. Ainda assim, recomendo este amuleto com força, pois com ele e alguns upgrades bem colocados, eu na prática tive Chi ilimitado para usar os outros poderes.
An invisibilidade é útil porque as fases são basicamente compostas de ir até o lugar X e pegar o item Y. Ficando invisível, você consegue pular boa parte dos combates. E a ação é boa, mas tem hora que simplesmente não para de vir bicho, e a melhor opção acaba sendo a tática Neo.
Há outros poderes que até parecem legais no papel, mas não são muito úteis. Há, por exemplo, um soco de energia, que na prática serve apenas para empurrar os inimigos. Outro é a convocação de espinhos que empalam seus desafetos. Parece tremendão, né? Pois é, mas por mais que eu o usasse, não via efeito nenhum, e acabei desistindo.
PROCEDURAL
O principal problema do jogo é que as fases são procedurais. Eu talvez seja um cara estranho, mas eu não vejo o apelo disso. Sim, os layouts podem ser diferentes cada vez que você joga, mas quantas vezes você joga um jogo? Sou muito mais adepto do gamedesign manual, de reparar em um detalhe do cenário e pensar que aquilo foi colocado ali intencionalmente pelo designer, que nada mais é do que um artista. Eu não gosto de fases procedurais pelo mesmo motivo que não gosto de música eletrônica. Eu gosto do cuidado artesanal de algo feito a mão e com motivo para existir.
E sabe o que é mais curioso? Mesmo com fases procedurais, o jogo obriga você a passar várias vezes pelas mesmas fases. Não me refiro aos cenários, mas pelos mesmo lugares mesmo. Imagino que os layouts foram criados automaticamente quando iniciei a campanha, mas a história em si comanda um certo nível de backtracking.
Ainda assim, as fases seguem um design chatinho. Basicamente, o jogo te manda para um ponto do mapa. Chegando lá, você encontra uma porta fechada e seu objetivo vira pegar a chave. Daí você tem que voltar um bom pedaço para pegar a maledeta, e daí voltar até a porta para continuar. Por essa descrição você provavelmente começa a entender porque eu preferi passar invisível pela maior parte dos inimigos.
HEHE, O NOME DO CARA É GOZU!
Pelo que sei, o reboot de Shadow Warrior é um jogo de ação linear. Este não. Na verdade, o que temos aqui beira um RPG. Depois das missões de abertura, você chega a uma espécie de hub, onde tem lojas e NPCs que passam sidequests.
As sidequests em si não são do tipo mundo aberto, mas são fases propriamente ditas que você faz uma por vez. Parte delas, as que são passadas por NPCs, têm histórias, diálogos e um certo cuidado, e são as que valem a pena fazer.
A maioria, no entanto, são bounties, e é daí que vem o lado mais negro do procedural. Estas fases são totalmente aleatórias, e trazem objetivos no estilo “mate dez inimigos de determinado tipo”. Obviamente, a maior parte do jogo é composto dessas fases. Deve ter pelo menos umas duas dezenas de bounties, e bem menos missões de história.
A parte RPG, no entanto, vem dos equipamentos. Há um monte de runas que afetam diretamente as estatísticas das suas armas. Uma runa, por exemplo, pode aumentar o seu dano, mas fazer a arma disparar mais devagar. Há também peças de armadura, amuletos e outras coisas que afetam os poderes e habilidades do personagem. E essas coisas vêm na casa de centenas. Depois de cada missão, você vai ter pelo menos umas cinquenta runas para olhar e escolher quais deseja equipar.
Isso dá ao jogo uma rotina semelhante à de Nioh. Ou seja, metade do seu tempo com o jogo é de fato jogando, enquanto a outra metade é comparando estatísticas de equipamento. Se Nioh foi programado desde o início para ser um RPG, em Shadow Warrior esta mudança de gênero é totalmente incompreensível, lembrando o que fizeram no segundo Darksiders.
QUE DIABOS ACONTECEU?
Por fim, há também alguns problemas técnicos. Em determinado momento, meu jogo ficou em câmera lenta, mas consegui resolver simplesmente reiniciando e não aconteceu mais. Em outros, meu personagem atravessou o chão, tornando impossível continuar. Isso já aconteceu um número plural de vezes.
O que mais aconteceu, no entanto, que rolou umas sete ou oito vezes ao longo da campanha, é que os inimigos simplesmente paravam de me ver. Eles ficavam parados tomando minhas porradas como se nada estivesse acontecendo. Isso chegou a acontecer inclusive em uma batalha contra um chefe.
O SEGUNDO GUERREIRO DAS SOMBRAS
Parece que tudo que modificaram nesta continuação foi para pior. Fases procedurais, sidequests, estatísticas de personagens e armas… Esta é a tendência dos games atuais, mas nem todo jogo precisa disso. O primeiro Shadow Warrior não tinha essas coisas, e esta segunda parte se torna pior por colocá-las.
Fosse um jogo de ação linear e adrenalístico, seria altamente recomendado por aqui. Como um RPG de 20 horas, acaba se perdendo, diminuindo a adrenalina consideravelmente. Ainda há diversão por aqui, e este é simplesmente um dos jogos mais bonitos da geração atual, mas é triste pensar que a regra do “maior e mais longo” foi aplicada sem necessidade, tornando-o inferior ao seu antecessor.