O Power Metal nasceu na Alemanha em meados da década de 80 e, atualmente, é um gênero conhecido por explorar exageradamente o tema relacionado à fantasia medieval com seus dragões, cavaleiros, espadas indestrutíveis e muitos outros clichês.
Pois é, mas nem sempre foi assim. As grandes bandas alemãs pioneiras como o Helloween, Running Wild (leia a resenha da coletânea 20 Years In History), Rage e Grave Digger, em seus primeiros trabalhos, seguiam caminhos diversos que podiam falar tanto da miséria humana (Murderer e Victim of Fate do Helloween), quanto de uma leve aproximação com o satanismo (Diabolic Force e Evilution do Running Wild). O instrumental era mais sujo e as músicas chegavam até a flertar com o Thrash Metal que também estava surgindo na mesma época.
O Grave Digger, no entanto, sempre fugiu desses clichês fixos e se destacou por não seguir uma temática fantasiosa única em seus trabalhos. A banda, quando começou, em 1984, com o álbum Heavy Metal Breakdown, era especialista em compor odes ao Heavy Metal, depois falou sobre bruxaria, amor, a leve aproximação com o Black Metal e parou com o Metal para investir no Hard Rock farofa da curiosa fase em que mudou o nome para Digger da banda. Nos anos 90, arrependidos da “traição”, eles voltaram ao gênero que os consagrou e desenvolveram uma série de trabalhos conceituais sobre as cruzadas, a libertação da Escócia e o mito do Rei Arthur. E é justamente deste último capítulo que pretendo falar nos parágrafos a seguir.
Após os estrondosos sucessos de Tunes of War e Knights of The Cross, belos trabalhos conceituais que marcaram a volta por cima dos alemães, a banda buscou na lenda do Rei Arthur e seus cavaleiros da Távola Redonda, a inspiração para seu novo trabalho, que seria lançado em 1999: Excalibur.
Naquele momento, o Grave Digger vivia seu auge técnico e criativo (após dois trabalhos hoje considerados clássicos) e soube refletir este momento no CD com muita precisão, fazendo seu o segundo melhor trabalho (o melhor é o já citado Tunes Of War), com músicas marcantes, muito peso e letras inspiradas.
A competência desponta logo de cara na capa com o mascote da banda, Reaper, (fantasia usada pelo tecladista H. P. Katzenberg nos shows), tirando a espada Excalibur da pedra na bela ilustração de Markus Mayer, que também fez o divertido desenho do verso com os integrantes da banda vestidos como cavaleiros na Távola Redonda e, mais uma vez, nosso amigo Reaper como o Rei Arthur no trono. O encarte é bem completo, com uma explicação detalhada sobre a história de todas as músicas e, obviamente, as letras para você acompanhar o desenrolar de todos os acontecimentos.
A mixagem em Excalibur é um exemplo de competência, pois segue a linha adotada em Tunes of War, onde se valorizou o peso das guitarras e o som da bateria, mas com um melhor equilíbrio em relação àquele trabalho, o que faz com que as músicas soem incrivelmente claras, sem distorções sonoras e valorizando cada canal de áudio. Parece até uma contradição, mas o som do Grave Digger é tipicamente pesado e sujo e essa mixagem “limpa” acaba valorizando essa característica da banda. Eu recomendo ouvir Excalibur com fones de ouvido para se ter uma idéia do milagre que uma boa mixagem pode produzir no resultado final. Nota 10 para a produção que ficou a cargo da própria banda diga-se de passagem.
A introdução, The Secrets of Merlin, é o manjado instrumental com uma típica inspiração medieval e algumas gaitas de fole (herança do Tunes of War?). A calmaria dá espaço à pesada guitarra característica dos alemães e prepara o ambiente para o que vem a seguir.
Como é de praxe no Power Metal, a segunda música (que podemos considerar como a faixa de abertura) é sempre uma das mais rápidas e pesadas do álbum e o Grave Digger não foge à regra com Pendragon, que conta a história do pai de Arthur, Uther Pendragon. Um Power Metal rápido e vigoroso, com as guitarras bem pesadas e uma batida feroz do baterista Stefan Arnold. Na metade da música, antes do solo, temos uma virada que novamente incorpora alguns instrumentos musicais medievais. Essa mudança brusca no andamento da composição é uma característica marcante da banda e está presente neste trabalho em quase todas as faixas. Que bela porrada logo de cara, uma pena que os alemães não toquem mais essa música ao vivo nos shows.
A clássica Excalibur, ao contrário da faixa anterior, é presença carimbada nos shows da banda desde então e entra para contar uma das mais conhecidas cenas da história da arte, onde o jovem Arthur tira a espada da pedra e ascende ao trono de Camelot. Mais um Power Metal tradicional com refrão contagiante, onde é impossível ficar indiferente. Um dos grandes momentos ao vivo da passagem dos alemães pelo Brasil em 2003.
Em The Round Table (Forever), a história da Távola Redonda, onde Arthur e seus nobres cavaleiros se sentavam para discutir as estratégias do reino, temos a primeira grande mudança no CD com uma faixa mais cadenciada que lembra até Manowar. Aliás, essa é outra faixa com presença garantida nos shows da banda com um refrão grudento que fica na sua cabeça assim que você o ouve pela primeira vez.
Morgane Le Fay é a história da meia-irmã de Arthur. Algumas pessoas consideram esta faixa o grande clássico do CD e a melhor música do Grave Digger de todos os tempos. Na minha opinião não chega a tanto, mas sem dúvida essa música é um grande clássico do Metal alemão. Sua introdução é lenta, até parece uma balada. Mas não se engane, pois a velocidade impera e o Power Metal volta com tudo em um dos momentos mais inspirados de Excalibur. A mudança de estrutura na metade e no final da música é fantástica e a interpretação de Chris Boltendahl (vocalista e líder do grupo) para a letra deveria ganhar um Oscar, pois em determinados momentos, parece até uma mulher cantando. Ah sim, essa é outra faixa que eles sempre tocam nos shows para o delírio dos fãs.
The Spell nos conta a história do mago Merlin e a traiçoeira Nimue. Essa é a primeira balada “de verdade” do CD, mesmo que não seja tão leve assim. Uma composição legalzinha, mas aquém da qualidade do resto do trabalho.
A sétima música, Tristan´s Fate, nos conta a famosa história do amor infeliz entre Tristão e Isolda (que gerou até um livro Spin-Off). O Power Metal volta novamente, mas as guitarras já não soam tão pesadas e fortes quanto na primeira metade de Excalibur. O refrão é ótimo e não sei porque, essa composição me lembrou os primeiros trabalhos do Running Wild.
Lancelot nos conta, obviamente, o destino do cavaleiro preferido de Arthur e seu amor secreto pela esposa do rei, Guinevere. Um Heavy Metal mais cadenciado, sem o peso das primeiras músicas e contando com uma linha vocal mais variada de Chris. O solo de Uwe é um dos melhores do CD e vale a pena ser ouvido com atenção.
Mordred´s Song (seria esta uma homenagem à belíssima música do Blind Guardian?) é a história do malvado sobrinho de Arthur que selou o destino de Camelot. Aqui o Power Metal volta com força total e sem grandes inovações, mas pelo menos as guitarras pesadonas marcam presença novamente. A letra é um grande destaque.
The Final War dá um salto surpreendente de qualidade e, na minha opinião, é a melhor música do CD e de toda a carreira do Grave Digger, pois resume com perfeição os 20 anos de estrada dos alemães. Essa música nos conta a última batalha entre Arthur e Mordred (que em algumas versões do livro também se chama Modred) e tem tudo que o bom amante do Metal espera: introdução forte, um trabalho de bateria fantástico, baixo galopante colaborando para o peso, guitarras distorcidas com palhetadas a 1000 por hora, letra inspirada, refrão cativante, com a participação de toda a banda nos backing vocals e um vocal do outro mundo de Chris. Como esse cara canta! Seus vocais rasgados e característicos não deixam pedra sobre pedra e influenciaram muita gente nas últimas décadas. Para complementar, a música tem uma virada fantástica no meio, com gaitas de fole e volta em um solo de guitarra inspiradíssimo. É o tipo de Power Metal perfeito, como Victim of Fate do Helloween ou Banish From Sanctuary do Blind Guardian. Infelizmente, acho que só eu me empolgo tanto e a banda nunca tocou The Final War ao vivo.
Após a porrada anterior, Emerald Eyes nos conta a morte de Arthur e o seu amor eterno por Guinevere. Como você deve imaginar, é uma composição bem triste, com algumas orquestrações (simuladas no teclado), um pianinho e um clima mais calmo e introspectivo. Bela música e bons trabalhos vocais de Chris, para variar.
Para finalizar Excalibur, temos a faixa Avalon, que nos conta o destino final de Arthur, da espada excalibur e sua jornada para a terra das fadas. Uma música bem diferente do restante do CD, parece até uma balada. Conta com vocais muito fortes de Chris e uma guitarra que acompanha a linha de voz. Refrões marcantes e um bom instrumental fecham o trabalho de maneira melancólica, exatamente como a lenda do rei Arthur.
Mas não desligue o aparelho de som ainda, pois se você conseguir botar as mãos na versão limitada em Digipack do álbum, você ainda ganha a faixa bônus Parcival, com o Power Metal da banda voltando com tudo. Uma bela faixa que nos conta o destino do cavaleiro Parcival (que assim como Mordred, em alguns lugares podemos encontrá-lo sob a alcunha de Percival).
Apesar de não ser um trabalho tão regular quanto Tunes of War, Excalibur segue a qualidade dos dois trabalhos anteriores e manteve a banda no auge por um bom tempo. Diversas músicas se tornaram clássicos eternos do Power Metal e presença obrigatória nos shows dos alemães. Vale lembrar também que o CD fechou a trilogia dos álbuns conceituais de maior sucesso do Grave Digger. O trabalho que veio depois, The Grave Digger (2001), é interessante mas não tem o charme apresentado anteriormente e a banda voltou com mais um trabalho conceitual a seguir, Rheingold (2003), sobre a obra de Richard Wagner, O Anel de Nibelungs. Será que teremos mais uma trilogia conceitual a caminho? É bem provável, já que a própria banda deixou claro que ainda pretende fazer um trabalho temático sobre a Bíblia em algum futuro lançamento.
Excalibur é um clássico recomendado para os amantes de um Metal moderno e vigoroso. Pode comprar sem medo porque Chris e sua turma sabem o que fazem.