A guerra é mesmo um tema muito recorrente no Heavy Metal. O exemplo mais marcante do qual eu me lembro agora é mesmo o Black Sabbath e sua War Pigs, mas é óbvio que desde o tempo do seu Iommi para cá, esse tema já foi retratado mais umas mil vezes. Nós aqui do Oráculo já falamos sobre a Guerra Fria e sobre a Primeira Cruzada, e como não poderia deixar de ser, uma hora voltaríamos a falar do tema.
Nos idos de 2003, o Iron Maiden lançou o seu décimo terceiro álbum de estúdio, intitulado Dance of Death. Apesar de contar com uma capa mais feia do que briga de foice, até que as músicas tinham bastante qualidade e mostravam uma Donzela mais progressiva e introspectiva. E uma das faixas que mais demonstram essa mudança foi mesmo Paschendale.
HÁ CINQUENTA ANOS, NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A música, longa e recheada de nuances, traz a visão de um soldado presente na Terceira Batalha de Ypres, ou, como também é conhecida, a Batalha de Passchendaele. Ypres é uma cidade belga, e à época era um território estratégico. Já Passchendaele – ou, atualmente, Passendale – era um vilarejo próximo a Ypres que se tornou famoso por ter sido um dos campos de batalha da campanha em questão.
Esse confronto ocorreu entre os ingleses e suas tropas Aliadas contra o Império Alemão. A Inglaterra contou com o apoio de tropas sul-africanas, canadenses e da ANZAC, que nada mais era do que a união dos exércitos Australiano e Neozelandês. O objetivo da empreitada era tomar zonas a sul e a leste de Ypres, tomando a região costeira da Bélgica para assim derrotar o Quarto Exército Alemão. E era lá que se encontrava Passchendaele.
A região de Passchendaele foi palco de dois dos muitos embates ocorridos na Terceira Batalha de Ypres. Esta campanha se iniciou em julho e terminou em novembro de 1917, e os embates em Passchendaele ocorreram primeiro no dia 12 de outubro, e em seguida entre 26 de outubro e 10 de novembro, quando as tropas canadenses finalmente conseguiram tomar a região.
Contudo, o grande inimigo nas duas batalhas em Passchendaele foi mesmo o clima. Uma chuva incessante tomou o campo de batalha, o que, unido aos constantes bombardeios, transformou Passchendaele em um gigantesco lamaçal. A virada no clima fez com que rifles e tanques ficassem inutilizáveis, e a lama se tornou tão profunda que chegou ao ponto de soldados afundarem nela. No fim das contas, a campanha, apesar da vitória dos Aliados, foi um verdadeiro desastre: estimativas sugerem que tenham morrido entre 275.000 e 325.000 Aliados e entre 220.000 e 260.000 alemães.
A HORA DE MATAR ESTÁ PRESTES A COMEÇAR
A música da Donzela retrata bem o clima de tensão do campo de batalha, e a performance da banda na turnê Death On The Road apenas faz com que a imersão proporcionada seja maior. O cenário de guerra, com explosões, arame farpado e um Bruce Dickinson vestido de soldado dão o tom para que a música fique ainda mais imponente.
Repare que antes da música começar, Bruce recita alguns versos. Eles são parte do poema Anthem For Doomed Youth, de Wilfred Owen, e se encaixam perfeitamente na performance:
“What passing-bells for these who die as cattle?
Only the monstrous anger of the guns.
Only the stuttering rifles’ rapid rattle
[…]
No mockeries now for them; no prayers nor bells;
Nor any voice of mourning save the choirs
The shrill, demented choirs of wailing shells”
Em tradução livre:
“Quais são os sinos da morte para estes que morrem como gado?
Apenas a raiva monstruosa das armas
Apenas o rápido e gaguejante atirar dos rifles
[…]
Sem zombarias para eles; sem preces nem sinos;
Nem voz alguma de lamento salva o coro
O estridente e demente coro das bombas.”
Esta música, apesar de não contar com as mil e uma referências que 2 Minutes to Midnight possuía, cumpre muito bem o papel de expor os pensamentos e sensações de um soldado no front. A letra, por exemplo, faz muitas referências à lama e às condições do campo de batalha (“In the smoke in the mud and lead/ Smell the fear and the feeling of dread/ Soon be time to go over the wall/ Rapid fire and the end of us all”) (Na fumaça, na lama e chumbo/ Sinta o cheiro do medo e o sentimento de pavor/ Em breve será a hora de ir além da parede/ Fogo rápido e o fim de todos nós).
Vale destacar aqui, também, o quanto a banda se esforçou para não limitar as referências apenas à letra, mas também se preocupou em trazer o clima de guerra para a melodia. Repare como a música cresce e surpreende, possuindo momentos de explosão e calmaria semelhantes ao que acontece em uma guerra de verdade. E, assim como na guerra real, aqui também temos o soldado encontrando a morte: Soldado solitário, túmulo desconhecido.
CONTE AO MUNDO SOBRE PASCHENDALE
E esta foi mais uma edição de Ruídos Delfianos. Não deixe de conferir as outras edições da mais recente saga do seu site nerd de jornalismo parcial-reflexivo favorito, que já falou de mulheres sanguinolentas e até de cabeludos surrealistas! E, é claro, se você tem sugestões de outras músicas interessantes para serem destrinchadas aqui, não deixe de dizê-las nos comentários. Continue delfonado!
LEIA TAMBÉM AS OUTRAS MATÉRIAS DA SAGA RUÍDOS DELFIANOS:
– Iron Maiden – 2 Minutes To Midnight – O início da saga
– Dream Theater – Under a Glass Moon – Uma (não tão) improvável relação com o Surrealismo.
– Ghost – Elizabeth – Se você tem medo do Papa Emeritus, espere só até conhecer Elizabeth.
– Angra – Temple of Shadows – A história completa do Caçador da Sombra