O instituto DataDelfos pesquisou: 75% dos jogos lançados nos últimos três anos incluem na sua descrição as palavras roguelike ou roguelite.* A maioria dos jogadores hoje tem uma boa ideia do que estas expressões significam, mas poucos entendem a diferença entre elas. Pois DELFOS ao resgate!
* margem de erro de 100% para cima ou para baixo.
Comecemos com um pouco de história.
A ETIMOLOGIA: ROGUE, O ORIGINAL
Rogue é um jogo lançado em 1980, criação de Michael Toy e Glenn Wichman. Tratava-se de um dungeon crawler feito com a intenção de ser livremente distribuído. Ele acabou ficando muito popular entre os geeks que mexiam com computação na época, especialmente em faculdades.
Logo, Rogue começou a gerar clones e derivados. A classificação roguelike ou roguelite para jogos modernos é uma referência direta a este precursor (ainda que não seja o primeiro a ser criado com as características que o definiram).
ROGUELIKE
As características de um roguelike são:
- fases/mapas procedurais, ou seja, gerados automaticamente.
- permadeath, ou seja, morreu, perde todo o progresso e, na próxima tentativa, o mundo do jogo estará totalmente diferente por causa da característica anterior.
- gameplay em turnos. Você provavelmente pensa nisso como algo tradicional nos JRPGs ou, mais recentemente, em South Park: A Fenda que Abunda Força.
ROGUELITE
Um roguelite é um jogo influenciado pelas características do Rogue, mas que não se limita a elas. Ou seja, ele pode não ter as três citadas acima, ou criar novas interpretações para elas.
Se você tem alguma experiência com jogos que se definem como rogues (entre eles temos sucessos como Rogue Legacy e The Binding of Isaac) com certeza já percebeu que a maioria deles não usa gameplay em turnos. Mesmo a permadeath em geral costuma ser um pouco mais caridosa, permitindo que alguma coisa do seu progresso se mantenha entre uma partida e outra.
Academicamente falando, esta seria a diferença. Um roguelike se mantém preso a todas as regras, enquanto um roguelite as reinterpreta de novas formas. Porém, na vida real isso não reflete como as desenvolvedoras descrevem seu jogo. No final das contas, acaba sendo mais uma questão de marketing, de como os criadores querem que seu jogo seja visto.
ROGUELIKE X ROGUELITE
Em geral, quando uma desenvolvedora ou editora classifica seu jogo como roguelike, ela está se vendendo para um público mais hardcore. Nem todo mundo gosta de perder progresso, itens, upgrades e afins.
Para ser devidamente usufruído, um roguelike necessita de um grande investimento de tempo. As fases aleatórias só se tornam um atrativo se você as jogar várias vezes. E a permadeath exige que você faça isso para chegar ao final. Vencer um jogo desses é um enorme desafio, que exige muita dedicação.
Daí já fica fácil deduzir o público: quem tem mais tempo para jogar e acesso a menos jogos? São os mais jovens. Eu lembro bem quando eu jogava dezenas de vezes Streets of Rage porque minha família só me daria um jogo novo meses depois. Eu acabava zerando o bicho até nas dificuldades mais absurdas, pois jogava as mesmas coisas até gastar os dedos.
Isso, obviamente, aliena boa parte do público. Tem muitos gamers hoje que já têm seu próprio dinheiro, mas também têm famílias, trabalhos e, portanto, menos tempo livre para jogar. Esta galera tem um certo receio de pegar um roguelike. E quando a desenvolvedora não quer alienar este público, acaba usando a expressão roguelite. É como se dissesse: “ei, nosso jogo flerta com estas características, mas é mais acessível, todo mundo pode brincar”.
A REALIDADE
Marketing não é uma ciência exata. Um desenvolvedor pode achar seu jogo difícil e querer focar no hardcore, enquanto outro quer ser mais acessível, mas por ter maior habilidade, acaba tunando o bagulho em uma dificuldade maior sem nem perceber.
Então na prática o uso das expressões roguelike ou roguelite vai te dizer mais o público-alvo daquele jogo do que informar a sua escolha. Um lançamento definido como roguelite pode acabar sendo mais hardcore do que outro que se diz roguelike.
O APELO
O apelo de um rogue é bem claro para quem deseja jogar muitas vezes o mesmo jogo. As fases são diferentes a cada nova partida, então sempre trazem novidades. Por outro lado, level design é uma arte que necessita de muita habilidade. Um jogo procedural, rogue ou não, nunca vai ter a intensidade de um Uncharted, por exemplo. Para isso, é preciso da mão do designer, o maestro daquele universo. Se você pretende jogar uma única vez, ou poucas vezes, um feito a mão sempre é uma melhor pedida.
Vamos comparar com a música. Uma composição bem arranjada tem seus elementos em harmonia, nos momentos certos, causando exatamente a sensação intencionada pelo compositor. Tipo isso:
Aqueles mesmos elementos, combinados aleatoriamente, nunca vão render algo tão bom. Pode ter as mesmas características, mas se tudo não estiver no seu devido lugar, acaba saindo isso.
Claro, um mapa procedural nunca é totalmente aleatório. Os criadores precisam colocar parâmetros, para evitar coisas como um abismo mais largo do que seu pulo consegue atravessar. Para os designers, o apelo é óbvio. Afinal, é muito mais fácil jogar baldes de tinta em uma tela, escolhendo apenas as cores, do que pintar a Mona Lisa. E se tem gente comprando a tela com tintas aleatórias, para que fazer o esforço, certo?
SEM JUÍZO DE VALOR
Acima obviamente está minha opinião – afinal, este é o DELFOS. E você é muito bem vindo para discordar dela. Mantendo a comparação com música, talvez para você, um jogo como um Super Mario seja o equivalente ao virtuosismo de um heavy metal, enquanto uma fase procedural é um punk rock com três acordes. Básico, mas é daí que vem seu charme. Eu entendo e respeito isso.
Isso explica também porque temos tão poucas análises de jogos rogue por aqui. Eu simplesmente não tenho a paciência, a dedicação ou mesmo o apreço por eles. Mas para você não gostar de algo, é necessário saber do que se trata, e espero com este humilde artigo ter esclarecido suas dúvidas sobre o assunto, independente de sua opinião a respeito dos rogues. E falando nisso, volte amanhã para ler o que eu achei do roguelite que vem fazendo miséria e vendendo horrores sem nem ter sido lançado: Dead Cells.
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