Vivemos em uma época com muitas desenvolvedoras lançando seus primeiros jogos. Obviamente, estes jogos não têm grandes orçamentos e em geral têm uma equipe com pouca ou nenhuma experiência. Não à toa, a maioria dos estúdios opta por fazer um metroidvania 2D pixelado. É o mais fácil e o mais barato possível. Phantom 8, a desenvolvedora de Past Cure, foi pelo caminho totalmente oposto.
Nada de pixel art. Nada de metroidvania ou mundo aberto. Past Cure é um jogo de ação linear com gráficos 3D e foco na história, um tipo de jogo tão caro e tão difícil de se fazer que atualmente parece existir apenas entre os grandes exclusivos de consoles (como Uncharted ou Quantum Break). Aliás, a comparação com Quantum Break é relevante, já que os jogos anteriores do estúdio Remedy, em especial Max Payne e Alan Wake, são claras influências aqui.
CADÊ MINHA MEMÓRIA?
O protagonista de Past Cure é Ian, um ex-soldado que, ao ser raptado, foi vítima de experimentos científicos. Isso apagou a memória de três anos da sua vida, mas também lhe concedeu poderes. Mais especificamente, ele é capaz de fazer projeção astral e manipular o tempo (aka bullet-time).
Ele quer se vingar dos maledetos que o raptaram, e finalmente tem uma pista de onde encontrá-los. Isso é uma coisa que eu achei legal. Em geral os games têm uma história que se passa numa sequência de missões independentes, mas aqui a coisa é mais parecida com um filme. Ian tem um único objetivo e uma única missão. Depois que ele sai de casa, não volta mais até terminar, mais ou menos como costuma ser em um filme.
O jogo tem sete capítulos. Os três primeiros são tutoriais que servem como um prelúdio para a missão, que acontece nos quatro posteriores. Isso, por outro lado, é um problema. Embora os três primeiros capítulos sejam bem mais curtos que os outros, é um tutorial um tanto longo demais. Ao jogar a terceira fase, eu estava me perguntando quanto ainda ia demorar para o jogo começar.
TIMING
Timing é um problema em Past Cure. As missões em geral são focadas em uma única mecânica. Tem a parte do tiroteio, a parte do stealth, a parte cinemática e a de puzzles, e todas elas duram mais do que deveriam e não se intercalam. Um pouco mais de variação ou um simples corte na duração faria maravilhas pelo jogo.
Por exemplo, a primeira fase propriamente dita é um tiroteio num estacionamento, e embora comece legal, ela se estende por muito tempo, e dá a sensação de você estar sempre passando pelo mesmo cenário, incluindo a disposição dos detalhes.
O gameplay varia entre momentos “reais”, onde você está cumprindo sua missão contra agentes de terno; e pesadelos, com um clima mais tenso e criaturas de porcelana com barrigas de tanquinho (e quem não tem medo de porcelana ou de pessoas que treinam?).
A história, que é o foco do jogo, é bacana, embora termine daquele jeito que deixa mais perguntas do que respostas. Imagino que o time da Phantom 8 espera conseguir fazer uma continuação, mas considerando o quanto Past Cure investe na história, terminá-lo desta forma é um tanto frustrante para o jogador.
Não ajuda o fato de que o jogo culmina em um chefe cuja batalha é dividida em sete partes e não tem checkpoint durante a luta. A coisa nem é ruim. Do ponto de vista de gamedesign até é interessante, pois é o único ponto da campanha em que você precisa usar todas suas habilidades. Mas a ausência de checkpoints e a duração hercúlea fez com que eu passasse uma hora e 15 minutos só nessa batalha. E, quando finalmente consegui passar, o final foi frustrante. Também não dá para não criticar o ator que faz a voz de Ian, que está claramente lendo suas falas, sem apresentar nenhuma emoção durante o jogo inteiro.
Esteticamente, o jogo deixa claro suas raízes indies. Dificilmente alguém consideraria Past Cure um jogo bonito, embora ele traga alguns cenários interessantes. Curiosamente, a imagem sempre fica entre duas barras pretas, como o primeiro The Evil Within, o que provavelmente foi feito mais com a intenção de limitar os pixels e melhorar a performance do que como uma opção estética.
UM TIME ESFORÇADO
Past Cure é um jogo feito por um time de 10 pessoas, e é o primeiro jogo de oito deles. Assim, não dá para desconectá-lo deste contexto. Se você o fizer, provavelmente não vai gostar do que tem aqui, pois ele comete alguns erros bem fáceis de evitar.
Refiro-me a coisas como colocar checkpoints antes de cutscenes e não depois, ter que segurar o L3 para correr ao invés de só clicar, ou problemas técnicos como vozes que somem no meio das cutscenes e legendas ocasionalmente sem sincronia.
Colocando no contexto, no entanto, de que é um jogo indie feito por um time pequeno e quase sem experiência, não dá para negar que é uma conquista considerável. Past Cure tem problemas, é inegável, mas o time da Phantom 8 conseguiu fazer um tipo de jogo reservado aos estúdios mais virtuosos e ricos da atualidade. Isso é digno de nota.
Justamente por causa da dificuldade em criar algo do gênero, quase não existem jogos como Past Cure hoje em dia, e eles fazem muita falta. Até a endinheirada EA está fugindo de jogos assim graças ao custo elevado deles. Considero obras como esta o verdadeiro filé dos videogames, o melhor que a mídia é capaz de criar, e é uma pena que isso ande tão abandonado atualmente. Assim, não dá para comparar o gameplay ou a história com os jogos da Remedy que influenciaram a Phantom 8, mas também não dá para negar a eles os louros que lhe são devidos.
Lembrou-me, por exemplo, de Killzone, que começou como um jogo razoável que poucas pessoas jogaram, e daí recebeu o dinheirão de exclusivo da Sony e se tornou uma grande franquia. É inegável que o time da Phantom 8 tem talento e uma ambição que pouquíssimos estúdios estreantes apresentam, então torço para que isso também aconteça com eles.
Embora tenha problemas que são inegáveis – e compreensíveis, dada a dificuldade em criar um jogo desses de forma independente – eu gostei de ter jogado Past Cure. Se você gosta do gênero tanto quanto eu, recomendo com algumas ressalvas. Mantenha sempre o contexto no qual ele foi criado na cabeça e você provavelmente vai se divertir bastante.