Aviso ao delfonauta: o texto abaixo foi escrito como um exercício em tentar contar fatos reais da forma abordada pelo “novo jornalismo”, também conhecido como “jornalismo literário”, forma de narrativa que rendeu livros como A Sangue Frio, de Truman Capote. Como minha memória está muito longe de ser fotográfica, e isso aconteceu há bastante tempo, não é um retrato 100% fiel da realidade. Digamos que é 90% fiel. Mas várias curiosidades que o público roqueiro tem sobre os bastidores do jornalismo musical podem ser saciadas abaixo.
Tudo começou quando entrevistei o Queen Cover, que foi a primeira exclusiva que fiz. Daí surgiu uma certa amizade com o guitarrista Márcio Sanches, com quem fiz minha segunda exclusiva, onde conheci o baterista Fabrício Ravelli, que na época tocava no Harppia e que seria minha próxima vítima.
Mantendo contato com o Márcio, ele comentou que era amigo do Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura e me passou o e-mail do cara para que eu fizesse uma entrevista com ele. Era julho de 2004 e, nessa época, o DELFOS estava ficando bem sério, o conteúdo estava ficando cada vez mais profissional e já estávamos conseguindo acesso de imprensa a shows e sessões de cinema, mas ainda éramos prejudicados pelo layout de blog, que fazia com que muitas pessoas não nos levassem a sério. Justamente por isso, achei que uma entrevista com o Sepultura estava um pouco fora do nosso alcance. Então guardei o e-mail do Andreas.
Algumas semanas depois, finalmente contratei alguém para desenvolver o portal. O prazo pedido foi dois meses, ou seja, sairia em setembro. A-há! Agora as coisas começavam a se mover e tive a não tão genial idéia de fazer a entrevista com o Sepultura para que o site estreasse com ela. Criei coragem, respirei fundo e escrevi para o guitarrista, avisando a idéia de publicar a entrevista junto com a entrega do site. A resposta veio no dia seguinte e transcrevo abaixo, exatamente como ela veio:
“Ola Carlos, tudo certo?
Vamos fazer a entrevista sem problemas… voce pode me ligar no (não vou publicar o telefone dele aqui) pra gente combinar um dia e horario.
Abraco
Andreas”
“Uau! Acabei de receber um e-mail do guitarrista do Sepultura”, pensei com meus botões. Admito que não sou fã da banda, mas o fato de uma banda desse porte aceitar conduzir uma entrevista ao site que havia criado alguns meses antes me deixou bem feliz. Empolgado, peguei meu telefone e disquei para o colega Bruno Sanchez, que conhecia a história deles como ninguém. A conversa resultante dessa ligação você confere, mais ou menos fiel, abaixo.
Carlos: Fala, cara.
Bruno: Fala, meu.
C: Então (pausa dramática)… consegui uma entrevista com o Sepultura.
B: (silêncio).
C: Bruno?
B: (com tom descrente) Você ta brincando comigo, né?
C: Nem tô, é verdade. Acabei de receber o telefone do Andreas por e-mail.
B: (silêncio).
C: Alô?
B: (gritando e sem pausas) Cara! Meu! Como assim? Sério?
C: Sério. Vou ligar para ele agora e é você que vai conduzir a entrevista. Eu vou junto só para fotografar.
B: (silêncio).
C: Tudo bem?
B: Cara, eu vou entrevistar o Andreas?
C: Vai. Tudo bem? Você vai conseguir se conter e entrevistar o cara de forma profissional?
B: Vou, vou. Eu dou um jeito. Vou fazer as perguntas e mando para você em dois dias.
C: Beleza, vou ligar para o Andreas e marcar uma data, então.
Desligamos e liguei para o guitarrista com o coração na boca. Sentia-me como se fosse chamar uma garota para sair, com a diferença de que a possibilidade de levar um fora na ligação que faria era bem maior e doeria muito mais.
Andreas: Alô?
Carlos: Oi, eu queria falar com o Andreas.
A: Sou eu.
C: Oi, Andreas. Aqui é o Carlos do site DELFOS.
A: Oi, Carlos.
C: Então, estou ligando para ver se poderíamos marcar aquela entrevista.
A: Claro. Que tal no dia 30?
C: Pode ser? Onde e em que horário?
A: Vamos marcar no estúdio onde a gente ensaia. Eu não sei o número, mas passo a rua e a descrição da casa. Você pode às 15 horas?
C: Posso sim. Está marcado então.
A: Ta, só me dá uma ligada nesse dia de manhã para ver se não rolou nenhum problema.
C: Beleza, até lá então.
A: Até.
Assim que eu desligo, o telefone toca. É o Bruno.
B: Cara!
C: Fala, meu.
B: Já tenho 157 perguntas.
C: Caramba! Me manda por e-mail para eu ver se tenho algo a acrescentar ou tirar.
B: Beleza.
C: Eu acabei de falar com o Andreas e marcamos para o dia 30 às 15 horas. Beleza?
B: Claro. Eu passo aí para te pegar e a gente vai junto.
C: Ok. Até lá!
No dia 30 de agosto, pela manhã, eu faço a ligação para confirmar a entrevista e está tudo ok. Lá pelas 13:30, o Bruno me liga falando para eu descer. Pego minha câmera, desço e entro no carro do Bruno. Estava tocando Sepultura absurdamente alto e ele estava incrivelmente pálido, mas aparentemente, feliz e empolgado, assim como eu. Fomos conversando sobre coisas banais e tivemos alguma dificuldade em achar a rua. Quando achamos, dirigimos por ela inteira sem achar o tal estúdio. Demos algumas voltas até que finalmente vimos uma casa que batia com a descrição. Estávamos adiantados e esperamos no carro para ter certeza que era aquele o lugar. Afinal, imagina se batemos na porta da casa errada e perguntamos naturalmente: “Oi, é aqui que o Sepultura ensaia?”.
O tempo foi passando e nada. Quando passou um pouco do horário combinado, liguei para o Andreas que disse que estava a caminho e o Bruno foi ficando cada vez mais tenso. Até que uma moto parou na frente da casa e tocou a campainha. Era Igor Cavalera, o baterista. Agora tínhamos certeza que era o lugar certo e, ao invés de nos acalmarmos, ficamos ainda mais tensos. Optamos por esperar no carro até o Andreas aparecer e então o vimos andando em direção à casa. Saímos correndo do carro e me apresentei para o Andreas. Também apresentei o Bruno e avisei que ele que conduziria a entrevista. Entramos na casa e o guitarrista fala para sentarmos e aguardarmos um pouco. Era uma sala agradável, com um barzinho e dois sofás. Eu sentei em um e o Bruno em outro. Nesse tempo, Igor passa algumas vezes por nós, mas não falamos com ele, nem ele conosco. Minutos depois, Kisser retorna, se senta ao lado de Bruno e fala: “Vamos lá?”.
Para evitar ser inconveniente, pergunto quanto tempo teríamos e ele responde “uma meia-hora”. Bruno começa a entrevista e parece até que já tinha feito isso várias vezes. Detalhe, essa era a primeira vez que o cara estava conduzindo uma entrevista, já que todas as anteriores foram conduzidas por mim. E o cara já começou com Sepultura. Fiquei a maior parte do tempo ouvindo e ocasionalmente, quando percebia que algo poderia ser melhor elaborado, acrescentava algumas perguntas. Andreas foi bem diferente das outras entrevistas que havíamos feito. Foi uma conversa bem séria, o que não significa que ele foi antipático, e respondeu até mesmo às perguntas mais cabeludas numa boa, sem se tornar monossilábico. A entrevista acabou durando pouco mais de uma hora (você pode conferí-la na íntegra aqui, mas Andreas não reclamou e respondeu tudo.
Quando Bruno terminou as perguntas, perguntei para o Andreas se ele poderia deixar uma mensagem em vídeo para os delfonautas (apelido carinhoso para o público do DELFOS). Andreas topou e filmamos. Pedi para tirarmos algumas fotos. Tirei umas duas ou três do guitarrista sozinho e perguntei se teríamos como fotografar a banda inteira. Ele disse que sim e nos levou para dentro do estúdio, onde fomos apresentados para os membros remanescentes. Igor Cavalera foi bastante simpático, o que me surpreendeu, já que sempre imaginei que ele fosse o menos acessível da banda. O vocalista Derrick Green, por outro lado, sempre me pareceu um cara legal e não frustrou minhas expectativas. O baixista Paulo Jr. estava quase irreconhecível e tive a impressão que ele era um cara mais tímido do que os outros, mas nos tratou bem. Tirei duas fotos e agradeci.
Andreas nos acompanhou até a porta e perguntei para o Bruno se ele não pediria para a banda autografar seus CDs. Ele pediu e até brinquei com o guitarrista dizendo: “Até agora ele estava se comportando de forma profissional, mas o cara é muito fã do Sepultura”. Kisser levou o encarte para seus companheiros assinarem, nos despedimos e fomos embora.
Bruno voltou a respirar e aos poucos foi retornando à sua coloração habitual. Confessou que se sentiu como se estivesse possuído durante a entrevista, sem pensar muito no que estava acontecendo. Estávamos felizes por tudo ter dado certo, mas até hoje não entendi porque ele não aproveitou para autografar todos os CDs da banda. Uma chance dessas só se tem uma vez na vida.
O resto da história você já sabe. Sugeri que ele escrevesse esse texto para aproveitar o timing. Depois tivemos muitos problemas no desenvolvimento do portal, o que fez com que ele só ficasse pronto em 2006. Como sempre achamos que era questão de algumas semanas, fomos guardando a entrevista, para desespero de muitos delfonautas como o Guilherme (que depois viria a entrar na equipe), que estavam doidos para lê-la. Agora que ela já está publicada, todos podem lê-la e esperamos que tenha correspondido às expectativas.
Agora, dois anos depois da conversa com o Andreas, o DELFOS cresceu bastante, já entrevistamos bandas internacionais enormes, como W.A.S.P., Grave Digger e Hammerfall, mas sempre vou lembrar daquela primeira grande entrevista com o Sepultura, que nos deu segurança e moral para possibilitar que o site alçasse vôos mais altos. Nada mal para um projeto que começou na cabeça e no coração de um publicitário infeliz com a profissão, que não fazia idéia de como funcionava o mundo do jornalismo, mas queria porque queria trabalhar com o que gosta. E conseguiu.
